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Nem todos os empreendedores precisam ser disruptivos

Por Isabelle Ferraz
Atualização:
Isabelle Ferraz. FOTO: GABRIELA GRASSITELLI/DIV. Foto: Estadão

O discurso de muitas corporações tem sido de como avançaram "dez anos em um" em seus processos de digitalização. Com a mobilidade restrita em função do confinamento imposto pela pandemia, as companhias se viram diante do desafio de implantar atualizações ou transformações tecnológicas que viviam adiando. As exigências por "inovações" capazes de sustentar a "reinvenção" imediata de modelos de negócios se tornaram frequentes.

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Histórias de startups que se tornam unicórnios ao propor soluções nunca imaginadas também ilustram esse frenesi por respostas disruptivas no mundo dos negócios. Para grande parte das pequenas e médias empresas, contudo, essa aceleração tecnológica ganhou contornos opressores.  Mirando o exemplo das grandes companhias ou dos unicórnios, os empreendedores já afetados com a crise acrescentaram a sua insônia diária uma camada de obsolescência culpada. Ou investem nas últimas ferramentas disponíveis ou devem engrossar as estatísticas de empreendimentos que fecham antes de cinco anos de atuação.

Muitos negócios que não se antecipam as novas demandas e desafios do mercado certamente estão condenados ao anacronismo. Mas, ao mesmo tempo, é humanamente impossível acompanhar o ritmo das transformações tecnológicas, ou seja, sobreviver numa sociedade "dromológica", pautada pela velocidade, recuperando aqui conceitos de Paul Virilio.

A pandemia nos mostrou o quanto a ciência pode oferecer respostas em tempo recorde como no caso das vacinas que até então demorariam uma década para serem ofertadas ao público. Por outro lado, a pausa mundial imposta pelo lockdown permitiu que parte das pessoas se reconectasse com questões prioritárias para a vida, como a natureza, por exemplo. E o tempo da natureza, como se sabe, não é o da produtividade desenfreada.

Outra parte se viu engolida por autocobrança incessante de desempenho resultado em muitos casos, numa nova pandemia, a de saúde mental. Os pequenos e médios empreendedores não podem viver a ilusão que vão avançar uma década em um ano. Ou se tornarem um unicórnio só porque tiveram uma ideia inovadora. Nem devem se deixar paralisar ou esgotar suas energias por não terem a solução capaz de romper com todos os parâmetros e criar um novo mercado.

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Neste momento de redefinição frente aos desafios para uma retomada, muitas vezes os empreendedores podem ser mais relevantes ao investir em uma gestão eficiente, que traga mais efetividade na manutenção e perenidade do negócio do que a "disrupção pela disrupção".

É só constatar quantas startups verdadeiramente disruptivas que atraem sucessivas rodadas de investimentos perdem o pé por questões anteriores como não ter contratado um CFO experiente ou dispor de uma equipe executiva disciplinada revendo e readequando o business plan, analisando criticamente o entorno, o contexto. Ou até mesmo os empreendimentos nativos digitais que fazem caixa rapidamente, mas se inviabilizam por questões tributárias, por exemplo.

É preciso arregaçar as mangas, mas também entender que dois tempos se impõem hoje na manutenção do negócio no contexto transformado pela Covid-19. Um é o da urgência da recuperação diante dos estragos provocados pela pandemia. O outro é o da reflexão, da reorganização da casa, da redefinição da estratégia e da inovação.  Como enfrentar essas duas jornadas de desafios concomitantemente?

É necessário exercitar uma espécie de divisão mental, como se fossem duas empresas vivendo num só corpo. Uma vai se concentrar na rotina de uma forma bem mais disciplinada, revendo processos e solucionando problemas. A outra vai apostar no desenvolvimento de mercados, criar produtos e buscar novos fornecedores.

A busca pela sobrevivência e a tendência de criar algo novo podem, contudo, levar o empresário a cair numa cilada.  Não é possível alicerçar novas ideias numa estrutura que já apresentava processos falhos.  Na dualidade temporal, a "empresa da inovação" não pode prosperar se a "empresa da urgência" não corrigir sua rota. É duro, mas o momento atual reduziu ainda mais margem para repetir erros.

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Isso não significa evidentemente que a busca pela inovação deva ser deixada de lado ou procrastinada. Mas essa não é a única resposta para a sustentabilidade dos pequenos e médios empreendimentos. A economia precisa da desconstrução para abrir espaço para a criatividade e o país necessita de empreendedores que possam se inserir no capitalismo 4.0.  Só não precisa ser numa velocidade desumanizadora.

*Isabelle Ferraz é sócia-fundadora da consultoria Polinizee

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