PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Novo Marco Legal do Saneamento Básico: a reforma e suas implicações para novos investimentos

Por Bruno Werneck , Gustavo Vieira e Laís Youssef
Atualização:
Bruno Werneck, Gustavo Vieira e Laís Youssef. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Atualmente, os serviços de saneamento básico, como abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, são prestados de forma limitada e inadequada no Brasil, atingindo apenas aproximadamente metade da população. Baixos níveis de investimento são parte da razão pela qual o serviço não é amplamente oferecido. Em 2017, o investimento em saneamento básico foi semelhante ao montante investido em 2011 - US$ 2 bilhões -enquanto o custo para universalizar o acesso a todos os serviços de saneamento (água, esgoto, resíduos e drenagem) está estimado em US$ 94,3 bilhões, no período de 2014 a 2033, de acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico, exigindo, assim, um investimento médio anual de aproximadamente US$ 3,3 bilhões.

PUBLICIDADE

As tentativas de implementar mudanças no marco regulatório do setor foram discutidas por muitos anos, buscando uma verdadeira medida de modernização jurídica. Uma parte substancial da preocupação era sobre como tornar o setor mais atrativo para o investimento privado e reduzir a presença de empresas estatais.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 4.162/2019, que foi amplamente comemorada. O Projeto de Lei foi aprovado pelo presidente Jair Bolsonaro, após apresentar 17 vetos ao texto, e sancionado como Lei nº 14.026/2020 ("Novo Marco Sanitário" ou "Lei do Saneamento"). A Lei de Saneamento alterou as regras de prestação de serviços do setor e terá impacto significativo na outorga de novas concessões e medidas de modernização regulatória, entre outros temas.

O fim do monopólio estatal 

Uma grande mudança na Lei de Saneamento é a proibição de novos contratos de programa para prestação de serviços de abastecimento de água e esgoto. Os contratos de programa foram utilizados para permitir que as empresas estatais prestassem serviços em determinado município sem processo licitatório, impedindo a outorga da concessão a uma empresa privada, uma vez que os contratos de programa só poderiam ser celebrados com empresas estatais. Essa disposição legal foi um gargalo. Como resultado, hoje apenas cerca de 8% dos serviços de saneamento são prestados por empresas privadas no Brasil.

Publicidade

A proibição de novos contratos de programa torna a concorrência a regra principal. As empresas estatais podem participar dos procedimentos licitatórios em conjunto com empresas privadas em condições iguais para prestar serviços de abastecimento de água e esgoto. A atualização também significa que os serviços serão necessariamente prestados por meio de contrato de concessão após um processo de licitação pública.

Como regra de transição, o Marco do Saneamento Básico permite que os contratos de programa em andamento permaneçam em vigor até o seu vencimento se as empresas estatais forem capazes de provar sua capacidade econômica e financeira de prestarem os serviços por meio de recursos próprios ou financiamento de terceiros. O principal critério é a capacidade de oferecer acesso universal de serviços de água e esgoto nas áreas relevantes sob o contrato até 31 de dezembro de 2033. Se a estatal não puder comprovar sua capacidade para atingir esse objetivo, o contrato de programa em andamento será rescindido, e a outorga da concessão estará sujeita a um procedimento licitatório.

Um regulador nacional

 Anteriormente, o setor de serviços de saneamento era regulado apenas no nível municipal. A falta de padronização e regras básicas, incluindo critérios de revisão tarifária, indenização, fiscalização, metas e obrigações contratuais, oneraram custos de transação e desestimularam a entrada de novos atores privados no setor, dado o maior grau de insegurança e incerteza jurídica.

Uma das premissas do novo Marco Legal do Saneamento Básico, como indicado acima, é a necessidade de ampliar as parcerias com o setor privado para alcançar a ambiciosa meta de acesso universal ao serviço. A necessidade de adoção de medidas para melhorar e estabelecer uma regulação padronizada eram uma das principais preocupações do mercado. Como resultado, o Marco Legal do Saneamento, estabelece que a Agência Nacional de Águas ("ANA") estabelecerá diretrizes regulatórias a serem seguidas pelas agências reguladoras estaduais e municipais. A alocação de recursos federais será condicionada ao cumprimento das diretrizes estabelecidas pela ANA.

Publicidade

O conteúdo mínimo dos contratos

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Outra mudança significativa trazida pelo novo Marco Legal são certas disposições contratuais essenciais obrigatórias. Além dos previstos no art. 23 da Lei nº 8.987/1995, que introduziu o regime de concessão no sistema jurídico brasileiro, os contratos de prestação de serviços de saneamento básico devem conter: metas: expansão do serviço, qualidade da prestação de serviços, eficiência e uso racional de água, eletricidade e outros recursos naturais, entre outros; receitas extraordinárias: potenciais fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias, bem como aquelas decorrentes de projetos associados, incluindo, entre outros, venda e utilização de efluentes sanitários para reuso de água; indenização: para investimentos não amortizados em ativos reversíveis: metodologia para cálculo do valor indenizado; e alocação clara de riscos: compartilhamento de riscos entre as partes, incluindo força maior, caso fortuito e eventos extraordinários com consequências econômicas.

Esse conteúdo proporciona outro nível de certeza e expectativa sobre o contrato de concessão, trazendo maior segurança ao investidor privado.

A prestação regionalizada

O Marco Legal do Saneamento estabelece uma definição jurídica mais ampla quanto à prestação de serviços regionalizados como prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços de saneamento básico em uma região cujo território abrange mais de uma cidade. O objetivo da medida é garantir a prestação de serviços de saneamento em cidades menores, compensando custos, unindo outros municípios para uma estratégia de economia de escala.

Publicidade

A provisão regionalizada pode ser estruturada através de três composições principais: região metropolitana: aglomerado urbano ou microrregião: unidade criada por cada estado sob lei, agrupando municípios adjacentes; unidade regional de saneamento básico: unidade criada por cada estado sob lei, pelo agrupamento de municípios que não precisam ser contíguos, para atender adequadamente aos requisitos de higiene e saúde pública ou para garantir viabilidade econômica e técnica a municípios menos favorecidos; e bloco de referência: agrupamento de municípios que não precisam ser contíguos, estabelecidos pelo Governo Federal caso o Estado se opere omissivo, formalmente criado por meio de gestão associada de titulares de serviços (por exemplo, acordos de cooperação e consórcio público). Outra medida adotada pelo Marco Legal é a concessão de prioridade de financiamento federal aos blocos regionais, quando a sustentabilidade econômica e financeira do serviço não pode ser garantida apenas por meio da cobrança de tarifas ou impostos, mesmo após o agrupamento com outros municípios do estado.

Conclusão

Espera-se que o novo Marco Legal do Saneamento Básico aumente o investimento privado no Brasil devido às mudanças implementadas, como a definição de igualdade de concorrência entre empresas estatais e privadas, e sinalização do interesse do governo em melhorar as condições legais para contratos focados na infraestrutura. Por fim, o Marco Legal reconhece como as parcerias com o setor privado aumentam as chances de alcançar metas de interesse público.

*Bruno Werneck, Gustavo Vieira, Laís Youssef são, respectivamente, sócio, associado e law clerk da prática de Direito Público do Tauil & Chequer Advogados

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.