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Nova contribuição sobre bens e serviços, apesar de positiva, precisa de ajustes

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Por Renata Emery e Alberto Medeiros
Atualização:
Renata Emery e Alberto Medeiros. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Governo Federal encaminhou na terça-feira passada, 21/7/2020, o texto do primeiro dos projetos de lei do seu pacote de reforma tributária, o qual propõe a criação de uma Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), em substituição às contribuições para o PIS e a COFINS.

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Apesar de tímida, não se pode negar que essa proposta representa um avanço em direção à almejada racionalização do sistema tributário brasileiro, pois funde duas contribuições que atualmente se sobrepõem e aproveita para resolver alguns aspectos controvertidos que por anos têm sido objeto de litígio, trazendo maior segurança jurídica e reduzindo o contencioso tributário.

Nesse sentido, o texto caminha bem ao estabelecer que não integram a base de cálculo da CBS o valor da própria contribuição, do ISS e do ICMS destacado, deixando claro que é o valor integral do imposto que fica excluído da base.

De maneira semelhante, também prevê que na importação de bens a base é o valor aduaneiro e nos serviços o preço pago ao exterior, impedindo assim a incidência da CBS sobre os outros tributos devidos na importação.

Desta forma, o projeto inteligentemente incorpora a orientação do STF (RE n.º 574.706/PR), para quem tributo é receita pública e manda excluir esses valores da base de cálculo do PIS e da COFINS, resolvendo para o futuro uma das questões mais debatidas no judiciário atualmente.

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De igual modo, o art. 9º do projeto da CBS prevê que a empresa tem o direito de apropriar o crédito da contribuição, destacado na nota fiscal de compra de quaisquer bens ou serviços. No regime atual do PIS e da COFINS o contribuinte tem muitas vezes de brigar na justiça para confirmar se determinada despesa pode ser enquadrada no conceito de insumos para que ele tenha o direito de tomar o crédito. Na nova contribuição esse tipo de incerteza deixa de existir.

Apesar dos seus méritos, o texto da proposta também apresenta preocupações.

Logo no art. 1º, o projeto institui "a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços". No entanto, o art. 2º do projeto estabelece que "a CBS incide sobre o auferimento da receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, em cada operação".

Como "operação com bem ou serviço" e "auferimento de receita bruta" são coisas distintas, esses dois artigos em confronto trazem uma ambiguidade para o texto do projeto. Não fica claro, por exemplo, se da conjugação desses artigos se conclui que a contribuição deverá incidir tão somente sobre a receita bruta da venda de bens e serviços ou se se pretende que ela incida também sobre receitas de outras atividades (como prevê o inciso IV do art. 12 do DL nº 1.598/77), tal como royalties, aluguéis, variação cambial, juros de empréstimos entre empresas etc.

O art. 7º do projeto de lei prevê que a base de cálculo da CBS é o valor da receita bruta auferida em cada operação, mas também não esclarece se o termo "cada operação" se refere tão somente a transações com bens e serviços ou se engloba rendimentos de direitos (royalties; aluguéis).

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O problema da falta de clareza é que o próprio Fisco, ao interpretar a lei, muitas vezes lhe confere um sentido mais amplo ou diverso do que pretendia o legislador, como ocorreu com o conceito de insumos, para fins de crédito do PIS e da COFINS, o que tem sido a causa de muitas disputas judiciais.

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No caso da CBS, essa ambiguidade decorre do esforço do projeto de criar a contribuição nos termos da autorização do art. 195, I, "b" (receita) e "IV" (importação de bens e serviços) da Constituição. Porém, melhor andaria o projeto se suprimisse o artigo 1º e simplesmente previsse que a contribuição incide sobre a receita bruta e sobre a importação de bens e serviços, mantendo a coerência com o texto constitucional.

Outra preocupação importante decorre do próprio conceito de serviços.

O § 1º do art. 61 o projeto trata da CBS na importação e traz um conceito amplo de serviços compreendendo também "a cessão e o licenciamento de direitos, inclusive intangíveis".

