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Novos tributos a pretexto da covid-19

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Por Daniel Abraham Loria
Atualização:
Daniel Abraham Loria. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A situação que vivemos é dramática. Além das questões urgentes de saúde, enfrentamos um enorme desafio financeiro. As empresas sofrem com redução substancial de suas receitas e temem não conseguir pagar suas obrigações. Ao mesmo tempo, os governos - federal, estaduais e municipais - necessitam de recursos vertiginosos para medidas de enfrentamento à pandemia e à crise dela decorrente.

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Na seara tributária, são muito bem recebidas as primeiras medidas de alívio ao caixa dos contribuintes, anunciadas pelo governo federal na noite de 1º de abril, com postergação de vencimentos de tributos federais sobre a receita bruta e sobre a folha de pagamento. Começamos a seguir o caminho trilhado por mais de 30 países, a exemplo de Alemanha, EUA e França.

Muitos contribuintes já buscavam judicialmente o direito à postergação do pagamento de tributos, tendo sido ajuizadas mais de uma centena de ações judiciais com esse objetivo nos últimos dias. A maior parte das decisões judiciais é favorável aos contribuintes, sendo que parte delas estabelece condições para permitir a postergação (como a manutenção de empregos). As discussões judiciais continuam, haja vista que nem todos os tributos tiveram seus vencimentos postergados pelo governo. Também há os tributos estaduais e municipais.

São mais preocupantes as tentativas de criação de novos tributos, em discussão no Congresso Nacional. Citamos três exemplos.

primeiro é a tributação sobre dividendos.

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Diante da necessidade de recursos, foram colocados em discussão projetos de lei que pretendem tributar dividendos pelo imposto de renda retido na fonte (IRRF), sem alterar a alíquota dos tributos incidentes sobre o lucro das empresas (IRPJ e CSLL). O IRRF poderia incidir sobre os dividendos distribuídos já em 2020, baseado em lucros apurados em anos anteriores. Tais projetos de lei onerariam excessivamente a mesma riqueza - na sua geração e na sua distribuição - e afetariam empresas de todos os portes, inclusive as pequenas. Além disso, a tributação imediata surpreenderia o contribuinte, sendo questionável judicialmente e podendo induzir a retirada dos lucros das empresas, em vez de manter os recursos para superar a crise.

Caso o legislador tenha intenção de tributar dividendos, seria mais razoável tomar como ponto de partida dois projetos de lei recentemente aprovados pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, antes da escalada da crise. Esses projetos criariam a incidência de IRRF sobre dividendos (da ordem de 15%), ao mesmo tempo em que reduziriam a alíquota do IRPJ e CSLL (para cerca de 20%). As novas regras entrariam em vigor somente para os lucros apurados a partir de 2021, de forma gradual. Sem prejuízo de potenciais ajustes, tais medidas liberariam recursos para a atividade produtiva e seguiriam padrões internacionais, inclusive aqueles adotados pelos países membros da OCDE, à qual o Brasil pretende se associar.

segundo exemplo de tributo em gestação é um empréstimo compulsório, que pode ser editado, por lei complementar, pelo governo federal, em caso de calamidade pública, nos termos do art. 148 da Constituição Federal. De acordo com projeto de lei, as empresas com patrimônio líquido superior a R$ 1 bilhão seriam obrigadas a transferir valores para o governo, que os devolveria no prazo de até 4 anos contados do fim da calamidade, conforme a disponibilidade orçamentária. Outros projetos trazem regras diferentes. Temos notícia de municípios que vêm tentando replicar essa mecânica, abrindo espaço para questionamento judicial. É contraproducente extrair recursos das empresas no meio da crise.

terceiro exemplo, em discussão há muitos anos e retomado em razão da crise, é o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Esse imposto tem fundamento no art. 153, VII, da Constituição Federal e requer lei complementar para entrar em vigor. O IGF incidiria sobre o patrimônio estático - e não sobre o seu crescimento de uma data até outra. Ele já foi experimentado por outros países, como a França, para depois ser revogado, alegando-se fuga de capitais e baixo potencial de arrecadação.

Segundo os projetos de lei, o IGF abrangeria todos os bens localizados no Brasil, independentemente de estes serem detidos por residentes no País ou no exterior. O patamar mínimo do patrimônio tributável seria da ordem de R$ 23 milhões, ou mais, a depender do projeto. Poderia ser aplicada uma alíquota de 0,5% a 1% por ano. O risco de saída de capitais do Brasil deve ser cuidadosamente avaliado, em especial na hipótese em que investidores estrangeiros forem tributados.

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As desigualdades no Brasil são enormes. Deveríamos refletir, neste momento de solidariedade, sobre medidas tributárias para facilitar doações e fomentar a cultura da filantropia. Um ato imediato seria simplificar os procedimentos para isenção do imposto sobre doações (ITCMD) por parte dos estados, assegurando que entidades do terceiro setor com projetos sociais importantes, inclusive na área da saúde, possam receber recursos sem risco de tributação. Outra possibilidade seria criar incentivos fiscais para doações, permitindo mais deduções e abatimentos na apuração de IRPJ, CSLL e no imposto de renda da pessoa física (IRPF).

Enfim, à luz do desafio que nossa sociedade enfrenta, devemos buscar medidas tributárias para aliviar o caixa das empresas e dos trabalhadores, como fazem os países ao redor do mundo. Não devemos criar novos tributos. Se o fizermos, corremos o risco de asfixiar ainda mais o setor produtivo, em vez de dar fôlego para a sua sobrevivência.

*Daniel Abraham Loria é advogado e sócio da área de Direito Tributário no BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão

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