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Nova Lei de Improbidade Administrativa e a (in)constitucionalidade da comunicabilidade das sentenças penais absolutórias

Por Rafael Costa
Atualização:
Rafael Costa. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Uma mesma conduta pode implicar, simultaneamente, ilícito penal, civil e administrativo.

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Tradicionalmente, o sistema da independência das instâncias permite a propositura de demandas independentes em cada uma dessas esferas - visto que a primeira versa sobre o interesse de punir do Estado e, as demais, sobre o aspecto patrimonial e funcional.

Assim, a sentença absolutória penal não exerce qualquer influência sobre o processo cível, salvo quando reconhece, categoricamente, a inexistência material do fato ou afasta peremptoriamente a autoria ou participação. Nesse sentido, o artigo 66, do Código de Processo Penal, dispõe que inobstante a prolação de sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato. Em sentido similar, o artigo 935, do Código Civil, estabelece que a responsabilidade civil é independente da criminal, não mais se podendo questionar sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor quando estas questões se acharem decididas no Juízo criminal.

Interpretando sistematicamente os dispositivos, o Superior Tribunal de Justiça entende que há "independência entre tais instâncias que só é ressalvada quando o juízo criminal (e não a instância administrativa) reconhece a inexistência do fato ou da autoria".[1]

Com o advento da Lei n° 14.230/21, contudo, o legislador pretendeu modificar o regime vigente. O § 4° do artigo 21 da Lei de Improbidade passou a determinar que a absolvição criminal em ação que se discutem os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação de improbidade administrativa, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no artigo 386 do Código de Processo Penal.[2]

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No novo regime, mesmo a absolvição na esfera penal por insuficiência de provas ou pelo fato de não haver prova da existência do fato leva à extinção da ação civil de improbidade administrativa. Trata-se, em verdade, de modificação substancial na aplicação do princípio da independência das instâncias e que poderá conduzir a efeitos significativos em todo o ordenamento.

O artigo 21, § 4º, da Lei de Improbidade Administrativa, é passível de questionamento acerca de sua constitucionalidade, uma vez que prevê a comunicabilidade automática entre qualquer sentença penal absolutória e a responsabilidade pela prática de atos de improbidade administrativa.

O dispositivo viola, por consequência, o artigo 37, § 4º, in fine (sistema probatório de responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa), e o artigo 5°, inciso LIV (devido processo legal adjetivo), ambos da Constituição.

E mais: a medida ainda implica a submissão absoluta da jurisdição cível à jurisdição criminal, violando a autonomia de órgãos do Poder Judiciário no exercício de sua função jurisdicional.

Não bastasse, a aplicação do dispositivo viola a distinção que deve existir entre a esfera penal e do Direito Administrativo Sancionador, tendo sido este último consagrado expressamente pelo art. 1°, caput e § 4°, da LIA.

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Não se pode olvidar, ainda, que a aplicação automática do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal) na esfera da improbidade só seria possível se houvesse absoluta coincidência entre o tipo penal e o tipo administrativo, uma vez que inviável a vinculação entre tipos que não contemplam a mesma conduta.

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Por fim, a alteração no regime da independência das instâncias também é passível de análise acerca de sua (in)convencionalidade, sob a ótica da lesão ao princípio da "tutela mínima anticorrupção".

Em suma, as discussões sobre as modificações empreendidas pela Nova Lei de Improbidade são inúmeras, merecendo especial atenção a temática da comunicabilidade das sentenças penais absolutórias. Vivenciamos um momento que inspira muito cuidado e atenção na exegese da Lei n° 8.429/92, em especial para que possamos evitar interpretações que levem à impunidade de agentes que perpetraram atos de improbidade.

O presente artigo é uma síntese aperfeiçoada dos argumentos defendidos em: COSTA, Rafael de Oliveira Costa; BARBOSA, Renato Kim. Nova Lei de Improbidade Administrativa. São Paulo: Almedina, 2022.

[1] REsp 1.323.123/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, j. 07/05/2013, DJe 16/05/2013.

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[2] "Art. 21 [...] § 3º As sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria. § 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). [...]."

*Rafael Costa é promotor de Justiça no Estado de São Paulo e professor de Direito

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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