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Novos movimentos no Parlamento ameaçam combate à corrupção

Por Ivana David
Atualização:
Ivana David. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O combate à corrupção no Brasil, conforme já abordamos em artigo anterior, iniciou-se em seguimento ao enfrentamento internacional ao delito, notadamente com a elaboração da Convenção de Mérida em maio de 2005. O ordenamento jurídico brasileiro vem sendo aprimorado desde então, com destaque à Lei nº 12.846/2013, denominada Lei anticorrupção, que passou a regular a fiscalização e a responsabilização de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública.

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Na oportunidade em que redigimos o artigo anterior, já nos preocupavam os movimentos no parlamento brasileiro na tentativa de esvaziar o sistema de investigação e combate à corrupção em território brasileiro, dentre elas a chamada "PEC da Imunidade".

Pois bem. Desde então foi possível verificar novas movimentações que vão de encontro à estrutura de combate à corrupção no país.

Ainda no final do mês de abril o Congresso Nacional derrubou dezesseis vetos presidenciais ao chamado pacote anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), passando a prever nova qualificadora ao homicídio cometido com uso de armas de fogo de uso restrito ou proibido, além de exigir a apresentação do preso em flagrante à presença do juiz de garantias em 24 horas para realização de audiência de custódia, vedando o emprego de videoconferência. Ademais, passou a autorizar a instalação de equipamento de gravação ambiental por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, vedada a realização no domicílio do investigado.

No entanto, com a derrubada do veto ao artigo 8º-A, § 4º, Lei nº 9.296/96, limitou-se a utilização de captação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público apenas em favor da defesa.

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Ora, certo que a prova não pode ter sua licitude aferida apenas em razão do beneficiário, o que em verdade representaria verdadeira ofensa aos princípios da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, em verdadeiro retrocesso legislativo no combate ao crime organizado e, consequentemente, à corrupção. Em resposta, foi protocolado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) o Projeto de Lei (PL) 1.503/2021, que autoriza o uso de captação ambiental como prova pela acusação quando demonstrada a integridade da gravação.

Vale ressaltar também que, nos meados do último mês de junho, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou requerimento de urgência para o PL 10.887/18, que revisa a lei de improbidade administrativa, limitando sua aplicação aos atos ímprobos dolosos e possibilitando a celebração de acordo de não persecução cível. Ademais, a proposta restringe à legitimidade privativa do Ministério Público, afastando a atuação da fazenda pública no oferecimento das ações de improbidade administrativa.

O ato de improbidade administrativa consiste na conduta do agente público que implica no enriquecimento ilícito ou vantagem patrimonial indevida, bem como aqueles que lesam o patrimônio público ou ofendem os princípios da administração pública, tais como a moralidade e a eficiência.

Certo que nos últimos dez anos, segundo dados do CNJ, foram observadas mais de 18,7 mil condenações por improbidade administrativa, o que certamente será prejudicado pela nova limitação legal. O projeto foi entendido como constitucional e aprovado no mérito pela Câmara dos Deputados, sendo encaminhado ao Senado Federal em 18 de junho de 2021, ainda pendente de análise.

Em contrapartida, permanentes são os esforços do Judiciário em aprimorar o sistema de investigação no país, com a implementação junto ao Sistema de Busca de Ativos o Poder Judiciário (Sisbajud) da Indicação de Ordem Sigilosa, desenvolvida junto ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que permite manter sob confidencialidade as operações de bloqueios de bens e valores que requerem segredo de justiça. Trata-se de instrumento importante no combate ao crime organizado e corrupção ao facilitar as apreensões de patrimônio e possibilitar o desmantelamento das organizações criminosas, enfraquecendo seu poder.

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É necessário ressaltar a importância de que o Brasil permaneça alinhado aos compromissos afirmados junto às organizações internacionais a fim de que seja efetivo o combate à corrupção, mostrando-se imperativo o reforço legislativo, além de impedir indevidas ingerências no ordenamento jurídico que atrapalhem o efetivo trabalho até então seguido. A importância da manutenção da estrutura de combate ao delito, além disso, mostra-se no interesse já expressado pelo Brasil em integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) possibilitando a recuperação econômica inclusiva e sustentável do país.

*Ivana David, juíza substituta em 2.º grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ingressou na magistratura bandeirante em 1990, atualmente integra a 4.ª Câmara de Direito Criminal

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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