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Não se formam leitores com imposições

Por Marília Paiva
Atualização:
Marília Paiva. FOTO: DIVULGAÇÃO  

No último dia 3, o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) entregou às comissões de Educação e de Constituição e Justiça e de Cidadania um projeto de lei, obrigando a leitura de pelo menos um livro por semestre - cujo conteúdo "será de livre escolha da escola ou do docente responsável pela classe" - em todas as instituições brasileiras de ensino público. O deputado justifica que a legislação auxiliará na aprendizagem e contribuirá para os alunos tomarem gosto e, consequentemente, criarem o hábito de ler.

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Por mais bem intencionado que o deputado seja, faltou algo fundamental na elaboração desse tipo de lei: a leitura de estudos e pesquisas já realizadas por especialistas sobre a formação do leitor na escola. Talvez o próprio deputado não seja um leitor de literatura, e isso explica alguma coisa, também.

Pelo teor da proposta, parece que o deputado desconhece o trabalho árduo de centenas de milhares de docentes do ensino básico, que se esforçam por formar leitores num país que nunca colocou a educação pública como uma prioridade real. O deputado também desconhece certamente a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil: bibliotecas escolares", de 2019, que identifica quais condições oferecidas pelas bibliotecas escolares que impactam positivamente na melhor performance dos alunos em provas de língua portuguesa e no IDEB, por exemplo. Também deve ignorar outro estudo de 2019, financiado pela UNESCO e coordenado por professora da UFMG, que demonstra que escolas bem estruturadas podem causar impactos positivos no ambiente escolar e é um apoio poderoso para a aprendizagem.

O ousado e poderoso Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), proposto em 2006 numa histórica parceira do Ministério da Cultura e Educação, tornou-se a tacanha Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE) de 2018, dentro desse mesmo Congresso de onde brota hoje essa proposta simplista e ignorante.

Gerações de brasileiras e brasileiros de todas não tiveram e não têm acesso às condições que os permitiriam exercer o direito à leitura, mas o nobre deputado acredita que uma imposição legislativa de mais uma tarefa escolar irá transformar nosso país na Terra encantada dos leitores de livros. Mal sabe o deputado que a leitura resiste a imposições: ler é verbo que não aceita bem o imperativo.

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Famílias sem acesso à cultura letrada, professores sobrecarregados em escolas sem infraestrutura adequada ao aprendizado, bibliotecas inexistentes ou sucateadas, falta de investimento em educação e cultura, são muitos problemas à espera de iniciativas do poder público. Que sejam feitos os esforços necessários, e então as famílias, professores e bibliotecários terão condições de fazer sua tarefa, ajudando a transformar o Brasil num país de leitores.

*Marília Paiva, presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia da 6.ª Região

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