Há décadas se discute na jurisprudência do STJ e do STF se negócios envolvendo direitos podem ser considerados serviços, como no caso da cessão ou licenciamento de software ou de marca. No passado, o STF concluiu que a locação de bens móveis é negócio que envolve apenas direitos e por isso não se constitui em serviço para fins do ISS. Já recentemente o STF deu um sentido amplo ao termo serviços no julgamento das operadoras de planos de saúde e de contratos de franquia. Não há, porém, uma definição final do tema pelos Tribunais, por isso o conceito de serviços veiculado no projeto tem o potencial para ser fonte de futuros litígios.

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Um ponto de atenção do projeto é que atualmente as receitas decorrentes da venda de investimentos, imobilizados ou intangíveis não são tributadas pelo PIS e pela COFINS. Como a CBS não contém essa exclusão, ela possibilitará, por exemplo, que sejam tributadas as operações com participações societárias, o que pode afetar a atração de investimentos.

O projeto ainda veda a transferência de créditos da contribuição, exceção feita apenas na hipótese de sucessão empresarial. Não está claro, porém, se a "sucessão empresarial" abrange tão somente os casos de fusão, cisão e incorporação (sucessão universal) ou se também compreende a venda de estabelecimento. A dúvida é relevante porque se a vedação se aplicar à venda de estabelecimento, todo o seu estoque de produtos será transferido sem os créditos da CBS, o que pode inviabilizar este tipo de operação.

Outro ponto de nota é a pretensão de tributar também os negócios realizados por pessoas físicas. Para tanto, o projeto prevê que são contribuintes da CBS as pessoas jurídicas e as que lhes são equiparadas pela legislação do imposto de renda, justamente como ocorre com as pessoas que "em nome individual, explorem, habitual e profissionalmente, qualquer atividade econômica de natureza civil ou comercial, com o fim especulativo de lucro, por meio da venda a terceiros de bens ou serviços".

Se os negócios forem realizados por plataformas digitais, estas serão responsáveis pelo pagamento da CBS nas operações que intermediarem, caso o vendedor não emita documento fiscal eletrônico, como comumente ocorre nas vendas realizadas por pessoa física.

Para ser considerada plataforma digital, a empresa deve atuar como intermediária entre fornecedores e adquirentes nas vendas de bens e serviços de forma não presencial. Este dispositivo se aplica a plataformas como Uber, Mercado Livre e outras similares, mas fica a dúvida se as vendas promovidas através do Instagram, do Facebook ou pelo Whatsapp, por exemplo, recaem nessa regra, já que o parágrafo único do art. 6º do projeto diz que não são consideradas plataformas digitais as empresas que executam somente o processamento de pagamentos (Pagseguro), a publicidade (Facebook; Instagram) ou a procura de fornecedores (Google).

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Resta ainda uma segunda dúvida. Será que poderia o projeto de lei ordinária atribuir essa responsabilidade a quem não participa da venda (art. 124, I do CTN)?

Já na importação de serviços por pessoa física, a responsabilidade pelo pagamento da CBS é do fornecedor ou plataforma digital no exterior. Porém, há um problema de ordem prática, como o Fisco vai exigir que o residente no exterior pague a CBS no Brasil? E se ele não pagar, como o Fisco irá cobrar a dívida se o Brasil nos seus tratados não inclui a cláusula sobre a assistência na recuperação de créditos tributários?

Também não poderíamos deixar de comentar que segundo o Governo a reforma deve manter a atual carga tributária e, para tanto, propõe fixar a alíquota da CBS em 12%, o que, em termos macroeconômicos, pode até atingir este objetivo.

No entanto, quando examinamos a contribuição setorialmente, estes efeitos variam segundo a possibilidade do contribuinte de descontar o crédito mais amplo da CBS e a alíquota que atualmente estão sujeitos em relação ao PIS e à COFINS. Deste modo, setores que pagam o PIS e a COFINS no regime não-cumulativo (9,25%) e têm muitos créditos, podem experimentar potencial redução de carga tributária (indústrias), enquanto outros setores que estão no regime cumulativo (3,65%) e têm menor potencial para descontar créditos, podem sofrer aumento substancial de carga, como é o caso do setor de serviços.

Não temos dúvidas de que o projeto de criação da CBS representa um avanço e merece o nosso apoio, mas eventual tramitação em regime de urgência não deve impedir que o Congresso Nacional faça os ajustes necessários para que o texto aprovado não gere insegurança jurídica, nem dê margem a futuros litígios.

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*Renata Emery e Alberto Medeiros, sócios do Stocche Forbes Advogados

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