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Nos 15 anos da Lei Maria da Penha, o que ainda falta para as mulheres serem mais livres?

Por Izabela Patriota
Atualização:
Izabela Patriota. FOTO: DIVULGAÇÃO  

A Lei Maria da Penha é a debutante da semana. Com a lei vieram muitos avanços, mas antes da sua promulgação, as mulheres já eram iguais perante a lei, já votavam, já tinham autonomia financeira e, parcialmente, já deliberavam livremente sobre os seus corpos. Afinal, ainda resta qualquer agenda legítima por mais liberdade para elas?

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É verdade que uma jovem mulher de 1920 não conseguiria se imaginar na mulher de 2020, muito embora também seja igualmente verdade que a pauta por mais liberdade para as mulheres não caducou.

Certamente, os avanços mais difíceis de serem rompidos eram aqueles que tinham aplicação estatal. Se compararmos o que já foi superado em termos de avanço sobre a condição da mulher, as buscas estão diminuindo paulatinamente. Um exemplo que pode parecer menor, mas que tem alta carga representativa é que, de 1941 até 1983, as mulheres eram proibidas de jogar futebol no Brasil como decorrência do decreto-lei 3.199 da ditadura Vargas. É certo que havia limitações muito superiores a essa, como a proibição em candidatar-se, votar, gozar da guarda dos filhos em caso de divórcio, dentre outras.

Quebrar e superar tais barreiras que decorrem dos ditames legais é mais árduo porque envolve o processo decisório de poder, locais onde até muito recentemente não era sequer ocupado por mulheres - ainda que hoje permaneça escassa a participação feminina. É preciso lembrar, entretanto, que a sociedade é formada não apenas por instituições públicas como é o governo, mas também por instituições privadas, dentre elas as famílias e os círculos nos quais nos inserimos.

O ano de 2021 está nos trazendo alguns exemplos interessantes de limitações tanto em nível público como privado. Durante o século XX, a luta das mulheres por mais liberdade significava a possibilidade de poder mostrar mais o corpo sem que a maior exposição significasse inferioridade intelectual ou qualquer outra que fosse. Nas Olimpíadas de Tóquio, a busca é contrária: as mulheres querem a oportunidade de revelar menos seu corpo sem que dessa  conduta resulte sanção.

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Em julho, antes dos jogos em Tóquio, a equipe de handebol feminino da Noruega foi multada porque usaram bermudas ao invés de biquínis. Essas normas advém não do Estado, mas de uma entidade privada que facilmente pode alterar suas regras, caso dê às mulheres aquilo que elas desejam: a opção por revelar mais ou menos seu próprio corpo. Não se trata de advogar por um ou outro estilo, mas deixar que a escolha de mulher prevaleça.

Nesse caso específico, não apenas a federação norueguesa deu suporte às suas atletas e aceitou pagar a multa para fazer prevalecer o desejo das atletas, como a cantora Pink se dispôs em pagar por isso.

Caso ainda mais emblemático foi veiculado essa semana sobre a exigência de cooperativas de saúde para autorizarem o procedimento de inserção do DIU em mulheres casadas. Apesar de não haver qualquer disposição legal, os planos exigiam o consentimento do marido para a realização do implante. Após a péssima repercussão, algumas cooperativas negaram que faziam a exigência e outras apenas admitiram o erro e decidiram por não mais exigir tal consentimento marital.

Interessante notar como um caso semelhante ao mencionado acima tem repercussão social diferenciada. Para a realização de procedimentos de esterilização, laqueadura ou vasectomia, a lei exige expressamente a anuência dos cônjuges. Além disso, exige também idade mínima superior a maioridade civil (25 anos) ou, ao menos, dois filhos vivos. No caso da mulher, apesar de mais simples e menos invasivo, não é sequer permitido o procedimento de esterilização logo após o parto.

Veja-se que, apesar de igualmente reprovável sob o ponto de vista moral e social, não pode haver soluções válidas sob o ponto de vista privado para o caso da laqueadura de mulheres, uma vez que nesse caso a proibição decorre de um ditame legal. Ou seja, não podem os hospitais e os médicos reconhecerem o retrocesso dessas exigências e consequentemente passar a esterilizar as mulheres que assim desejarem, como também não pode uma cantora famosa como a PINK simplesmente arcar com os custos da laqueadura de uma brasileira em solo nacional que assim deseje.

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As mulheres ainda não são livres o suficiente tanto quanto gostariam e merecem. Quando as limitações não vem da mão pesada do Estado, vêm de outras instituições privadas ou informais recheadas de cultura retrógrada e pouco adepta às liberdades individuais femininas. Nesta semana que coincide com o aniversário da promulgação da Lei Maria da Penha precisamos lembrar: a busca por mais liberdade para as mulheres não caducou.

*Izabela Patriota, doutoranda em direito USP e diretora de relações internacionais do movimento LOLA Brasil

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