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'Não há indícios de problema generalizado na carne brasileira'

Juiz da Carne Fraca, que é gaúcho, diz que foco das investigações é a corrupção de agentes do Ministério da Agricultura

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Por Ricardo Brandt e e Julia Affonso
Atualização:

Juiz Marcos Josegrei. Foto: Geraldo Bubniak/Estadão

No dia 17 de março, o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, de 45 anos, acordou mais cedo. Gaúcho de Porto Alegre, chegou às 9 horas ao trabalho, no aprazível bairro do Ahu, em Curitiba, na sede da Justiça Federal. Era sexta-feira e a Operação Carne Fraca estava nas ruas. Desde as 6 horas, um exército de 1.100 policiais cumpria 186 mandatos de buscas e apreensões e 38 de prisões, em sete estados do Brasil.

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A ordem era de Josegrei - um carnívoro devoto - e determinava que fossem presos fiscais do Ministério da Agricultura, empresários e executivos do setor de carnes e processados, entre eles representantes das gigantes BRF e JBS. Todos suspeitos de manterem um esquema de corrupção e fraudes em fiscalizações dos alimentos produzidos no Paraná, Goiás e Minas Gerais.

Menos conhecido que seu vizinho de andar, o juiz federal Sérgio Moro - da 13ª Vara Federal, onde estão os processos em primeira instância da Lava Jato -, Josegrei ainda não vislumbrava naquela manhã os reflexos negativos que a operação provocaria.

Uma hora depois de chegar, no gabinete, a Polícia Federal concedeu entrevista à imprensa, na sede da Superintendência do Paraná, para apresentar os primeiros resultados da Carne Fraca - a maior operação já deflagrada pela corporação, em volume de pessoas envolvidas.

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Marcos Josegrei da Silva. Foto: Geraldo Bubniak/Estadão

As falas do delegado Maurício Moscardi Grillo, de que a corrupção sob investigação teria como agravante os riscos à saúde, com episódios de uso de papelão nas linhas de produção, produtos supostamente cancerígenos, se usados em excesso, e carnes apodrecidas, espocaram pelo mundo e colocaram em alerta importadores da carne brasileira, que viram riscos à qualidade do produto.

Em pouco mais de uma hora de entrevista, a investigação de um esquema de corrupção e fraudes, que tem como alvo 33 funcionários federais do Ministério da Agricultura, a maioria do Paraná, e 21 empresas de carnes e processados acabou transformada em um caso de saúde pública nacional e de crise comercial internacional.

"Acho que agora está mais claro que o objetivo da investigação era apurar corrupção", afirmou Josegrei. "Eu compreendo a repercussão ter sido grande, por essa corrupção ter como objeto a fiscalização de alimentos."

Josegrei recebeu o Estado para falar da controversa Operação Carne Fraca, na quinta-feira, 30. Notívago, ele preferiu falar no começo da noite, em seu gabinete, quando a maior parte dos funcionários da Justiça Federal já encerrou o dia de trabalho e as luzes do prédio começam, automaticamente, a apagar. "Metade às 19h15 e todo resto às 19h30", explica o juiz.

"É claro que nunca pensei, nem o delegado, que (os frigoríficos investigados) estavam triturando papelão na carne. A situação é diferente da que foi atacada. Esse ponto nem consta no despacho das buscas e prisões", explica o magistrado, sobre uma das polêmicas suscitadas na entrevista coletiva da PF.

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Josegrei afirma que não deixou de comer carne e garante: "até agora não há indícios concretos de que haja um problema generalizado com a carne brasileira".

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Em 356 páginas do despacho que deflagrou a fase ostensiva da Carne Fraca - escrito em 40 dias, de pouco sono e muitas horas em frente ao computador -, Josegrei afirma que os elementos reunidos pela polícia em 2 anos de investigações constituem vasto "material indiciário" de crimes.

"Para os indícios que foram coletados nesses dois anos de investigação, as medidas decretadas, eu entendo que eram as adequadas para permitir o avanço das investigações. Não tenho nenhum reparo a fazer à operação."

Não é a primeira operação de repercussão nacional deflagrada por Josegrei. Titular da 14ª Vara Federal, de Curitiba, desde 2012, foi ele que mandou prender um grupo de supostos terroristas, em 2016, alvos da Operação Hasthag, e também supostos desviadores de R$ 7 milhões de recursos de bolsas de estudo, na Universidade Federal do Paraná, em 2017, a Operação Research.

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Marcos Josegrei da Silva. Foto: Geraldo Bubniak/Estadão

LEIA A ENTREVISTA

Estado: Diante das críticas e dos reflexos negativos gerados pela Operação Carne Fraca, o senhor faria algo diferente, ou apontaria algo reparável ?

Marcos Josegrei da Silva: Para os indícios que foram coletados nesses dois anos de investigação, as medidas decretadas, eu entendo que eram as adequadas para permitir o avanço das investigações. Não tenho nenhum reparo a fazer.

