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Nova Lei de Licitações: mais do mesmo, com roupa nova!

Por Luciana Zanchetta Oliver
Atualização:
Luciana Zanchetta Oliver. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Há pouco mais de um mês, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 4.253/2020, que tem por objetivo a reforma das Leis de Licitações (Lei nº 8.666/1993), do Pregão (Lei nº 10.520/2002) e do Regime Diferenciado de Contratações (Lei nº 12.462/11), entre outros instrumentos reguladores sobre contratações e compras realizadas pela Administração Pública. O texto, votado e aprovado em 10 de dezembro de 2020, de relatoria do Senador Antônio Anastasia (PSD-MG), aguarda a sanção do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.

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Importante esclarecer que a Lei de Licitações e Contratos Administrativos aguarda por reforma há muitos anos, cujo texto do PL aprovado pelo Senado, tem origem nos Projetos de Lei nº 1292/1995, 6814/17, 559/2013 e de outros projetos correlatos.

Como podemos observar, desde a sanção da Lei, no ano de 1993, o nosso sistema clama para que sejam realizadas reformas no procedimento de licitações, em especial pela burocracia e morosidade do processo de contratação e compras.

Apesar de haver mudanças, devemos tecer algumas críticas à PL 4.253/2020, sob a perspectiva de que a nova lei nasce desatualizada se considerarmos a data em que o Congresso Nacional propôs que a Lei de Licitações viesse a ser reformada, para ser modernizada, conferindo maior praticidade e celeridade às contratações públicas.

O PL, sem revisão conforme os costumes atuais, em especial à tecnologia, não retira a burocracia do regime tradicional instituído pela Lei 8.666/1993, mantendo formalismos procedimentais, ampliando a discricionariedade do agente público, sem avanços no que tange à diminuição da corrupção e ampliação dos mecanismos de controle.

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Competiria ao Projeto, por exemplo, a atenção e adequação da Lei aos atuais programas de integridade (compliance) e à Lei Anticorrupção, estabelecendo procedimentos e penalidades mais abrangentes, além da instauração de mecanismos de controles, com observância à moralidade e à eficiência, princípios que regem a Administração Pública, dentre outros.

A nova Lei de Licitações, concentra tendências já conhecidas em nosso sistema, preservando, por exemplo, hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação já conhecidas e formalizando ("burocratizando") instrumentos já utilizados no âmbito das concessões de serviços públicos, com destaque especial para as Parcerias Público Privadas e Procedimento de Manifestação de Interesse.

Como inovação, podemos citar que a nova Lei de Licitações propõe que, em casos de contratação para realização de obra/construção, esta não poderá ter início sem a apresentação do projeto executivo, ou seja, com elementos suficientes para definição de preços, a fim de reduzir os custos para a Administração Pública. Obras que tenham valor superior à R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais), poderão se submeter à contratação integrada, isto é, o mesmo licitante poderá executar o projeto e a obra. Além disso, a Administração Pública poderá indicar o valor total da obra, sem especificá-lo item a item, o que, ao nosso ver, confere maior poder ao ente público no ato da contratação.

A Lei também passa a exigir a denominada "Matriz de Risco", que consiste em termo de responsabilidade no ato da contratação, para estabelecer, com clareza, a responsabilização do Poder Público ou do Contratado por eventuais danos que vierem a ser causados como reflexo do contrato.

Como benefício, a Lei estabelece a bonificação para os "Contratos de Eficiência", ou seja, o contratado poderá receber prêmio ou bônus se o objeto do contrato for entregue, por exemplo, antes do prazo. Trata-se de mecanismo que estimula a participação do agente, acirra a concorrência, com rapidez e economia na execução do objeto licitado.

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Como novidade, o projeto traz a possibilidade de os licitantes realizarem "Diálogo Competitivo", a fim de qualificar a concorrência para contratação para realização de obras, serviços e compras de alto valor. Somente após as discussões prévias, os licitantes apresentarão suas propostas.

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Os critérios de seleção surgem, em tese, mitigados pelo PL, passo que não poderão ser aceitas propostas inferiores a 80% do orçamento do Poder Público, ressalvando a possibilidade de seguro garantia à execução àquelas propostas que tiverem valor entre 80% e 85% do valor fixado.

O Seguro Garantia também deverá ser adotado nas execuções de obras de grande vulto, com dispensa de licitação para obras e serviços de engenharia de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e compras de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), além das hipóteses de urgência, guerra e algumas aquisições pelas Forças Armadas.

O prazo dos Contratos de Serviços poderá ser realizado por dois anos e renovados por mais cinco vezes, totalizando dez anos.

Observando a Súmula 13, do Supremo Tribunal Federal, está vedado o nepotismo, isto é, não será permitida a contratação de parentes de servidores públicos, para fins de terceirização.

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A Lei de Licitação estabelece a "Pré-Qualificação" de fornecedores para disputa e "Planejamento de Compras" a longo prazo pelo Poder Público, já observando, neste ponto, a Lei Orçamentária, com a divulgação dos atos.

Pode-se observar, ainda, que embora a Lei permaneça burocrática, o que permite que haja corrupção, o instrumento altera o crime de fraude anteriormente estabelecido, para estabelecer a pena de reclusão de 4 a 8 anos, com a inabilitação da empresa, que poderá ser penalizada com multa, impedimento de licitar e declaração de inidoneidade. Por outro lado, se reparado o dano, a empresa poderá ter absolvida.

No que se refere à mediação, o PL regulamenta a adoção da "Arbitragem" para sanar eventuais divergências entre o Poder Público e o Contratado, a fim de mitigar litígios e conferir maior celeridade na solução de conflitos.

O Projeto de Lei prevê a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas para dar publicidade e transparência às contratações.

Neste cenário, mesmo que o sistema permaneça burocratizado, não podemos desprezar a intenção do legislador em mitigar os conflitos judiciais, além de adotar orientações que já eram sugeridas pelos órgãos de controles, em especial do Tribunal de Contas da União.

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Mas a verdade é que, nos tempos atuais, a nova Lei poderia ter ousado mais. O que observamos no texto da PL é a manutenção dos formalismos já instituídos e a regulamentação para que as contratações possam se estender a outas práticas comerciais que não somente às tradicionais, como uso de startups e maior participação de empresas estrangeiras, nos certames.

A legislação peca por não trazer instrumentos para maior controle e segurança nas contratações públicas, como método de barreira para obstar atos de corrupção conforme cada setor econômico responsável pela contratação e adoção de procedimentos compatíveis, com o uso da tecnologia.

Vale dizer ainda que, a exemplo da condição em que vivemos atualmente com o surgimento da pandemia do COVID-19, a Lei poderia prever medidas administrativas para equilíbrio nos contratos públicos, sem que houvesse a necessidade de o licitante iniciar o processo administrativo ou requerer, judicialmente, medidas para tal fim. Como sabemos, a lei visa regular àquilo que a sociedade instituiu como costume ou necessidade. Neste ponto, ao nosso ver, a Lei torna-se falha.

Assim, o que temos é que, após anos em tramitação, ao nosso ver, a Lei não atende as expectativas. Aliás, como todas as leis em nosso país, dado a demora em sua instrumentalização. O texto está ultrapassado e não acompanha a evolução da sociedade.

Portanto, conclui-se que existem pontos positivos na referida Lei, em especial com a junção em um único instrumento das medidas que visam regular a aquisição de produtos e serviços pela Administração Pública, mas o texto peca pela extensão, formalidade, burocracia, além de ser muito prolixo.

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*Luciana Zanchetta Oliver é mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP e advogada do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados

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