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Nem tudo é verde e amarelo na MP 905

Por Leonardo Mazzillo e Pedro Teixeira Leite Ackel
Atualização:
Leonardo Mazzillo e Pedro Teixeira Leite Ackel. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Medida Provisória 905, que instituiu o Contrato Verde e Amarelo (CVA) e várias mudanças tributárias, trabalhistas e previdenciárias no País, tem iniciativas louváveis, mas inúmeros pontos de interpretação ainda obscura. A MP, redigida em muitos pontos com má técnica legislativa, tem dispositivos que devem ser alterados pelo próprio Congresso. Caso contrário, são grandes as chances de servirem de motivos para batalhas Judiciais, tanto entre empregadores e empregados, quanto entre contribuintes e o Fisco.

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De qualquer modo, importante enfatizar os avanços por ora alcançados, uma vez que muitos deles já produzem efeitos com a medida em vigor. Sendo pontos que irão impactar o dia a dia das empresas, importante estarmos preparados para todas as novidades e os cuidados com possíveis reveses que podem atingir-nos a todos.

Vamos lembrar que a MP é recordista em emendas parlamentares apresentadas ainda por analisar: 1.930. Apenas a Reforma Trabalhista de novembro de 2017 havia alcançado tanta repercussão, e mesmo assim, teve aproximadamente metade das emendas, perto de mil, o que já nos dá uma noção da polêmica que está por vir. Portanto, a lei de conversão, se de fato for promulgada, provavelmente trará um texto com várias modificações.

Sem dúvida, a empregabilidade de quem nunca teve emprego é um dos pontos que mais devem ser enaltecidos na MP 905. Sabemos que a experiência é um fator importante para que os empregadores queiram contratar funcionários e, infelizmente, esse requisito quase nunca existe para jovens de 18 a 29 anos, alvo inicial do Contrato Verde e Amarelo. Daí a importância de estímulos governamentais a novas contratações. A redução do impacto fiscal em relação a esses funcionários que serão contratados é também um alívio para as empresas.

Mas alguns cuidados são necessários para parametrizar os sistemas de folha de pagamento. Além de observar a limitação de salário-base mensal de 1,5 salário mínimo durante os (até) 24 meses de contrato, e de poderem ser incluídos, por exemplo, apenas jovens que só tiveram registros como menor aprendiz ou com contrato de experiência ainda não concluído, a quantidade de trabalhadores na modalidade verde e amarelo na empresa merece especial atenção.

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Nesse caso, é preciso observar dois requisitos. Primeiro, precisam ser postos de trabalho novos, e será novo aquele posto de trabalho que ultrapassar a média dos últimos 10 meses, de janeiro até outubro de 2019. Também o número máximo de 20% da folha como contrato verde e amarelo deve ser obedecido. Há apenas uma exceção: a regra não se aplica às empresas que entre outubro de 2018 e outubro de 2019 tiveram uma redução de 30% ou mais do número de empregados. A legislação entende que existe aí uma reposição de postos de trabalho.

Quanto à tributação, o projeto prevê isenção da contribuição patronal do INSS e alíquotas do Sistema S. Cairá de 8% para 2% a alíquota de FGTS (a mesma que incide na modalidade jovem aprendiz), enquanto o valor da multa do FGTS em caso de demissão imotivada passará de 40% para 20%, embora a redação da MP não seja clara nesse ponto.

O trabalho aos domingos e feriados agora é possível tanto no comércio e serviços como na indústria. E este pode ser compensado com folga em outro dia da semana. A regra diz que o descanso semanal remunerado será preferencialmente aos domingos e estabelece o direito de o empregado não trabalhar pelo menos um domingo por mês no comércio e serviços e um domingo a cada sete semanas na indústria. E isso vale para todos, não apenas para o contrato verde e amarelo. Estima-se que, atualmente, 75% da indústria não possui acordos coletivos permitindo abertura aos domingos e feriados, exigência agora derrubada.

