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Nova Lei de Abuso de Autoridade fortalece o cidadão e seu defensor, o advogado

Por Marcus Vinicius Furtado Coêlho
Atualização:
Acervo Pessoal  

Imagine que você está dirigindo seu carro e é parado em uma blitz policial. Após apresentar seus documentos pessoais e a documentação do veículo, todos regulares, o policial diz que seu carro será apreendido, porque você não está portando a nota fiscal do veículo. Você argumenta que o veículo é de sua propriedade, como demonstra a documentação, e que não necessita carregar a nota fiscal consigo. O policial insiste sobre a necessidade da nota fiscal e exige que você lhe entregue as chaves do veículo. Você se recusa e é preso em flagrante delito, algemado e conduzido à delegacia. Lá, você liga para seu advogado, que se dirige à Delegacia de Polícia, mas é impedido de conversar com você, pois está sem a procuração.

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Essa situação hipotética, assim como outros casos de abuso de autoridade, infelizmente são mais corriqueiros do que se imagina.

O Estatuto da Advocacia garante ao advogado o direito de "comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares".

O Estatuto também assegura a inviolabilidade do escritório de advocacia e o sigilo das comunicações entre o advogado e seu cliente. Além disso, quando o próprio advogado for preso exercendo sua profissão, terá direito à presença de um representante da OAB, além de outras prerrogativas que lhe garantem o livre exercício de sua profissão.

O projeto de Lei 7.596/17, aprovado nessa 4ª feira (14/8) pela Câmara dos Deputados -e que agora segue para a sanção presidencial - torna crime as práticas de autoridades que violem as prerrogativas acima mencionadas, previstas no artigo 7º, incisos II a V da Lei n. 8.906/94, o Estatuto da Advocacia. Negar ao advogado acesso aos autos de processo ou procedimento investigativo também é tipificado como crime pelo art. 32 do projeto de lei.

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O impedimento de entrevista pessoal e reservada do advogado com o preso, réu solto ou investigado, bem como impedir que eles se sentem lado a lado e se comuniquem durante a audiência, também possui tipificação específica, prevista no art.20 do projeto de lei aprovado pelo Congresso.

Fruto de uma histórica luta da classe, a norma atende a demandas que não se limitam à proteção da advocacia no exercício da profissão, mas que visam assegurar, em última análise, o direito dos cidadãos a uma ordem jurídica justa, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório e a terem seus direitos tutelados pelo Estado, por intermédio da atuação do advogado.

A relação indissociável entre o exercício da advocacia e a proteção dos direitos dos cidadãos decorre de expressa previsão constitucional. A Constituição consagrou a indispensabilidade do advogado para a administração da justiça e a inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão, respeitando-se os limites legais. E a lei previu que, em sua atuação privada, o advogado exerce função social e presta serviço público.

É por isso que as prerrogativas consagradas legalmente aos advogados, mais que salvaguardar o exercício de uma atividade privada, colocam-se a serviço da garantia de uma função pública, de defesa de direitos e da ordem constitucional vigente. Com a aprovação do projeto de lei e a criminalização de condutas que violam direitos dos advogados, eleva-se a proteção jurídica conferida ao livre exercício da advocacia. Além da responsabilização civil e administrativa, as autoridades que violarem as prerrogativas poderão ser responsabilizadas penalmente.

Em sua atuação cotidiana nos fóruns, no Ministério Público, nas delegacias de polícia, nos presídios e nos órgãos públicos em geral, os advogados infelizmente ainda encontram rotineiramente obstáculos e violações que os impedem de exercer livremente sua profissão.

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Prerrogativas e privilégios não se confundem. A ampliação da tutela das prerrogativas da advocacia, longe de representar vantagens escusas à classe, significa garantir a esses profissionais, no exercício de seu mister, que é um múnus público, condições de independência e autonomia de atuação e de pleno exercício de suas funções, de modo a garantir que seja atendido o interesse público na realização da justiça.

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Ademais, importante que se diga aos mais incautos, que o projeto de lei contra o abuso de autoridade nada tem a ver com impunidade. O Direito e o processo servem à realização da justiça e à aplicação da sanção devida àqueles que cometem crimes ou infrações de outra ordem. Mas a responsabilização de qualquer cidadão deve passar pelo crivo do devido processo legal, com garantias mínimas asseguradas. É a regra mais básica e primordial que separa nosso modelo de Estado dos antigos Estados absolutistas, onde o rei podia mandar guilhotinar, a seu bel prazer, aquele que infringisse as normas.

Em um Estado Democrático de Direito, ninguém está acima da lei e deve ser responsabilizado pelos abusos que cometer. O agente público deve agir em nome do cidadão, pelo cidadão e em respeito ao cidadão, não se confundindo autoridade com autoritarismo. A liberdade do exercício profissional do advogado é condição essencial de sobrevivência de uma democracia. Quem atenta contra a independência e a liberdade do advogado, atenta contra o próprio Estado Democrático de Direito.

*Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado, é presidente da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil e foi presidente nacional da OAB de 2013 a 2016

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