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O arquivamento sumário dos pedidos de impeachment de ministros do STF foi legal?

Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:
César Dario Mariano da Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Uma das questões mais discutidas, que ocorreu no apagar das luzes no final do ano passado, foi a decisão do presidente do Senado Federal de indeferir monocraticamente o processamento de todos os pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal e procurador-geral da República.

Cuidou-se de um dos últimos atos da gestão do senador Davi Alcolumbre antes de deixar o cargo de presidente da Casa, uma vez que não foi autorizada a reeleição.

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De acordo com o nosso sistema jurídico, é possível tal decisão, que causou revolta na população em geral?

Creio que não e explicarei o porquê.

Não obstante o Regimento Interno do Senado Federal, no que tange especificamente a essa questão, ser omisso, a interpretação sistemática de diversos de seus dispositivos e de acordo com outros expressamente previstos na Lei nº 1.079/1950, leva-nos a essa conclusão.

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A primeira observação que faço é que no nosso sistema processual cabe recurso ou impugnação de todas as decisões, notadamente das monocráticas.

Muito embora não se trate de decisão judicial, mas administrativa, por simetria e analogia os princípios processuais lhe são aplicáveis.

O diploma legal que regula os processos de impeachment dos ministros da Excelsa Corte e do procurador-geral da República é a Lei nº 1.079/1950, mais precisamente nos artigos 41 e seguintes.

O artigo 44 deste diploma dispõe que a denúncia apresentada por qualquer cidadão será recebida pela Mesa do Senado, que, nos termos do artigo 46 do seu Regimento Interno, é composta, não apenas pelo presidente da Casa, mas também por dois vice-presidentes e quatro secretários.

Com efeito, a Mesa não é um órgão unipessoal, pelo contrário, mas colegiado, responsável por deliberações conjuntas, dentre elas a de recebimento e análise de pedidos de impeachment contra os ministros da Suprema Corte e procurador-geral da República, nos termos do artigo 44 da Lei nº 1.079/1950.

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Por outro lado, o artigo 48 do Regimento Interno do Senado Federal traz as atribuições do presidente do Senado Federal. Dentre elas, não há nenhuma que lhe dê suporte para decidir monocraticamente sobre os pedidos de impeachment das autoridades em comento. Aliás, o inciso XXXIII do dispositivo diz expressamente que o presidente deverá resolver, ouvido o plenário, qualquer caso não previsto no regimento.

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Ademais, todas as vezes que o presidente indeferir alguma proposição que lhe pareça contrária à Magna Carta, às leis e ao regimento interno, é possível recurso para o plenário, que decidirá, após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. É o que dispõe o inciso XI, do artigo 48, do Regimento Interno da Casa.

Note-se, inclusive, que o artigo 48 da Lei nº 1.079/1950, reza que: "Se o Senado resolver que a denúncia não deve constituir objeto de deliberação, serão os papeis arquivados". E essa decisão do Senado dar-se-á após a deliberação de uma comissão especial eleita para opinar sobre o pedido. No caso de a denúncia ser considerada objeto de deliberação, ou seja, contiver elementos necessários para a instauração do processo de impeachment, a Mesa remeterá cópia das peças ao denunciado para responder à acusação, que seguirá o trâmite previsto nos artigos 58 e seguintes, exceto quanto aos crimes descritos no artigo 10 praticados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e procurador-geral da República, que observarão o procedimento trazido na Lei nº 8.038/1990, que cuida dos processos de competência originária dos Tribunais Superiores.

Com efeito, decidir monocraticamente sobre pedidos tão importantes fere o procedimento previsto na Lei nº 1.079/1950, o próprio Regimento Interno do Senado Federal, além do sistema recursal previsto em nosso ordenamento jurídico, que pressupõe reanálise de todas as decisões, notadamente das monocráticas.

Concentrar tamanho poder nas mãos de uma pessoa é abrir as portas para o arbítrio, manipulações e conchavos, o que decerto não faz parte do estado democrático de direito.

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Dessa forma, as decisões monocráticas tomadas pelo presidente do Senado Federal podem e devem ser revistas pelo plenário da Casa, não podendo se esgotar em si mesmas, sendo possível aos autores dos pedidos de impeachment, ou mesmo a algum senador, interpor o competente recurso, a fim de ser determinada pelo Plenário a análise dos pleitos pela Mesa do Senado, nos termos do que dispõe o artigo 44 da Lei nº 1.079/1950.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor Universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito PenalLei de Execução Penal ComentadaProvas IlícitasEstatuto do Desarmamento Lei de Drogas Comentada, publicados pela Juruá Editora

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