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Nova lei de recuperação judicial e falências: fim da polêmica sobre os bens de capital essenciais?

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Por Luciana Celidonio
Atualização:
Luciana Celidonio. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A não sujeição de credores titulares da posição de proprietários fiduciários aos efeitos das recuperações judiciais (art. 49, §3º, da LRF) - alvo de calorosas críticas e debates desde a entrada em vigor da Lei nº 11.101/05 ("LRF") - foi mantida pela Lei nº 14.112/20, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2021. Certa ou errada, gostem ou não os intérpretes e aplicadores do direito, essa foi a opção do legislador.

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Portanto, a partir da entrada em vigor da Lei nº 14.112/20 em janeiro de 2021, sem que nenhuma alteração tenha sido promovida à redação do art. 49, § 3º, da LRF, parece-nos intencionalmente superada a discussão instaurada na vigência  da Lei 11.101/05, anteriormente à reforma, envolvendo a sujeição ou não dos créditos garantidos por cessão fiduciária - e não apenas alienação fiduciária - aos efeitos das recuperações judiciais [1].

Realmente, se a intenção do legislador sempre tivesse sido que os créditos garantidos por cessão fiduciária se sujeitassem aos efeitos das recuperações judiciais (e, assim, que tivessem sido dela excluídos apenas aqueles garantidos por alienação fiduciária), certamente a LRF teria sido alterada nesse sentido.

A cessão fiduciária de recebíveis - a chamada trava bancária - é modalidade de garantia extremamente comum no âmbito do mercado financeiro. Além disso, os efeitos da sujeição ou não dos créditos a uma recuperação judicial são extremamente relevantes aos diversos agentes cujos interesses são atingidos em uma reestruturação. Daí porque, certamente, a mudança não teria passado despercebida pelo legislador.

Do mesmo modo, parece-nos igualmente superada a tese de que o impedimento ao credor fiduciário, de venda ou retirada do estabelecimento dos bens de capital essenciais, durante o período de suspensão, seria aplicável a quaisquer bens essenciais, ainda que não fossem bens de capital. Ou seja: ainda que não se tratasse de "máquinas, equipamentos, inclusive de testes, ferramental, moldes e modelos para moldes, instrumentos e aparelhos industriais e de controle de qualidade, novos, bem como os respectivos acessórios, sobressalentes e peças de reposição, utilizados no processo produtivo e incorporados ao ativo permanente", tal como definido no Decreto nº 2.179/1997.

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Isso porque, além de não excluir a expressão de capital do art. 49, § 3º, da LRF, o legislador optou por reproduzi-la em outros dois novos dispositivos (nos parágrafos 7º-A e 7º-B do art. 6º da LRF), deixando claro, aliás, que a competência do juízo da recuperação para suspender os atos de constrição dos bens do devedor aplica-se, exclusivamente, a bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial (e não a bens de qualquer natureza).

Em outras palavras, pela literalidade dos novos § 7º-A e 7º-B do art. 6º, o juízo da recuperação sequer tem competência para deliberar sobre os atos de contrição de bens da empresa em recuperação judicial que não sejam bens de capital (ainda que sejam essenciais).

A expressa referência a ao termo bens de capital em mais de uma oportunidade e em novos dispositivos também evidencia o descabimento da tese de que a expressão seria irrelevante por se tratar de "mera conceituação contábil". Por certo, se fosse irrelevante não teria sido lembrada. Além disso, bens de capital são bens corpóreos, passíveis de serem apreendidos e perseguidos pelo credor fiduciário privado de retirá-los do estabelecimento do devedor no período de suspensão. Não se trata de bens consumíveis e que podem simplesmente desaparecer durante o processo de recuperação judicial.

Diante do exposto, temos que, a partir da nova lei, tendem a não se repetir decisões como aquela proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nas recuperações judiciais da Livraria Cultura, na qual se entendeu que o legislador não excetuou a cessão fiduciária dos efeitos da recuperação judicial e manteve a expressão bens de capital somente "porque naquele instante legislativo não se cogitava na aplicação da cessão fiduciária de recebíveis - no caso dinheiro"[2].

A tendência, portanto, é que a reforma consolide o entendimento predominante na jurisprudência do STJ, para o qual é inaplicável o impedimento previsto na parte final do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 a recebíveis e outros direitos creditórios objeto de cessões fiduciárias de créditos e de direitos[3] ou a outros bens que não sejam considerados bens de capital[4].

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Ainda que se discorde do legislador, a realidade é que a alteração legislativa pode ajudar na pacificação da jurisprudência e isso é bastante positivo para o país. A imprevisibilidade impede que os agentes se antecipem e ajam de modo a evitar ou mitigar riscos, podendo ser até mais nociva, a nosso ver, do que a falta de regramento ou um regramento legal inadequado.

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*Luciana Celidonio, sócia das práticas de Contencioso e Reestruturação do Tauil & Chequer Advogados

[1] A cessão fiduciária é disciplinada pelo art. 66-B, § 3º da Lei nº 4.718/65, acrescentado pela Lei nº 10.931/2004 e recai sobre direitos sobre coisas móveis, bem como títulos de crédito, quando o credor fiduciário é instituição financeira. A tese, suscitada sob e égide da lei anterior era no sentido de que a  cessão fiduciária merecia tratamento diferenciado da alienação fiduciáriae que tal distinção não foi feita somente porque o instituto da cessão fiduciária não era conhecido, por ocasião da promulgação da LRF.

[2] TJ-SP - AGT: 22369497820188260000 SP, Rel.: Hamid Bdine, j. 17/12/2018, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.

[3] AgInt no REsp 1475258/MS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma do STJ, j. 07.03.2017; AgInterno no AResp 1127032/RJ, Rel. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma do STJ, j. 12.12.2017; REsp nº 1.202.918/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma do STJ, j. 07.03.2013; REsp nº 1.263.500/ES, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma do STJ, j. 05.02.2013.

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[4] Recurso Especial nº 1.758.746. Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze. Terceira Turma do STJ. j. 25.09.2018

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