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Nomeação de relator da Lava Jato no STJ foi discutida em reunião com Delcídio, diz filho de Cerveró

'Tom da conversa era o de que o nomeado iria resolver monocraticamente', afirmou Bernardo Cerveró à Procuradoria; nome de Ribeiro Dantas apareceu pela primeira vez em encontro no Rio com líder do governo no Senado em que foi tratada da 'movimentação política para obtenção de habeas corpus'

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Por Ricardo Brandt e FAUSTO MACEDO E Beatriz Bulla
Atualização:

Ministro Ribeiro Dantas, relator da Lava Jato no STJ. Foto: André Dusek/Estadão

O filho de Nestor Cerveró, o ex-diretor de Internacional da Petrobrás preso pela Operação Lava Jato e novo delator dos processos, Bernardo Cerveró afirmou em seu depoimento à Procuradoria Geral da República que em uma reunião em que participou o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), no Rio, em que era tratada da "movimentação política para obtenção de habeas corpus" foi discutida a nomeação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de sobrenome "Navarro". Marcelo Navarro Ribeiro Dantas é o relator dos processos da Lava Jato no STJ, nomeado em setembro para o cargo pela presidente Dilma Rousseff.

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"Essa reunião serviu para tratar de movimentação política para a obtenção de habeas corpus, havendo sido discutida uma nomeação de Ministro para o STJ que iria acontecer em breve", afirmou Bernardo, em depoimento prestado à PGR no dia 19 de novembro. O termo faz parte das tratativas da família que levaram ao fechamento do acordo de delação premiada do ex-diretor e que levou para a cadeia o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, e o banqueiro André Esteve, dono do BTG Pactual, por tentativa de obstrução as apurações da Lava Jato;

"Uma das nomeações discutidas era de alguém de Natal/RN, lembrando-se o depoente do sobrenome Navarro", completou Bernardo. "O tom da conversa era o de que o nomeado 'iria resolver monocraticamente', 'foi indicado por não sei quem', 'é um legalista'."

 Foto: Estadão

O encontro teria ocorrido em uma seguradora, no Rio de Janeiro, em prédio na Rua Anfilófio de Carvalho, no Centro. "Essa reunião foi marcada por Edson Ribeiro", afirma Bernardo. Ele era o advogado de Cerveró na Lava Jato, que tentava junto com Delcídio impedir o ex-diretor de fazer delação. Ele foi um dos presos pela Polícia Federal, no plano de tentar obstruir as investigações e oferecer uma rota de fuga para Cerveró.

Bernardo conta que nesta reunião estavam ainda advogados, como Felipe Caldeira e Nélio Machado - que foi defensor do lobista Fernando Baiano, que era o responsável pelas contas secretas de Cerveró e também fez acordo de delação. "Bem como o senador Delcídio Amaral e seu assessor Diogo (Ferreira, chefe de gabinete também preso)."

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"Ao final da reunião, já com o clima mais descontraído, o senador Delcídio Amaral chamou o depoente e Edson Ribeiro para um canto e disse, em tom sério, 'olha, já está tudo certo, o pessoal de São Paulo está viajando, mas, quando voltar, vai resolver os seus honorários (dirigindo-se a Edson Ribeiro) e garantir ajuda para a família (dirigindo-se ao depoente)."

Escuta ambiental. Na gravação feita por Bernardo, de uma hora e meia, no dia 4 de novembro, em um hotel de luxo em Brasília, que Delcídio, seu chefe de gabinete e o advogado Edson Ribeiro foram flagrados tentando comprar o silêncio de Cerveró e patrocinar a fuga do ex-diretor do País, o nome de Ribeiro Dantas também foi citado pelo senador.

"O STJ, ontem eu conversei com o Zé Eduardo muito possivelmente o Marcelo na Turma vai sair", afirma o senador, ao tratarem de um habeas corpus que teria sido apresentado pela defesa de Cerveró. "Acredito", responde o advogado de Cerveró.

"A decisão, a decisão foi muito, a decisão que negou pro Dantas, né, foi muito ... sem nada né, literalmente assim deixa jogar pra Turma", completa o chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira.

"Pois é, jogar pra turma pra turma julgar né. Isso acho que é bom", diz Delcídio.

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O senador afirmou em seu depoimento à Polícia Federal que a citação ao "STJ" feita por ele em reunião gravada pelo filho do ex-diretor da Petrobrás era referente a uma "conversa que havia mantido com o ministro da Justiça", José Eduardo Cardozo.

"Houve comentário por parte dele (Cardozo) no sentido de que possivelmente haveria decisão favorável a Marcelo Odebrecht, em habeas corpus que tramitava no STJ", afirmou Delcídio, ouvido pela PF no dia 26. Questionado se "a entonação com que deu a notícia" sobre o STJ para Bernardo Cerveró e para o advogado da família Edson Ribeiro "era positiva", Delcídio afirmou que "sim". "Considerava uma boa notícia, no sentido de incentivá-los."

O ministro da Justiça negou que tenha tratado com Delcídio "sobre casos ou réus específicos da Lava Jato". "Eu conversei muitas vezes com várias pessoas sobre a Lava Jato, mas nunca conversei sobre um caso ou uma situação específica. Ele (Delcídio) me perguntou, após decisão sobre executivo de uma empresa, se ela poderia repercutir em outras instâncias (do Judiciário). Eu fiz uma análise da teoria da repercussão", afirmou Cardozo.

Defesa. Procurado nesta quinta-feira, o ministro Ribeiro Dantas não foi encontrado. Em outra ocasião, ele informou que não daria entrevistas nem comentaria a citação ao seu nome nas conversas.

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Um dia antes da prisão de Delcídio e Esteves, o relator da Lava Jato no STJ votou pela conversão da prisão preventiva em domiciliar do presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques Azevedo. Na semana passada, ele votou também pelo benefício para o presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, e executivos do grupo. As decisões de liberdade será votadas ainda pelos demais ministros da 5ª Turma do STJ.

Ribeiro Dantas foi o nome adotado pelo mais novo ministro do STJ, nomeado em setebro, após indicação da presidente Dilma Rousseff, com apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Natural de Natal, capital do Rio Grande do Norte, Dantas iniciou carreira como advogado, como procurador e chefe do setor Jurídico do SESI/RN (Serviço Social da Indústria). Foi promotor de Justiça, procurador-chefe da Procuradoria da República no Rio Grande do Norte. Em 2003 foi nomeado desembargador do Tribunal Regional Federal, nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dentro da lista sêxtupla do MPF.

Como relator da Lava Jato, Dantas assuntou a decisão para julgar os pedidos dos réus e investigados da operação. Na quinta-feira, 26, o ministro negou liberdade ao ex-deputado federal do PP de Pernambuco Pedro Corrêa - preso desde abril em Curitiba e condenador pelo juiz Sérgio Moro.

No texto em que o STJ noticia a decisão, é ressaltada a atuação do relator nos processos. "O ministro Ribeiro Dantas, que é relator do processo da Lava-Jato na Quinta Turma, já negou em outras decisões habeas corpus dos ex-diretores da estatal, como Renato Duque (diretor de Serviços) e Nestor Cerveró (Área Internacional), dos empresários Marcelo Odebrecht e Carlos Habib Chater, ao ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, e de João Vaccari Neto, ex-secretário de Finanças do PT", informa a corte.

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"No caso de Cerveró, o pedido foi negado, em razão de os argumentos utilizados por sua defesa serem repetidos e já terem sido afastados em julgamentos anteriores, quando a Quinta Turma negou a sua liberdade."

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