Estado: A Polícia Federal errou na forma como foi apresentada a operação, no dia em que foi deflagrada?

Josegrei: Não posso afirmar que houve erro da Polícia Federal, mesmo porque não acompanhei a íntegra da entrevista coletiva à imprensa.

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Percebi que a repercussão, em um primeiro momento, teve como ponto central a questão da qualidade dos alimentos de origem animal e as possíveis implicações da falta de observância dos padrões sanitários pelos frigoríficos. O fato é que o tema da corrupção está cada vez mais presente no debate nacional. Quando tem a possibilidade de repercutir diretamente no alimento e, por consequência, na saúde das pessoas, o apelo é maior ainda.

Deduzo que a intenção da PF era a de informar ao público sobre aquele trabalho policial. Mas o tema era evidentemente sensível e acabou gerando toda essa repercussão intensa.

Estado: Houve demora demora da Polícia Federal para deflagrar a Operação Carne Fraca?

Josegrei: A operação policial foi o tempo todo acompanhada pelo Ministério Público Federal e pelo juízo. Era necessário coletar indícios suficientes para justificar a concessão pela Justiça de medidas mais contundentes como aquelas cumpridas no último dia 17. Isso leva tempo. Não há, até agora, indícios de que, no período de investigação, a saúde dos consumidores tenha sido posta em risco em virtude do tempo decorrido do seu início desde a deflagração.

Estado: Os elementos contidos no inquérito indicam que os investigados corrompiam agentes públicos para burlar normas estritamente burocráticas ou também questões sanitárias?

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Josegrei: Os indícios de irregularidades, quando da decisão pelas medidas cautelares cumpridas no dia 17 de março, vão da extorsão, em si mesma, passando pela corrupção, concussão e lavagem de dinheiro. Em troca, se ofereciam facilidades, consistentes na não observância de regras aplicáveis às condutas esperadas da fiscalização. Mas, também, algumas vezes se ofereciam os serviços que já deveriam ser realizados normalmente pela fiscalização e não ocorriam como deveriam. A gama de 'facilidades' é grande. Como a investigação ainda está em andamento, entendo conveniente se aguardar um pouco mais para se ter um panorama mais preciso de tudo que esses apontados atos de desvio administrativo e criminal podem ter gerado.

Estado: Com base nos elementos levantados pela Polícia Federal, analisados pelo senhor, é possível dizer que há um problema generalizado com a carne brasileira?

Josegrei: Toda investigação é focada em um objetivo específico. E neste caso, o objetivo não era o de investigar toda a cadeia produtiva da carne no País, mas um grupo de pessoas que não estava cumprindo com suas obrigações legais e, com isso, estaria cometendo crimes como corrupção, peculato, extorsão e lavagem de dinheiro.

Pelo que tive contato com a investigação, que está em andamento e é conduzida pela Polícia Federal, até agora não há indícios concretos de que haja um problema generalizado com a carne brasileira.

Nosso maior problema parece, no fundo, ser a corrupção e outros crimes que a eles estão associados.

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Estadão: Segundo a PF, há suspeita de que os funcionários tenham atuado para descumprir normas ou acelerar certificados. Qual a gravidade dessa conduta?

Josegrei: A corrupção é grave por si mesma. Sempre traz consigo a inobservância de alguma regra legal. Não precisa de outras consequências que não o desvio da moralidade administrativa. Destrói as instituições por dentro e necessita esforço de toda a sociedade para que seja cada vez menos aceita em nossa sociedade.

Agentes públicos e integrantes da iniciativa privada devem estar associados para atuar de forma a preservar a legalidade e ética empresarial e concorrencial. Jamais o contrário.

No caso (da Carne Fraca), a gravidade das ações somente poderão ser verificadas ao final da investigação, ocasião em que o Ministério Público Federal se posicionará sobre o conjunto de fatos apurados em sua totalidade.

Estado: A corrupção de frigoríficos e fiscais investigados na Carne Fraca coloca em dúvida a produção desses 21 frigoríficos?

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Josegrei: A questão está sendo objeto de apuração atualmente no âmbito do Ministério da Agricultura. Não tenho condições de responder neste momento.

Estado: Os indícios apontam que o esquema de corrupção descoberto no Paraná pode ter se repetido em outros estados?

Josegrei: Os elementos que tenho dão conta de que os fatos estariam ocorrendo no Paraná e, em menor escala, em Goiás e Minas Gerais, mesmo porque nesses dois estados a investigação durou menos tempo do que no Paraná.

Estado: O senhor foi pressionado de alguma forma, alguém te ligou depois da operação?

Josegrei: Não, nunca, tem 17 anos que estou aqui como juiz, nunca ninguém do Executivo, do Legislativo ou da cúpula do Judiciário me ligoupara sugerir algo que eu devesse ou não fazer em algum processo.

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Estado: O senhor deixou de comer carne?

Josegrei: Não...

Estado: O senhor comeu carne essa semana?

Josegrei: Comi, comi. Várias vezes.

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