Pepita Ortega e Fausto Macedo
24 de setembro de 2019 | 13h17
O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado. Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado
“Lá no apartamento de Fernandinho… ali eu tenho acesso, toda hora, todo instante”, afirmou o empresário João Carlos Lyra, suposto líder de esquema de lavagem de dinheiro investigado pela Operação Turbulência, sugerindo o apartamento do deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) como local para encontro com o líder do Governo Bolsonaro, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
A frase foi dita a Iran Padilha Modesto, apontado como ‘pessoa de confiança’ de Bezerra, durante reunião para acertar o suposto pagamento de R$ 4 milhões para quitação de dívida do senador com o empresário.
A conversa entre Padilha e Lyra foi gravada e anexada ao inquérito que culminou na deflagração da Operação Desintegração – na última quinta, 19, por ordem do ministro Luís Barroso, do Supremo, a Polícia Federal fez buscas nos gabinetes do senador e de seu filho deputado e também em endereços residenciais dos parlamentares.
A ofensiva da PF provocou imediata reação de aliados dos Bezerra. A presidência do Senado anunciou que iria ao Supremo contra a medida.
A delação de Lyra e de outros empresários investigados pela ‘Turbulência’, Arthur Roberto Lapa Rosal e Eduardo Freire Bezerra, serviram como base para a ação da PF.
Em seus depoimentos, os empresários detalharam sua participação no ‘pagamento sistemático de vantagens indevidas’ de pelo menos R$ 5,5 milhões a Fernando Bezerra e ‘Fernandinho’.
Segundo eles, as propinas foram pagas pelas empreiteiras OAS, Barbosa Mello, Paulista e Constremac Construções, envolvidas na execução de obras públicas na região Nordeste, entre elas a emblemática transposição do rio São Francisco e o Canal do Sertão, em Alagoas.
Entre os fatos transcritos no despacho de 30 páginas que desencadeou as ações da PF contra Fernando pai e Fernando filho, o ministro Barroso menciona um empréstimo de R$ 1,741 milhão para financiamento das campanhas dos parlamentares.
A dívida seria quitada pela OAS, mas segundo Lyra, a empreiteira indicou que não arcaria com o montante. Os delatores passaram então a cobrar a dívida de Padilha, dizem.
A reunião de Lyra com Padilha, gravada, teria sido agendada para tratar do pagamento da dívida, indica trecho da delação.
Na ocasião, o empresário teria apresentado para o ‘homem de confiança’ de Bezerra uma planilha com diversas simulações da correção do dinheiro, simulando taxas de 1,5%, 2%, 2,5%, 3%, 3,5% e 4%.
A informação foi passada às autoridades por Lyra e também é registrada no áudio entregue pelo delator.
Segundo o empresário, ficou acertado que Bezerra pagaria R$ 4 milhões para quitar a dívida. Trechos da conversa e da delação mostram que Padilha indicou que o valor seria pago em parcelas de R$ 500 mil.
Após o acerto, Padilha teria mencionado que o senador Fernando Bezerra pretendia ter uma reunião com Lyra, antes do pagamento da primeira parcela.
“Oh, ele quer fazer uma coisa, eu tive com ele, eu falei com ele e ele queria falar com você, se você pudesse”, disse o homem de confiança do senador ao empresário.
A partir daí, a conversa começa a tratar do local dessa reunião. Nos trechos da conversa, Lyra indicou. “Lá no apartamento de Femandinho … ali eu tenho acesso, toda hora, todo instante. Veja, estou querendo o melhor pra mim e o melhor pro senhor”.
Em resposta, Padilha afirma: “Não, lógico. Com certeza. Para eles, eles tem que pensar neles.”
O delator segue dizendo “Eu me sentiria mais confortável, entendeu seu Iran? Veja, eu tô Já, eu vou ali praticamente quase todo dia, né verdade?”. O lugar do encontro no entanto, não fica acertado. No decorrer da conversa Lyra chega a sugerir ” veja, eu vou pra onde ele quiser, se me chamar para ir pros Estados Unidos, eu vou.”
Sobre o teor do encontro, Padilha teria afirmado. “No fundo, no fundo eles querem alinhar uma conversa com você [Lyra].”
O delator indicou à PF que ficou receoso do encontro com o senador, uma vez que já havia sido preso e que o nome de Fernando Bezerra já havia sido citado na Lava Jato.
Lyra disse acreditar que o intuito de Fernando Bezerra seria ‘dissuadí-lo a não mencionar nada ilícito a respeito dele’
A decisão do ministro Luís Barroso registra que, durante a reunião, Padilha sugeriu ainda que Fernando Bezerra poderia ‘utilizar a prefeitura de Petrolina’ para quitar a dívida, uma vez que Miguel de Souza Leão Coelho, filho de Fernando Coelho Filho, ‘se tornara prefeito daquele município em 2016’.
Em outro trecho da delação e da transcrição da conversa, Iran Padilha Modesto afirma. “Ele já tem um meio, entendeu? Petrolina, entendeu?”
COM A PALAVRA, A DEFESA
“A defesa esclarece que, em que pese os sucessivos pedidos de acesso a tais colaborações após os vazamentos seletivos ocorridos no ano passado e há alguns meses, segue, mesmo nesse momento, sem acesso ao seu conteúdo integral. Observa-se, agora, que uma conversa entre terceiros gravada sorrateiramente em 2017 por interessado em benesses penais, parece servir como pretenso fundamento de uma operação absolutamente descabida e desproporcional. A verdade dos fatos será esclarecida no momento oportuno, em que se demonstrará em definitivo o excesso dessa investigação.”
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