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'Nós sabemos que um bar pode ter uma fama meio-dia e outra meia-noite'

Claudio de Oliveira Torres, presidente do Conselho Administrativo do Banco do Nordeste indicado pelo Ministério da Fazenda, justifica gasto de R$ 459 em famoso reduto de garotas de programa de Brasília à época que dirigiu a ala financeira da Desenvolve SP; Procuradoria de Contas quer multa

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Por Luiz Vassallo
Atualização:

Nota fiscal com a descrição: 'despesas'  

"A gente sentou pra tomar um chope, comer um lanche", afirmou o ex-diretor financeiro da Agência de Fomento do Estado de São Paulo (Desenvolve SP), sobre gastos com um famoso bar de garotas de programa em Brasília questionados pelo Ministério Público de Contas. Atualmente, Claudio de Oliveira Torres é presidente do Conselho Administrativo do Banco do Nordeste, por indicação do Ministério da Economia. Ele ficou na instituição financeira de São Paulo entre 2009 e 2015.

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O procurador-geral de Contas, Thiago Pinheiro Lima, questionou um gasto de Torres, em 2013, no valor de R$ 459, além de pedir multa de 100% sobre o valor, e opinar pela irregularidade das contas da Agência. A Desenvolve SP afirmou que 'o ex-diretor financeiro citado não faz parte de seu quadro desde 2015 e que adotará todas as medidas necessárias solicitadas pelo órgão de controle'.

Segundo o procurador a despesa se deu com o Alfa Pub, casa de shows no térreo de um hotel em Brasília famosa como ponto de prostituição frequentado por políticos e empresários.

A nota fiscal dos R$ 459 traz a palavra 'despesas' em sua descrição.

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"Eu não duvido que... primeiro, que fama muda, o restaurante tem uma fama e amanhã tem outra. Eu não me lembro se tem isso num bar... sei lá o que com meus amigos da Desenvolve, minha equipe, num bar que fosse...quer dizer, só podia ser um bar aberto que a gente sentou pra tomar um chope, um lanche. Daí a dizer que o bar depois ficou conhecido... foge do meu alcance. Eu não moro em Brasília, não sei o que aconteceu", afirma Torres, sobre as suspeitas da Procuradoria de Contas em torno da fama do estabelecimento em Brasília.

O presidente do Conselho Administrativo do Banco do Nordeste ainda indaga sobre a falta de horário na nota fiscal.

"Você sabe que restaurante hoje tem uma fama e amanhã tem outra. Eu não sei qual era a fama do restaurante em 2013. E nós também sabemos que um bar pode ter uma fama meio dia e outra meia noite. Por isso que eu olhei o horário, porque a gente almoçava e jantava em Brasília."

Entrada de hotel que abriga o Alfa Pub. Foto: Google Street View/REPRODUÇÃO

"Na minha cabeça, quando eu trabalhei na Desenvolve, eu fui muitas vezes a Brasília com a minha equipe. Então, é perfeitamente natural que tenhamos tomado um lanche, enfim, num bar que, pelo que eu saiba, é autorizado a servir bebidas, sem entretenimento ou qualquer...", relata.

Torres afirma que não foi questionado sobre o gasto. "Eu não entendo porque a Desenvolve SP não entrou em contato comigo e dito: olha, vamos fazer uma coisa? Você ressarce e encerra esse assunto. E, não! Essa parte ninguém consegue me explicar, porque já mudaram três vezes de presidente e fica difícil de ver quem deixou de fazer o quê. Mas, com certeza, deveriam ter me informado, me notificado ou pra eu devolver, pra tomar providência".

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"O normal seria eu ter sido avisado disso há 4, 5 anos atrás, não sei quando..", critica.

Torres permaneceu na Desenvolve SP até 2015, quando foi exonerado, ainda na gestão Geraldo Alckmin (PSDB). Ele afirma ter sido chamado há seis meses para presidir o conselho administrativo do Banco do Nordeste. No quadro da instituição, ele consta como membro indicado pelo Ministério da Economia.

"Na realidade, todas as estatais, de uma certa maneira, todas as estatais reportam para o Salim Mattar [secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados], então partiu do gabinete dele", relata.

Antes, ele afirma que estava atuando na iniciativa privada, em um escritório pessoal.

'Local impróprio'

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O procurador-geral de Contas de São Paulo cita que os donos do bar chegaram a ser investigados, e inocentados por crimes de exploração sexual, mas, ressalta que 'é irrefutável que o bar é amplamente reconhecido como ponto de encontro entre garotas de programa e clientes, elemento suficiente para a configuração de local impróprio para gasto de dinheiro público, não condizente 'com o princípio da moralidade que deve nortear a realização de despesas públicas'.

"Cabe enfatizar que a defesa permaneceu silente quanto às justificativas relativas a esta despesa, limitando-se a afirmar que providências estavam sendo tomadas para reembolso do valor pelo ex-diretor (fl.106). Agrava a questão o fato de não constar dos autos qualquer documento comprobatório de efetivo ressarcimento ao erário", diz o procurador.

Ele ainda ressalta que 'foi detectado que a entidade, continuamente, reembolsa valores cujos documentos fiscais apresentam descrições genéricas e sem as devidas explicações, lesando, assim, a necessária transparência que deve nortear a gestão do dinheiro público'.

COM A PALAVRA, CLAÚDIO TORRES

Estadão: Quais foram os gastos feitos naquele bar?

