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O abuso do fisco municipal no cálculo do ITBI

Por Kelly Durazzo
Atualização:
Kelly Durazzo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Após 16 anos da edição do Decreto nº 46.228 de 2005, que instituiu no município de São Paulo o Valor Venal de Referência (VVR), o mesmo continua gerando uma enxurrada de demandas judiciais com intuito de obter autorização para recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) sobre sua base legal e não sobre o VVR. Não bastasse o problema localizado, tal ilegalidade se espalhou por vários outros municípios no Estado de São Paulo.

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O VVR é variação do valor do imóvel de acordo com as flutuações mercadológicas apuradas entre os preços das transações imobiliárias ocorridas em um determinado período. O valor é determinado pela Prefeitura, que não detalha de forma transparente como chegou ao número em questão.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já se posicionou no Incidente De Resolução De Demandas Repetitivas (Tema 19 do TJSP, IRDR n. 2243516 -62.2017.8.26.0000), fixando a tese no sentido de que a base de cálculo do ITBI deve corresponder ao valor venal do imóvel ou ao valor da transação, o que for maior, reconhecendo a ilegalidade da base de cálculo sobre o VVR.

Apesar de já existir a posição consolidada do TJSP, o decreto nº 46.228/05 continua em vigor, causando estragos aos contribuintes desavisados e sobrecarregando o Judiciário, já que os contribuintes são coagidos a ingressar com Mandado de Segurança para ver seu direito amparado contra flagrante ilegalidade.

É o caso, por exemplo, do recente Mandado de Segurança 1000784-63.2021.8.26.0053-3, que tramitou perante a 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, por meio do qual o contribuinte foi autorizado a pagar o ITBI sobre o valor da transação na aquisição do imóvel (R$ 900 mil) e não sobre o VVR (RS1,240 milhão), representando uma economia de R$ 12 mil em impostos. Seja em grau de recurso ao TJSP, seja pelas decisões de 1ª instância, patente é o reconhecimento da ilegalidade do VVR para fins de base de cálculo do ITBI.

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Não bastasse a substituição ilegal pura e simples do Valor Venal pelo VVR, também é clara a abusividade da Municipalidade de São Paulo instituindo nova base de cálculo para o ITBI através de decreto, o que deveria ser feito por lei.  Escancaradamente, alterou a base de cálculo do tributo previsto em lei, em evidente afronta ao Princípio da Estrita Legalidade Tributária, contrariando os artigos 150, da Constituição Federal, que trata da limitação do poder de tributar, e o § 1º, art. 97, do Código Tributário Nacional.

Ora, se o fisco municipal, pela via do Decreto nº 46.228/05, admite que o Conselho de Valores Imobiliários do Município aumente a base de cálculo do ITBI, em conformidade com as pesquisas de mercado, sem dúvida alguma, altera a sua base de cálculo, incidindo claramente na vedação expressa do Código Tributário Nacional.

Neste sentido, é consolidada a posição do STF, em decidir que é "inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais." (RE 648245/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Órgão Julgador Pleno, Julgamento 01/08/2013, Divulgação 21/02/2014, Publicado 24/02/2014).

Passados 16 anos e uma enxurrada de processos judiciais, o resultado disso é que o Fisco Municipal paulistano continua faturando em cima dos contribuintes menos informados sobre o assunto e que recolhem o ITBI com base no VVR apresentado, sem questioná-lo judicialmente. Não à toa, encontra-se uma dificuldade absurda em se obter, através dos serviços on line disponibilizados no site da Prefeitura o valor venal do imóvel enquanto que o VVR é acessível a todo e qualquer contribuinte, sem qualquer formalidade. No Brasil, burocracia e desinformação dão lucro!

*Kelly Durazzo é sócia do Durazzo & Medeiros Advogados e especialista em direito imobiliário empresarial

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