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'Não há mais espaço para política, negacionismo; é hora de trancar', avisa Sarrubbo ante escalada histórica da pandemia

Procurador-geral de Justiça de São Paulo endurece ação do Ministério Público do Estado na guerra contra a Covid-19, alerta que vai à Justiça se recomendação ao governo por isolamento rígido de igrejas e até do futebol não for acatada e faz um apelo: 'a pandemia pode durar dois, três anos. Aí sim teremos a destruição total do nosso sistema econômico'

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Por Pepita Ortega e Fausto Macedo
Atualização:

Mário Luiz Sarrubbo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em meio a recordes de internação por covid-19 em São Paulo e com o todo Estado na fase mais rígida de restrições por conta do novo coronavírus, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, considera que é 'não há mais espaço para política e negacionismo', alertando que só um 'isolamento social dos mais rígidos' será suficiente em meio recrudescimento da pandemia.

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"É hora de trancar e finalmente a população entender que ou nós resolvemos essa questão do vírus de uma vez por todas ou vamos ficar reféns disso por mais 3, 4 anos. Se nós ficarmos abertos, se a população insistir em não obedecer as regras, se houver flexibilizações aqui acolá sem o necessário respaldo científico, sem que haja segurança pra isso, não vamos vencer essa pandemia nunca", afirmou o chefe do Ministério Público paulista em entrevista em Estadão.

Considerando o aumento do número diário de pessoas infectadas, de internações e de mortes em São Paulo, Sarrubbo recomendou ao governador João Doria nesta terça, 9, a suspensão da realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo e de eventos esportivos de qualquer espécie, inclusive partidas de futebol, durante a fase vermelha do Plano São Paulo'. Nota divulgada pelo MP-SP classificou a medida como 'imprescindível'.

Ao Estadão, o PGJ ressaltou que vive-se o pior momento da pandemia e nesse contexto e que 'é necessário estancar a circulação do vírus sob pena de entrarmos numa situação de colapso ainda maior'. Confira a seguir os principais pontos da entrevista com Mário Sarrubbo:

Estadão: Como se deu a discussão sobre a suspensão das atividades religiosas e das partidas de futebol nesta segunda? A medida não deveria ter sido tomada antes?

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Mário Sarrubbo: No nosso comitê de crise temos um sistema de monitoramento da ocupação de leitos e vagas de UTI do Estado e percebemos nas últimas duas semanas e meia um aumento significativo nesse número, o que nos colocou em estado de alerta. Conversando com o comitê, que é composto também por médicos, chegamos à conclusão que vivemos o momento mais difícil da pandemia. Na outra semana, contatamos o governo do Estado, fizemos reuniões na secretaria, com alguns membros do comitê gestor do governo, e eles prontamente anunciaram que estávamos caminhando para a fase vermelha em todo Estado, o que nos deixou satisfeito, porque era isso que nós iriamos pedir. Mas no final da semana, com esses índices subindo - e a gente imagina que ainda temos 10 dias subindo esses números de forma ininterrupta - começamos a trabalhar vendo aonde conseguíamos estancar. Ai veio a decisão do governo do sentido de considerar a atividade religiosa como essencial. Nós sabemos das dificuldades, inclusive jurídicas, desse aspecto porque é um decreto federal, mas entendemos que o governo do Estado pode impor restrições maiores que a União, assim como município pode impor restrições maiores que o Estado. Ouvimos nosso corpo de médicos, eles acharam que a medida era urgente, pertinente. Comentamos também sobre o futebol e então chegamos à conclusão que, dado ao momento de excepcionalidade, de pico que enfrentamos, era necessária essa recomendação.

Estadão: Foi uma surpresa pro MP a decisão do governo de considerar as atividades religiosas como essenciais?

Mário Sarrubbo: Não foi uma surpresa, porque a gente já têm visto esses movimentos em todo Brasil e notadamente no governo federal. Não desconhecemos a importância da religião e mais do que isso, da assistência que as igrejas e templos têm dado a população nesse momento difícil, mas insisto: a questão é o momento excepcional que vivemos, um momento jamais visto na pandemia. Não se trata de estarmos com 60, 70% de ocupação de leitos, estamos batendo 90% e alguns locais já acima de 100%. Já há notícia de gente morrendo à espera de socorro nos hospitais. Então, é hora de trancar e de finalmente a população entender que ou nós resolvemos essa questão do vírus de uma vez por todas ou vamos ficar reféns disso por mais 3, 4 anos. Se nós ficarmos abertos, se a população insistir em não obedecer as regras, se houver flexibilizações aqui acolá sem o necessário respaldo científico, sem que haja segurança pra isso, não vamos vencer essa pandemia nunca. A vacinação está num nível, infelizmente pela falta de vacinas, muito lento e quanto mais o vírus circula mais existe a possibilidade de mutações. Ficamos felizes de ver que a Coronavac e a vacina de Oxford enfrentam bem a mutação, mas amanhã, se nós permitirmos que o vírus continue circulando nesse nível, pode surgir uma variante que não seja combatida pela vacina. É hora de nos conscientizarmos de que não há mais espaço para política, negacionismo. Há um critério que o mundo todo reconhece, que é lei em termos de enfrentamento à pandemia, que é vacinação, uso de máscaras e isolamento social. É isso que precisamos fazer agora: notadamente um isolamento social dos mais rígidos, que seja suficiente para estancar esse aumento da contaminação das internações, para que a gente possa voltar a respirar. Que a população tenha consciência da importância do momento que estamos vivendo e que tome muito cuidado porque realmente não gostaria de ser um procurador-geral de um estado, de viver num pais em que a gente tenha que escolher quem vai viver quem vai morrer. Que a população saiba que vivemos o momento mais difícil da pandemia , e que é necessário o isolamento social sim, é um momento de muita responsabilidade, empatia, fraternidade e respeito com o próximo.

