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Novas diretrizes sobre comunicação de operações suspeitas ao Coaf têm prazo postergado

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Por João Daniel Rassi e Victor Labate
Atualização:
João Daniel Rassi e Victor Labate. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Todos acompanhamos no último ano a repercussão do debate a respeito da transferência de Ministérios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), principal órgão de inteligência do Sistema Financeiro Nacional responsável, dentre outras atividades, por investigar e elaborar as relações de transação e operações suspeitas para posterior comunicação às autoridades competentes. A proeminência política atingida pelo órgão se deu, em grande medida, porque foi responsável pelo municiamento de diversas investigações e ações penais inclusive no âmbito do Mensalão e da Lava Jato.

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Foi assim que no início de 2019, com a extinção do Ministério da Fazenda, o órgão foi transferido à pasta da Justiça e Segurança Pública, sob a justificativa de que ele constituiria um importante instrumento no combate à corrupção. Após severas críticas formuladas por especialistas, no sentido de que tal remanejamento constituiria uma injustificada e ineficiente centralização de poder nas mãos do Ministério da Justiça, inclusive, contrariando a tendência dos modelos de outros países, editou-se o Decreto n.º 893, posteriormente convertido na Lei n.º 13.974/20 que trouxe o Coaf de volta ao Ministério da Economia, porém subordinado ao Banco Central, de modo a permitir um melhor intercâmbio de informações e alinhamento estratégico entre eles.

Neste contexto do retorno do Coaf ao Ministério da Economia, o Bacen editou a Circular DC/Bacen n.º 3978, de 23/01/20, alterando a política de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo a ser implementada pelas instituições reguladas para que se adequem, em maior medida, às diretrizes internacionais vigentes (notadamente, a 4ª Diretiva Anti-Lavagem de Dinheiro da União Europeia). Uma das principais preocupações do órgão, com esta alteração, diz respeito à avaliação que será conduzida no Brasil pelo Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (Gafi), em 2021, com possíveis reflexos no processo de ingresso do país na OCDE

A mudança de paradigma regulatório instituído pela Circular altera o então vigente modelo de prevenção prescritivo ("rule-based") para um modelo baseado na análise de risco ("risk-based"), isto é, erigindo um sistema de identificação e comunicação de operações suspeitas ao Coaf orientado pelo risco das operações e o perfis de clientes e terceiros com quem contrata, em detrimento do até então vigente modelo que impunha o dever de comunicação especialmente em função do valor movimentado em operações financeiras. Em outras palavras, competirá às próprias instituições reguladas identificarem e analisarem, dentro de uma margem de discricionariedade, as situações suspeitas ora definidas, no art. 38, § 1º da

Circular, como "qualquer operação ou situação que apresente indícios de utilização da instituição para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo", para posterior comunicação do Coaf.

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Se de um lado esta mudança de paradigma exige das instituições reguladas a readequação de suas estruturas institucionais e de TI, treinamento de pessoal e reforço dos times de compliance, de outro, ela exigirá uma postura transigente por parte do próprio Coaf quando dos futuros julgamentos e imposições de pena decorrentes de eventuais descumprimentos dos deveres de prevenção, sob risco de, justificando irrestritamente condenações nessa maior discricionariedade, gerar um fenômeno de "supernotificação" por partes das instituições reguladas que, sob receio de responsabilização, diminuirão seus standards internos de suspeita e aumentarão o nível de comunicações ao Coaf. Na Europa, esse fenômeno de "supernotificação" já é associado a uma redução do nível de atenção dispensado pelas agências, usualmente explicado com recurso à fábula do "menino e o lobo", em que, analogamente, o aumento do volume de comunicações levará a um natural descrédito do material recebido pela unidade de inteligência financeira.

Chama ainda a atenção o fato de a Circular impor o dever de indicação do diretor responsável da instituição pelo cumprimento das obrigações nela trazidas (art. 9º) que, devendo ter irrestrito acesso a informações, funcionará como um ponto de contato entre a instituição regulada e o Coaf e a quem caberá responder administrativamente por eventual descumprimento dos deveres de identificação e comunicação de situações suspeitas de lavagem.

Por fim, a previsão inicial da entrada em vigor da Circular estava marcada para 1º de junho, mas foi postergada para 1º de outubro (vide Circular n.º 4005) em razão da situação de calamidade ocasionada pela covid-19, de maneira que as instituições reguladas terão mais estes meses para continuarem trabalhando internamente na edificação e implementação de sistemas inteligentes de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

*João Daniel Rassi, sócio de capital na SiqueiraCastro e head da área Penal Empresarial do escritório. Mestre em Direito Penal (2006), Doutor em Direito Penal (2012) e Doutor em Direito ProcessualPenal (2017), todos pela Universidade de São Paulo (USP). É especialista em Direito Penal pela Universidad de Salamanca (USal), além de associado efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo e professor visitante no curso de pós-graduação em Direito Penal Econômico da Faculdade Getúlio Vargas (FGV)

*Victor Labate, advogado do setor Penal Empresarial da SiqueiraCastro. Formado pela Universidade de São Paulo (USP), possui pós-graduação em Direito Penal Econômico pelo IASP/Fundação Arcadas

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