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Novas leis penais na pandemia: um panorama do que está por vir

Por Tiago Caruso Torres
Atualização:
Tiago Caruso Torres. FOTO: DIVULGAÇÃO  

A tutela penal atual da saúde pública, que está prevista no Código Penal, é decorrente de epidemias passadas, como a gripe espanhola e a Revolta da Vacina, que também atingiram o Brasil no início do século XX. Isso significa que o Direito Penal aprende com os fatos, com a realidade social e, então, se adequa para (tentar) reagir aos momentos de crise. O Direito Penal tenta reagir porque sua capacidade reativa é limitada dada a sua natureza estática. Provam isso o fato de novas leis penais dependerem de processos legislativos longos e específicos e as alterações que agravam a situação anterior só valerem para o futuro.

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Como não pode se esperar uma grande capacidade reativa do Direito Penal em contextos de crises, esse ramo do direito procura responder às situações dinâmicas - tal como a pandemia covid-19 por meio de leis penais em branco, que permitem fácil alteração do seu conteúdo, e por meio de leis temporárias, provisórias por definição.

Esse é um dos motivos que tornam o crime de infração de medida sanitária preventiva (artigo 268 do Código Penal), que pune quem descumpre determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou a propagação de doença contagiosa, um dos principais crimes no atual contexto.

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Apesar disso, o Congresso Nacional tem se mostrado bastante preocupado com a tutela penal da pandemia decorrente da covid-19, em que há reconhecido estado de calamidade pública (Decreto Legislativo nº 6, de 20/03/2020).

A análise dos projetos de lei que sugerem medidas penais e processuais penais relativas à prevenção da transmissão do coronavírus revela se tratar mais do que uma tutela penal da saúde pública. Parece haver um esforço para fazer o Direito Penal alcançar situações específicas da pandemia. Algumas dessas propostas merecem destaque.

No Senado Federal, o Projeto de Lei nº 2426, de autoria do Senador Confúcio Moura (MDB/RO), busca aumentar as penas dos crimes de falsificar certidão e atestado médico (artigos 301, § 1º e 302, do Código Penal), praticados com o fim de obter vantagem ou benefício legal concedidos em ocasião de enfrentamento de epidemia.

Já o Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA/SE), com o Projeto de Lei n° 1153, quer alterar três leis de uma vez: o Código Penal para tornar mais severas as penas de crimes contra a saúde pública e contra a administração pública; a Lei nº 8.137/1990, para prever como crime contra as relações de consumo a conduta de elevar exorbitantemente o preço de bens essenciais durante estado de calamidade pública; e a Lei nº 8.666/1993, para inserir causa especial de aumento de pena nos crimes contra as licitações e os contratos públicos, quando estes versarem sobre o combate à situação que gerou estado de calamidade pública.

Não bastasse, existem dois projetos (Projeto de Lei n° 780, de autoria do Senador José Serra (PSDB/SP) e Projeto de Lei n° 1361, de autoria do Senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB/PB)) que visam criminalizar novas condutas em tempos de pandemia. Assim, propõem ser considerado crime "praticar ato capaz de produzir o contágio, com a finalidade de transmitir a covid-19 e ciente de que pode estar contaminado", "desobedecer a ordem legal de agente público relacionada ao tratamento, prevenção ou contenção da propagação do coronavírus", "subtrarir, saquear, destruir ou inutilizar bens, produtos ou serviços em razão das políticas de combate ao coronavírus" e "divulgar informação falsa sobre o coronavírus, com potencial de alcançar alto número de destinatários".

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Na Câmara dos Deputados, há também quem queira maior expansão do Direito Penal no atual momento de crise.

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É o caso do Projeto de Lei nº 2211, de autoria do Deputado Weliton Prado (PROS/MG), que quer criar o tipo penal de aumento de preços de bens e serviços essenciais, durante a pandemia covid-19, como crime contra as relações de consumo.

Já o Deputado Léo Moraes (PODE/RO), autor do Projeto de Lei nº 2310, busca incluir no rol de crimes hediondos os crimes de peculato, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, concussão, corrupção passiva, prevaricação, tráfico de influência e corrupção ativa, quando envolver dinheiro, valor ou qualquer outro bem destinado ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da covid-19.

Pela via inversa, o Projeto de Lei nº 1535, de autoria do Deputado Carlos Samapio (PSDB/SP), também busca ampliar o alcance da punição, propondo o estado de calamidade pública como nova causa suspensiva da prescrição da pretensão punitiva do Estado, restrita ao período do reconhecimento.

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Dado esse intenso trabalho no nosso Poder Legislativo, é preciso alertar que a lei penal mais gravosa não retroage e todas essas propostas que agravam crimes existentes ou criam novos tipos penais não valerão para o que já ocorreu ou o que está ocorrendo hoje, mas apenas para os casos que virem a ocorrer no futuro, depois da entrada em vigor dessas leis.

A verificação da legitimidade e da constitucionalidade dessas propostas enseja estudos apartados, que não cabem nesse artigo. Boa parte dessas propostas lida com a tutela penal da saúde pública. Para essas, um primeiro desafio, porém, é o relacionado à tutela penal do bem jurídico saúde pública, tido por muitos como um bem jurídico-penal coletivo, mas que encontra dificuldades de ser objeto de tutela penal por falta de realidade existencial, indemonstrável empiricamente, o que esbarra no princípio da ofensividade. Em relação às demais propostas, será preciso eleger uma boa razão que confira legitimidade para se discriminar condutas praticadas em contextos específicos de crise (como pandemias e estado de calamidade pública) e para uma classe especial de pessoas (como profissionais da área da saúde).

De todo modo, é preciso estarmos todos preparados para o que pode vir por aí. A depender de como as coisas caminhem, podemos sair dessa pandemia com uma nova crise no Direito Penal, que terá de lidar com a explosão de uma série de novas condutas penalmente relevantes.

*Tiago Caruso Torres, advogado criminalista no Trench Rossi Watanabe. Doutorando e Mestre pela PUC-SP. Pós-graduado pela FGV (GVLaw). Professor-Assistente na PUC-SP. Com colaboração de Thais Dantas e Camila Santos

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