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Nova diretiva da UE reforçará sustentabilidade nas corporações

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Por Mariana Níquel , Rafaela Guzzi e Fabiana Figueiró
Atualização:
Mariana Níquel, Rafaela Guzzi e Fabiana Figueiró. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia ("UE"), publicou, no dia 23 de fevereiro de 2022, uma proposta de diretiva envolvendo a realização de due diligence (auditoria) voltada para aspectos sobre sustentabilidade corporativa, a chamada Directive on Corporate Sustainable Due Diligence. A diretiva busca a promoção de conduta empresarial sustentável e de modo responsável, englobando direitos humanos e as questões ambientais nas operações e na governança das companhias.

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A diretiva será discutida pelo Conselho da UE e pelos Estados-membros no Parlamento Europeu. Caso seja aprovada, o prazo para que os Estados-membros internalizem as regras será de dois anos, seguidos de dois a três anos para que as empresas possam implementar os dispositivos.

A promoção do comportamento sustentável nas corporações tem como consequência o apelo do Parlamento Europeu e do Conselho, da sociedade civil e de empresas de segmentos variados. Em pesquisa e consulta pública anteriores, respondidas em 2020/2021, a necessidade de organização de um quadro jurídico por parte da UE com regras uniformes sobre due diligence voltada para aspectos sobre sustentabilidade corporativa restou evidenciada.

Em termos sociais, é esperado que a nova orientação traga benefícios envolvendo direitos humanos - que receberão maior proteção, sobretudo os direitos trabalhistas -, bem como avanços aos consumidores - que poderão ter maior consciência do impacto dos produtos que estão comprando e dos serviços que utilizam - conhecendo melhor a origem da matéria-prima e as fases de processos de fabricação, por exemplo -, permitindo escolhas mais saudáveis para a geração presente e futura.

Do ponto de vista das empresas, os benefícios são diversos. Um deles corresponde à possibilidade de ter um quadro jurídico na UE harmonizado e coerente, gerando maior segurança jurídica e condições de concorrência igualitárias, uniformizando as atuais regras nacionais fragmentadas e iniciativas voluntárias. O melhor acesso a financiamentos, aumento da transparência, incremento da gestão de riscos, ampliação da responsabilidade dos conselheiros e diretores nas tomadas de decisão corporativas, mitigação de impactos reputacionais, elevação da rentabilidade, aumento da resiliência em situações de crise, maior atratividade de investidores, maior confiança dos clientes e comprometimento dos colaboradores também são fatores positivos propostos pela diretiva.

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Nesse contexto, a diretiva prevê que será exigido das empresas um dever de diligência societária, o qual deverá ser englobado nas suas estratégias, assim como a identificação dos impactos negativos reais ou potenciais tanto nos direitos humanos (por exemplo, o acesso dos trabalhadores a alimentos, vestuário, água e saneamento adequados no local de trabalho, afastamento de condições análogas a escravo e exploração de trabalho infantil) quanto no meio ambiente (tais como o uso de substâncias nocivas, impactos envolvendo emissões de gases de efeito estufa, produção oriunda de áreas embargadas ou de desmatamento ilegal etc.).

As corporações envolvidas também deverão evitar ou atenuar potenciais impactos e eliminar ou minimizar impactos reais. Ainda, as empresas deverão controlar a eficácia das suas estratégias e das medidas em matéria de dever de diligência, comunicando publicamente as informações e estabelecendo procedimento de reclamação. Além disso, dentro do contexto de cumprimento de obrigações relativas às mudanças climáticas, determinadas estratégias empresariais deverão respeitar a limitação do aquecimento global a 1,5 °C, conforme estabelecido no Acordo de Paris e reforçado na última Conferência das Partes (COP26) em novembro passado, na Escócia.

As instruções propostas se baseiam nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos de 2011, nas Linhas Diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ("OCDE") para as Empresas Multinacionais, na Declaração de Princípios Tripartida da Organização Internacional do Trabalho ("OIT") sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social e demais iniciativas para uma conduta empresarial responsável em termos sociais, ambientais e climáticos, a exemplo das taxas de carbono de fronteira e propostas para proibição da entrada de commodities produzidas em áreas ilegalmente desmatadas.

A diretiva, nesta primeira etapa, será aplicável às grandes empresas europeias e respectivas afiliadas (sociedades de responsabilidade limitada com mais de 500 trabalhadores e faturamento líquido global superior a EUR 150 milhões em âmbito mundial, que operem em setores de grande impacto, como os têxteis, a agricultura e a extração de minerais), assim como parceiros que representem relacionamentos comerciais relevantes em sua cadeia de valor, dentro ou fora do território europeu. As pequenas e médias empresas, no momento, estão excluídas da aplicação direta dessas novas regras, mas podem vir a ser afetadas, indiretamente, em decorrência das ações das grandes empresas em suas cadeias de valor. Em função desse possível reflexo, apoio específico (técnico e financeiro) e orientações de adaptação são previstos na diretiva. A diretiva também será aplicada para empresas de países terceiros que operem na UE com volume de negócios relevante gerado no território europeu. Nesse contexto, empresas brasileiras poderão ser abarcadas pelas futuras exigências.

Os Estados-Membros designarão uma autoridade para garantir que as novas regras serão aplicadas efetivamente, sendo exigido que moldem suas normas de responsabilidade civil para que terceiros afetados tenham a possibilidade de ingressar, de forma facilitada, com ações judiciais por danos sofridos pelo não cumprimento dos deveres de diligência por parte de uma empresa. Além disso, a Comissão criará uma rede europeia de autoridades de supervisão para assegurar a abordagem coordenada dos representantes dos organismos nacionais e permitir a troca de experiências relacionadas ao tema. Afora a responsabilidade civil, a proposta prevê sanções e penalidades em caso de realização da due diligence de forma insuficiente. Os países em desenvolvimento deverão ter impactos positivos significativos, na qualidade de parceiros comerciais da UE. A expectativa da Comissão é de que haja um aumento no apoio a alianças multilaterais e coligações industriais, além do suporte de outros instrumentos de cooperação internacional, priorizando o envolvimento e adaptação de empresas nas relações comerciais da cadeia de valor, sendo a desvinculação por critérios de não conformidade considerada como o último recurso. Ou seja, em última instância, é prevista a interrupção de relacionamentos comerciais ou linhas de negócio cujos riscos ambientais, sociais e climáticos não possam ser mitigados ou prevenidos de maneira adequada.

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Fica claro que a adoção de cautelas apropriadas, por meio de processos robustos de due diligence, cláusulas contratuais, avaliações de risco socioambiental e climático, monitoramento, bem como de medidas de mitigação se mostra cada vez mais relevante na perenidade e competitividade das corporações.

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Acompanharemos os próximos capítulos para verificar os impactos da diretiva em potenciais novas barreiras comerciais europeias, que venham a afetar, por reflexo, o incremento da adoção de práticas de sustentabilidade nas companhias brasileiras. A diretiva poderá influenciar outros países na adoção de medidas semelhantes sobre critérios ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social and Governance - "ESG") para negociações nos cenários nacional e internacional. Espera-se que, a depender do sucesso da diretiva, um modelo em nível mundial de auditorias voltadas a cadeias de valor sustentáveis poderá ser pensado a médio prazo.

*Mariana Níquel, Rafaela Guzzi e Fabiana Figueiró, advogadas da área de Ambiental e Sustentabilidade do escritório Souto Correa

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