Estadão: Qual a força de uma recomendação? Se o Governo demorar ou não acolher a recomendação o que o MP vai fazer?

Mário Sarrubbo: A recomendação é uma manifestação ao governador do que o Ministério Público pensa e espera do governador. A nossa expectativa é a de que a recomendação seja acolhida. De todo modo, isso deixa claro qual a posição do MP. Obviamente, caso não haja acolhimento, poderemos acionar o Judiciário para ver satisfeita a pretensão que não é do MPG, nem do procurador-geral, mas de um coletivo de colegas, médicos que nos assessoram, e portanto é uma pedido da sociedade que quer se ver livre da pandemia. A sociedade clama por medidas mais rígidas. É claro que é um sacrifício pra todos, não desconhecemos os prejuízos na educação, no comércio, na indústria. O prejuízo pra economia é evidente, não temos como fugir disso, mas ou resolvemos isso de uma vez ou vamos ficar 2, 3 anos nesse vai e vem. A pandemia não dura 6, 7 meses, historicamente se você pesquisar ela pode durar 2, 3 anos e ai sim teremos a destruição total do nosso sistema econômico. Então é melhor que nesse momento agente imponha uma restrição mais rígida, para salvar vidas, pra não ter pessoas à espera de uma vaga no hospital, e com o controle, a vacinação - que a gente espera que vá chegando aos poucos mais vacinas e que a gente possa ir vacinando uma faixa maior da população - , a tendência é de fato um alívio nesse contexto. Ai sim a gente pode sem dúvida alguma avançar. Esse é o caminho e o papel do MP enquanto defensor da saúde enquanto direito social.

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Estadão: Ao discutir a medida, o Ministério Público levou em consideração as aglomerações, como ocorreu na decisão da Copa do Brasil?

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Mário Sarrubbo: Os protocolos adotados pela Federação Paulista e pela Confederação Brasileira de Futebol são elogiáveis, não temos nenhum reparo a fazer nos protocolos adotados. Acho que a grande questão é o momento atual, que é de muito risco. É necessários se estancar a circulação do vírus sob pena de entrarmos numa situação de colapso ainda maior. Então qualquer atividade que não seja essencial tem que ser estancada. O futebol querendo ou não tem uma movimentação indireta envolvida - desde a imprensa, desde os funcionários dos clubes, sem contar os jogadores. Mas ai dizem: 'os jogadores estão sob controle'. Estão, mas há uma possibilidade maior de contaminação. A gente vê que a containação passa pelos clubes. Insisto, é o momento. Não é paralisar por seis, sete meses, um ano. Acho que é o momento. Esperamos que esse momento seja curto, 15, 30 dias no máximo, e ai retornamos, obedecendo os protocolos que são bons, que são rígidos. Mas creio que nesse momento essa seja a medida mais adequada pra saúde e segurança da população.

Estadão: Um ano depois do início da pandemia e com o novo aumento de casos de covid-19, quais são as outras medidas que o Ministério Público está tomando, com o auxílio do gabinete de crise da covid-19? Como elas evoluíram?

Mário Sarrubbo: Desde abril e da instalação do gabinete de crise, a procuradoria-geral ajuizou mais de 70 ações diretas de inconstitucionalidade pra ajustar municípios ao plano São Paulo. O gabinete de crise expediu mais de uma centena de recomendações, ajuizou ações e medidas cautelares, como recomendações relacionadas a moradores de rua, impedimento de reintegrações de posse, além de outras no campo da saúde, educação, do meio ambiente, da habitação, dos transportes. Estivemos envolvidos em inúmeras reuniões com técnicos, especialistas. Temos procurado extrair uma posição nessa questão da educação, que é controvertida. Sabemos a necessidade das crianças estarem nas escolas, mas ao mesmo tempo sabemos que não deixa de ser uma atividade de risco. Temos uma atividade muito intensa e temos conseguido uma unidade de atuação muito grande no MP.

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