Outra eterna polêmica foi afastada pela MP 905: a jornada de trabalho dos bancários será de 6 horas apenas para os caixas. A legislação entende que esse trabalho (caixa) é mais estressante e por isso a jornada máxima menor. A conferir. Outra mudança importante que envolverá, entre outros setores, os bancos, é a possibilidade de deduzir ou compensar valores devidos a título de horas extras com gratificação de função. Não está claro se isso se aplica aos contratos em curso, mas se esse dispositivo disser respeito ao presente, a interpretação será de que para as reclamações trabalhistas que versam hoje sobre 7ª e 8ª horas, haverá compensação da gratificação de função com essas horas extras.

Infelizmente, a MP 905 traz também pontos polêmicos, com potencial para criar litígios e com grandes chances de serem derrubados no Judiciário. Um deles é a redução do adicional de periculosidade, que pela redação atual cairá de 30% para 5% se a empresa contratar um seguro de acidentes pessoais para o empregado. E aqui não se trata de ser pró ou contra trabalhador, mas sim uma questão de bom senso.

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O adicional não serve para compensar eventual acidente, mas para indenizar a sensação aflitiva que o empregado tem de trabalhar com algo que seja perigoso. É, portanto, uma compensação em face de seu prejuízo psicológico. Se houver um acidente, não é o adicional de periculosidade que vai indenizar a vítima, mas o produto da arrecadação da contribuição para o SAT/RAT. Nesse contexto, a contratação de seguro privado contra acidente de trabalho não justifica a redução do adicional de periculosidade, já que o prejuízo psicológico é o mesmo, havendo ou não o tal seguro privado. O que a contratação de seguro privado justificaria seria a redução da contribuição para o SAT/RAT devida pelo empregador, e não a redução do adicional de periculosidade paga ao empregado.

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Já no campo previdenciário uma das grandes novidades diz respeito ao Programa de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), que pela lei 10.101/2000 não trazia regramento claro, causando maior tributação. A MP põe fim a algumas discussões tributárias e previdenciárias relevantes, que representavam um passivo fiscal muito grande às empresas. Nesse sentido ela traz um novo incentivo para o empregador poder pagar mais e melhor.

A inexistência de regras claras não foi apenas prejudicial às corporações, mas também aos funcionários. Mesmo querendo aderir ao PLR, empresas sofriam com interpretações engessadas que as impediam de pagar corretamente, e todo o PLR era descaracterizado, fazendo com que fossem tributadas sobre o valor total do PLR. Até mesmo grandes multinacionais já não pagavam a PLR por não conseguirem negociar com os sindicatos ou quando negociavam o faziam de uma forma que a Receita Federal entendia desfavorável aos empregados, desestimulando sua contratação. A MP 905, portanto, trouxe esclarecimentos favoráveis aos dois lados: empresas e trabalhadores.

Com a MP, a celebração de um acordo de PLR dispensa a presença de representante sindical. Também será possível contratar PLR diretamente com o empregado hipersuficiente, aquele que recebe acima de duas vezes o teto do salário de contribuição da Previdência, ou seja, quem ganha acima de R$ 11.678,92. Outro problema recorrente, a exigência de assinatura do PLR antes do período de aferição do resultado, também foi tratado na MP. Agora o PLR pode ser assinado até 90 dias antes da última parcela a ser paga.

Medida provisória tem força de lei e a MP 905 já está produzindo efeitos. Mas, no caso da PLR outra incoerência prevaleceu. O texto diz que produzirá efeito somente quando for atestada por ato do Ministério do Estado da Economia, a compatibilidade com metas de resultados fiscais previstas no anexo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Isso quer dizer que o Tesouro Nacional tem uma expectativa de recebimento de diversas discussões de PLR e outras remunerações (a regra também serve para isenção de tributos para o vale-alimentação) e a Receita Federal não quer abrir mão de imediato de autos de infração que tratam dessas questões.

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Na verdade, está se condicionando a eficácia de uma norma a isso não impactar diretamente na receita da União. Dizer que um ato do ministro da Economia é que vai liberar a produção de efeitos de uma MP é uma medida bastante questionável. Esses gatilhos para produção de efeitos de alguns dispositivos em relação à parte previdenciária são totalmente contrários ao nosso sistema jurídico.

*Leonardo Mazzillo, sócio e coordenador das áreas de Consultoria Tributária e Human Capital do WFaria Advogados; Pedro Teixeira Leite Ackel, sócio do WFaria Advogados e responsável pela área Previdenciária e de Direito Público do escritório

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