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Não mandaria meu filho à escola

Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: HELVIO ROMERO/ESTADÃO  

Acena-se com a retomada das aulas. Fala-se em setembro. Seja quando for, não me animaria a permitir que filho meu voltasse à escola sem que a pandemia esteja longe do horizonte. Nada indica estejamos no pico ou no platô. Continuamos ladeira acima. Submeter crianças a um convívio forçado, ainda mais com o alarme de mais de duzentos cientistas que a contaminação pode ser aérea, é brincar com a morte.

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Até o momento, dizia-se que uma distância de metro e meio, uso de máscaras e higiene rigorosa seria a fórmula garantida de não se infectar. Se agora há evidências de que as gotículas pairam no ar por longo período, por que arriscar?

A verdade é que se o coronavírus tem preferência pelos velhos, não hesita em levar também jovens e crianças. Noticiou-se que 25% dos óbitos é de pessoas com menos de sessenta anos. Pais conscientes não querem incluir nessa álea trágica a sua prole. Eu, pelo menos, não hesitaria.

Não há o "novo normal" após a peste. Haverá o "anormal" que é o pânico. Todos pensando que o humano que se aproxima é o portador do vírus. Medo de contato. Medo de tosse. Terror de pensar que alguém possa respirar no mesmo ambiente. Quantos relatos não se conhece de pessoas que evitaram contato, mantiveram-se reclusas e contraíram a praga? Tudo é ainda muito incerto. E a incerteza é irmã gêmea da insegurança.

A sensação de perigo será aliada natural dos pais indecisos. Eles mantiveram seus filhos distanciados e honraram todos os protocolos. Será que todos os pais agiram de forma igual? Não haverá aqueles filhos de famílias desestruturadas, de pais descuidados, de irresponsáveis? É  impossível exigir-se um documento de antecedentes de cada criança quanto ao comportamento familiar durante a prolongada duração da peste.

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Acrescente-se ao cenário, todas as intercorrências possíveis. Como se chegará à escola? Uso de vans cheias de alunos? Ou, pior ainda, ônibus, metrô ou trem? As crianças também são incontroláveis. A "brincadeira de mão" é constante. Depois de longo período de recolhimento, vão se portar como se fossem adultos? As escolas terão condições de manter ventilação, portas e janelas abertas para que o ar circule? A distância será a suficiente para a dispersão do oxigênio envenenado que sai das narinas ou das bocas dos colegas do seu filho?

Enfim, são tantas as dúvidas que, persistindo elas, é melhor esperar mais alguns meses. Já estamos no segundo semestre e o fim do ano é logo ali. Daqui a pouco têm início os anúncios das festas, as lojas ostentarão seus Papais Noéis, suas renas, sua neve fajuta. As rádios começarão a tocar jingle bell.

Como ficam as crianças sem escola?

É o momento adequado para repensar o que tem sido a educação brasileira. Imersa no anacronismo, ainda acredita em aulas prelecionais com a repetição de conteúdo nem sempre atualizado. Enquanto isso, as crianças parecem já nascer com chips e têm acesso à informação abundante, sedutora, online, com respostas para todas as perguntas.

O ensino à distância já não deverá ser a alternativa, mas a principal forma de educar as novas gerações. Os professores precisarão se reciclar para assumirem o compromisso de encontros virtuais individuais, para orientação e para resolução de dúvidas. Alguns já atuam assim e são os mais queridos de suas classes.

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Já não há lugar para o trancamento de crianças e jovens em salas de aula que parecem medievais. Longas filas de carteiras, impondo ao último aluno, ou aos ocupantes da fileira derradeira, ter como visão primordial a nuca dos seus colegas à frente.

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Crianças de tenra idade ainda se submetem a esse regime antiquado e contraproducente. Os jovens não o suportam. Por isso é que há uma crescente evasão no Ensino Médio. Basta frequentar as imediações das escolas no período letivo: algumas classes estão ociosas, mas os barzinhos das imediações e as vias públicas que os abrigam estão repletas.

A educação tem de ser outra coisa. Menos submissa à volúpia das avaliações bimestrais, que só apuram uma verdade: pouco se aprende. O desinteresse do alunado é o atestado de que o ensino parou o tempo e que os educandos detestam a escola ultrapassada. Haja vista o episódio da Escola estadual Raul Brasil. Pode-se apostar será o último em nosso País?

É o momento de uma profunda reforma estrutural. Recrutando os responsáveis pelas experiências bem sucedidas. Há muita gente lúcida nas carcomidas instâncias da escola oficial. Elas é que têm de ser ouvidas, não os que só enxergam a educação como um trunfo a mais para eleições ou para o flagelo maior das reeleições.

Por isso é que eu não mandaria meu filho de volta à escola, depois da pandemia. Só que não tenho mais filhos em idade escolar. Só netos. E netos são obrigação primeira e praticamente absoluta de seus pais.

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*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e foi Secretário da Educação do Estado de São Paulo entre 2016 e 2018. 

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