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O assédio no esporte é questão estrutural e exige investigação rigorosa

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Por Julia Carvalho
Atualização:
Julia Carvalho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Casos de assédio no esporte, como o que tem sido investigado na CBF (Confederação Brasileira Futebol) nas últimas semanas, estão longe de serem situações isoladas no Brasil e no mundo. Reconhecer que as instituições esportivas não estão imunes a esse tipo de problema é um passo importante para que se criem ambientes de trabalho e de competição mais saudáveis. A questão é sistêmica e estrutural. Admitir essa característica também é fundamental para se lidar com o problema e preveni-lo.

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No ambiente corporativo, não é raro que, diante de situações de que vieram à tona, o assediador seja sumária ou até tardiamente demitido - seja para coibir uma situação que viole as regras de conduta ética e moral da empresa ou para não comprometer a imagem da companhia perante o mercado.

No esporte, o afastamento ou a demissão de profissionais que praticam assédio moral ou sexual após terem sido revelados à opinião pública não podem ser considerados medidas suficientes. É urgente que as instituições esportivas sejam capazes de se antecipar a esses riscos, assim como de adotar estratégias profissionais para lidar com  assédio denunciado.

No ambiente esportivo, a profissionalização das ações de combate e prevenção ao assédio se faz muito mais premente. Existem populações específicas que são mais vulneráveis a esse tipo de incidente, como os atletas menores de idade. Também há ocasiões em que há maior exposição a esse tipo de comportamento, como equipes que viajam e convivem juntas por semanas ou meses, expondo todos a uma mescla de suas vidas pessoais e profissionais. Existem, ainda, relações de poder que podem dificultar a reação ou denúncia das vítimas, como a de treinadores-atletas, diretoria-comissão técnica, ou mesmo entre pessoas de destaque e funcionários anônimos.

Alguns casos icônicos de assédio no esporte foram revelados ao mundo nos últimos anos. Foi o caso do ex-médico da seleção norte-americana de ginástica olímpica, Larry Nassar, e da série de processos contra a USA Swimming, o órgão regulador nacional da natação nos Estados Unidos, contra treinadores chamados de predadores sexuais.

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Em 2020, o Brasil também presenciou a revelação de uma série de casos de assédio moral e racismo que teria ocorrido em um clube recreativo em São Paulo. A investigação atual da CBF sobre a denúncia de assédio de uma ex-secretária do presidente da entidade, Rogério Caboclo, custou recentemente ao gestor o afastamento temporário do cargo.

Lidar imediatamente com o problema é a opção mais viável uma vez que ele seja relatado, sobretudo com a instalação de uma investigação independente, discreta e ágil. Mais que isso, a investigação deve trabalhar com uma metodologia que assegure que os fatos serão apurados e tratados de forma profissional e imparcial. Essa resposta, por si só, já pode alterar o ambiente e transmitir o recado de que situações como essas não são toleradas.

Além disso, adotar a investigação como passo zero para as denúncias de assédio costuma inibir assediadores e estimular testemunhas. À medida em que esse trabalho é conduzido por terceiros externos ao ambiente, menores são os riscos de pressões sobre vítimas e testemunhas, e mais isentas são as investigações. A liberdade de trânsito para quem investiga é fundamental para o bom resultado do trabalho.

Um segundo passo é o de dar espaço para se tratar também das demandas sobre assédio represadas, que costumam aparecer em toda instituição que se propõe a realizar investigações sobre temas que antes eram ignorados. Para isso, é preciso haver um canal de denúncias anônimas confiável, ou ao menos um profissional apto a recebê-las e dar a elas encaminhamento.

Passadas essas duas etapas é que se pode pensar na terceira: a de treinamento de todo o corpo de funcionários sobre o que é e o que não é assédio, quais os conceitos e quais os procedimentos a se adotar e seguir caso isso aconteça. Em suma, é preciso estabelecer um ambiente seguro para que os funcionários, de quaisquer esferas, não se sintam intimidados ou temerosos em denunciar.

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À medida em que o tema ganha espaço no ambiente esportivo, boas iniciativas também começam a despontar e a sugerir caminhos. O assédio tem se mostrado uma preocupação do COI (Comitê Olímpico Internacional). Em 2017, a organização lançou um manual de conduta para comitês olímpicos nacionais dos países associados, de forma a garantir a proteção de seus atletas diante de possíveis casos de assédio e abuso sexual que ocorreram ou possam ocorrer em suas carreiras. A iniciativa veio de um pedido dos próprios atletas. É um começo.

Situações de assédio não só maculam o gerenciamento das instituições, como eliminam a possibilidade de os atingidos, atletas ou não, se desenvolverem no máximo de suas potencialidades. Afinal, quem performa em um ambiente de medo, opressão e intimidação?

Se é um fato que o esporte nos desafia a superar nossas próprias barreiras, é o momento de se ultrapassar suas limitações históricas, que já não encontram mais uma zona de conforto em 2021.

*Julia Carvalho é gerente na Kroll do Brasil

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