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Cláudio Torres: Na minha cabeça, quando eu trabalhei na Desenvolve, eu fui muitas vezes a Brasília com a minha equipe. Então, é perfeitamente natural que tenhamos tomado um lanche, enfim, num bar que, pelo que eu saiba, é autorizado a a servir bebidas, sem entretenimento ou qualquer...

Estadão: O procurador de Contas menciona a fama do estabelecimento, de que ele abriga garotas de programa. Como o sr vê esse questionamento?

Cláudio Torres: Eu não duvido que... primeiro, que fama muda, o restaurante tem uma fama e amanhã tem outra. Eu não me lembro se tem isso num bar... sei lá o que com meus amigos da Desenvolve, minha equipe, num bar que fosse...quer dizer, só podia ser um bar aberto que a gente sentou pra tomar um chope, um lanche. Daí a dizer que o bar depois ficou conhecido... foge do meu alcance. Eu não moro em Brasília, não sei o que aconteceu..

Você sabe que restaurante hoje tem uma fama e amanhã tem outra. Eu não sei qual era a fama do restaurante em 2013. E nós também sabemos que um bar pode ter uma fama meio dia e outra meia noite. Por isso que eu olhei o horário, porque a gente almoçava e jantava em Brasília.

Estadão: A nota fiscal só diz que o dinheiro foi gasto com 'despesas'. O que foi comprado lá?

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Cláudio Torres: É que você mencionou a nota, e eu fui olhar melhor a nota, e ali de fato faz referência ao dia, mas não faz referência a que horas foi. E aí fica difícil de você configurar seja lá... Veja, eu estou tentando aqui dar uma explicação, e de repente foi um lanche na hora do almoço. Só para lembrar que é muito difícil esclarecer uma coisa em cima de uma nota fiscal que não tem nem horário, pô.

Estadão: O sr nunca foi cobrado pela Desenvolve?

Cláudio Torres: Do outro lado, o que a Desenvolve me diz é: 'Cláudio, tudo que você fez está dentro da política de reembolso do banco'. Então, não é pelo valor em si, tá? É pelo meu nome envolvido em uma conta de 459 reais, sete anos atrás, num restaurante, e do outro a política de reembolso.

Então, eu falei com um ex-presidente, e falei com a propria desenvolve agora à tarde, e de fato eu imagino que deve ter haviso por parte do Tribunal de Contas do Estado, um problema com uma compra de material de TI.... Pelo valor... eu até levei um susto. No bolo, quando houve, essa prestação de contas deve ter sido feita há 4, 5 anos atrás. No desenrolar eles podem ter tido ressas duas alegações, uma sobre minha conta e outra da TI e eu não entendo porque a Desenvolve SP não entrou em contato comigo e dito: olha, vamos fazer uma coisa? você ressarce e encerra esse assunto. E não. essa parte ninguém consegue me explicar, porque já mudaram tr~es vezes de presidente e fica difícil de ver quem deixou de fazer o que. Mas, com certeza, deveriam ter me informado. Me notificado ou pra eu devolver... pra tomar providência...

O normal teria eu ter sido avisado disso há 4, 5 anos atrás, não sei quando..

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Estadão: O sr está há quanto tempo no governo federal?

Cláudio Torres: Eu tenho escritório. Esse ano que passou que pela minha experiência em banco que eu fui convidado para o conselho do BNB. Coisa recente, faz uns seis meses.

Estadão: Foi convidado pelo próprio ministro?

Cláudio Torres: Na realidade, todas as estatais, de uma certa maneira, todas as estatais reportam para o Salim Mattar, então partiu do gabinete dele.

COM A PALAVRA, MINISTÉRIO DA ECONOMIA

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Estadão: Como é feita essa indicação? Quem na pasta é responsável? Quando ocorreu a indicação? Há alguma aprovação dela por algum colegiado da pasta e do banco?

R: A indicação de Claudio de Oliveira Torres para a presidência do Conselho de Administração do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) atendeu a todos os requisitos do decreto 8.945 de 27 de dezembro de 2016. Claudio Torres tem vasta experiência na área, tendo passado por bancos como Citibank, Banco Real e Banco BMC.

Estadão: Claudio Torres foi indicado pela Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados em 18/06/2019. Seu nome foi encaminhado para a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST) que operacionaliza a indicação: solicita os documentos do indicado, realiza uma pré-análise com base na Lei 13.303, e encaminha consulta administrativa para a Casa Civil.

A Casa Civil realiza a consulta administrativa. O nome é verificado também pela Secretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência da República, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Controladoria Geral da União (CGU).

Após a aprovação de todos esses órgãos, o processo é encaminhado para despacho do Secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados e, após, ao Comitê de Elegibilidade do BNB que possui prazo legal de 8 dias úteis para resposta. Com a aprovação do Comitê de Elegibilidade a SEST encaminha os ofícios de formalização solicitando à empresa eleição e posse do indicado, com cópia ao Ministério Setorial e PGFN.

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Estadão: A pasta já tinha conhecimento deste procedimento em São Paulo quando o indicou? Qual é a posição do Ministério a respeito deste parecer do MPC em São Paulo?

R: O Ministério da Economia tomou conhecimento do processo no dia de hoje do parecer do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, datado de 22 de janeiro de 2020, juntado no processo nº TC 1502/026/13 em trâmite perante o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

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