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O anacronismo prisional frente à covid-19

Dados sobre a situação penitenciária revelam características em comum entre os países latino-americanos, como superlotação dos estabelecimentos penais, ausência de atividades educacionais e formativas e, em muitos, tratamentos desumanos e degradantes. As prisões configuram-se como ambientes inseguros, que ameaçam o direito à vida e à integridade física e mental das pessoas privadas de liberdade.

Por Jacopo Sabatiello e Mariana Vendrame Carrera
Atualização:

Segundo dados disponíveis, a América do Sul possui aproximadamente 1,7 milhões pessoas privadas de liberdade. A taxa de ocupação média é superior a 100% e supera 350% em alguns países como Guatemala (372%) e Bolívia (363%). Para além da superlotação, a região sofre com a utilização excessiva do uso da prisão preventiva. Paraguai e Honduras, por exemplo, contam respetivamente com 80% e 53% da sua população carcerária presa de maneira provisória.

Jacopo Sabatiello e Mariana Vendrame Carrera. Foto: Arquivo/Avsi Brasil

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A superlotação, além de violar direitos das pessoas privadas de liberdade, dificulta uma gestão prisional eficiente e eficaz, impedindo que a pena alcance os seus objetivos principais, tampouco contribuindo para a redução da reincidência criminal. Assim, a privação da liberdade reduz-se ao aspecto punitivo, transformando a prisão em um exclusivo espaço de vingança.

Esse cenário é alimentado por uma pressão social que apoia políticas criminais e penitenciárias mais repressivas, que, de forma geral, não geram impactos positivos na redução da criminalidade. Pelo contrário, existem evidências que tais políticas mantêm ou podem aumentar os problemas ligados à segurança pública.

Nesse contexto, a chegada da Covid-19 evidenciou ainda mais a inadequação dos sistemas carcerários. As prisões representam hoje fonte de preocupação frente aos efeitos da pandemia, especialmente para as pessoas que compõem grupos de risco, como idosos, diabéticos, hipertensos, enfermidades autoimunes, dentre outros. A situação exige uma maior atenção devido aos altos níveis de contágio encontrados no sistema prisional.

A pandemia exigiu uma resposta da maioria dos governos latino-americanos que restringiram visitas e entrada de voluntários nos sistemas prisionais. Como consequência, junto à impossibilidade de distanciamento social, os níveis de tensão para o distanciamento com a família e a ociosidade estão muito altos na região.

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Frente a essa situação, o projeto Más Allá de las Fronteras, iniciativa promovida pela AVSI Brasil e pela FBAC, cofinanciada pela União Europeia, realiza a campanha Humanizar a Pena. Promover a Vida, na qual recuperandos de 23 APACs de Minas Gerais e do Maranhão produzirão 350 mil máscaras, doadas à sociedade para a prevenção do coronavírus. A campanha busca sensibilizar a população sobre a necessidade da promoção de alternativas humanizadas ao sistema prisional que prioriza quase exclusivamente o aspecto punitivo e que não oferece condições de ressocialização através de alternativas viáveis ao sistema, como as APACs.

Por outro lado, contando com o trabalho voluntário das pessoas privadas de liberdade, a campanha distribuirá máscaras às comunidades para a diminuição do contágio da Covid-19. Assim, mantendo a população carcerária ativa e a comunidade protegida neste momento de pandemia, a inciativa aproxima a população carcerária da sociedade.

É preciso romper com realidade do sistema prisional, repressivo, violento, superlotado e precário, no qual os indivíduos em cumprimento de pena recorrentemente retornam ao convívio social ainda mais marginalizados. Existem caminhos que podem ser trilhados para redução da superlotação, como por exemplo a utilização de medidas alternativas à detenção, ou adotando políticas públicas que visam promover processos de justiça restaurativa.

O processo é longo e passa por uma mudança cultural e social de compreensão da pena, que é exclusivamente a privação da liberdade, a limitação do direito de ir e vir, continuando a pessoa privada de liberdade a titular de todos os demais direitos previstos e garantidos na Constituição Federal e pelos tratados internacionais.

*Jacopo Sabatiello, vice-presidente da AVSI Brasil, e Mariana Vendrame Carrera, analista internacional da AVSI Brasil

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