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O backlash e o Supremo Tribunal Federal

Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: IARA MORSELLI/ESTADÃO Foto: Estadão

Oportunidade prazerosa foi integrar a banca de doutorado de Alex Saito Ramalho, que, orientado pelo professor e constitucionalista Alexandre de Moraes, submeteu à comissão examinadora sua tese "As reações políticas e sociais à jurisdição constitucional na sociedade virtual".

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Experiência singular, porque me propiciou adentrar a um tema de grande interesse empírico, mas, para mim, até então, desprovido do tecnicismo e da erudição do doutorando. Hoje, com justiça, Doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do largo de São Francisco, a joia da coroa da USP.

Quando iniciei a leitura da substanciosa tese, associei sua ideia central à teoria da comunidade aberta de intérpretes da Constituição formulada por Peter Häberle e que foi trazida ao Brasil em primorosa tradução do ministro Gilmar Mendes. Houve adequada menção disso no corpo do trabalho.

No decorrer da apreciação, vi que o tema é bastante explorado pelo direito e sociologia estrangeira, sobretudo nos Estados Unidos. Daí a denominação "backlash" que significa, exatamente, a reação a julgamentos proferidos pelas cortes constitucionais. Fenômeno que ocorre inclusive no Brasil, onde o STF assumiu um protagonismo bastante significativo, a partir da Constituição Cidadã de 1988.

A profundidade com que Alex Saito Ramalho desenvolveu sua tese é uma prova de que a pós graduação cresce em qualidade e em produção de obras que impactam a sociedade. Muito instigante o teor da análise contida na tese. Sugeriu-me vasto contingente de questões, naturalmente não formuladas, diante de cinco examinadores e do limite regimental de tempo reservado a cada qual, mas que guardo para a minha reflexão.

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Dentre elas, questiono-me se o backlash tem alguma característica específica em sociedades de quase nenhum consenso como aparenta ser a brasileira destes tempos. É possível aferir a relevância das reações em sociedades fragmentadas?

O doutor Alex cita Sustein que fez uma afirmação interessante: quando as decisões não forem extensas (raciocínio horizontal) nem profundas (raciocínio vertical) haveria uma redução da margem para os chamados erros judiciais. Custo a crer que assim seja, embora adepto da concisão. Tão em falta nesta era de ctrlc + ctrlv.

Ao abordar a metáfora do juiz Condorcet, atento à sabedoria das multidões, ocorreu-me suscitar uma questão: caberia incluir no sistema brasileiro o "recall judicial"? Seria uma fórmula de entregar à população a prerrogativa de modificar uma decisão judicial que se afastasse completamente do senso jurídico da época. Tema complexo e nevrálgico.

Gostei da figura do "constitucionalismo de camuflagem", que refletiria a ojeriza de alguns julgadores quanto à possibilidade de ouvir o clamor do povo, imersos no lema do "faça-se justiça e pereça o mundo". Anime-me a refletir se o blacklash tem alguma participação no processo de depauperamento da sociedade brasileira.

Ainda aceito como provocação invocar Holmes e novamente Sustein, que afirmam ser "dinheiro dos contribuintes o tempo das cortes". Asserto que nos levaria a concluir no sentido inverso ao atual: a busca do Judiciário deve ser a alternativa, enquanto a composição consensual dos conflitos seria a tática natural de solução das controvérsias.

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Cabe indagar se, pelo conteúdo da tese, e considerada a policrise brasileira, o STF estaria elaborando a necessária "jurisprudência de crise" ou restaria ainda preferencialmente apegado ao dogmatismo tradicional. Considerei curioso argumentar, à luz da concepção de Andrea Magalhães, que os pedidos de vista de alguns juízes é uma tática de se valer do decurso de tempo como forma super reptícia de manutenção do status quo. Será que eles têm noção dessa leitura de parte da doutrina?

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Um autor muito citado no trabalho, Samuel Fonteles, cita 10 sintomas para explicar quando é que realmente ocorre um backlash. Como se enquadraria, sob essa ótica, a situação brasileira?

Quando  ouvi menção à manifesta relativização da soberania em todo o planeta, fica ainda mais difícil explicar qual seria a racionalidade existente na reação irada do governo diante de reclamos internacionais em favor da floresta amazônica , um patrimônio da humanidade. Seria a bizarra ressurreição da arcaica soberania na retórica popularista?

Um aceno de esperança contido na tese de Alex Saito Ramalho é a abordagem ao sistema Victor, desenvolvido pelo STF, evidência de que a inteligência artificial afetou profundamente o sistema justiça. O que mais virá, para tornar a Justiça ajustada ao nosso tempo e compatível com as expectativas da cidadania?

A palavra está com as novas gerações, sempre abertas à recepção do que acontece no mundo, sem a resistência dos fossilizados que comandam e talvez com saudável perspectiva de total libertação do anacronismo imperante na maior parte do ensino jurídico em território tupiniquim.

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*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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