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Municípios encaminham vitória no STF: licenciamento de software está sujeito ao ISS

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Por Antônio Moreno e Barbara Baiôco de Magalhães
Atualização:
Antônio Moreno e Barbara Baiôco de Magalhães. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pauta tributária do momento é a questão que envolve a incidência de ICMS ou ISS sobre o uso de softwares. O jogo continua na próxima quarta-feira (dia 11/11/2020), mas o placar parcial já garantiu a maioria necessária no STF para a decisão das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.659/MG e 1.945/MT, duas das cinco sobre o tema cujo julgamento está pendente no STF. A decisão promete encerrar parte de uma longa controvérsia sobre o assunto.

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A questão foi tema de diversas ações judiciais nas últimas três décadas, sempre com facetas diferentes, mas tentando responder à mesma pergunta: licenciamento ou cessão de direito de uso de software deve ser tributado pelo ISS ou pelo ICMS? Ou, quem sabe, por nenhum dos dois impostos?

A ala que defende a não tributação até conquistou o voto favorável do ministro Marco Aurélio, mas fato é que ela perdeu força quando a jurisprudência alargou o conceito de serviço para fins de ISS, englobando operações envolvendo direitos, como para as atividades de franquia.

Restou o embate entre municípios e estados de quem ficaria com essa imensa base tributável. Sim, o conflito deveria ser exclusivamente entre municípios e estados, já que divergem sobre a quem a Constituição Federal deu a bênção para tributar estas atividades. O contribuinte foi tragado para dentro da discussão já que, em meio a essa insegurança jurídica, passou a se decidir para quem pagará o tributo e, por consequência, de quem sofrerá o assédio fiscalizatório. Coisas que a razão não explica, mas o contribuinte atura.

Como dito, o atual conceito de serviço superou o requisito da configuração de um fazer humano, que, em regra, é inexistente no mero licenciamento de software. Ainda assim, fato é que o licenciamento moderno vem quase sempre acompanhado de outros serviços secundários, como suporte, atendimento, processamento de dados e atualização de versões. Ponto para os municípios.

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Na mesma linha, para qualificarmos um serviço como tributável pelo ISS, parece ser exigidos somente dois requisitos, plenamente atendidos pelos softwares: previsão na lista da Lei Complementar 116/03 e configuração de prestar intangível que não adentre a materialidade de outros tributos.

A batalha sempre foi mais inglória para os estados. Superar a falta de suporte físico é até razoável, embora tenhamos em mente que se trata de uma modalidade comercial que abandonou o CD-ROM faz um bom tempo, depois passou pelos downloads e hoje é provido em nuvem via Software as a Service (SaaS). Nessa visão, mercadoria digital também seria uma forma de mercadoria tributável pelo ICMS. Ainda assim, sempre restou insuperável o fato de que no licenciamento e na cessão de direito de uso não é transferida a propriedade e nem é dado ao adquirente os direitos a ela inerentes.

Muito se discutiu ainda sobre a possibilidade de tributar a customização do software pelo ISS e a comercialização em formato padrão pelo ICMS. Alguns votos seguiram essa linha. Contudo, prevaleceu o ISS sobre tudo. Nos parece que acertadamente já que, ao final do dia, esta divisão conceitual não resolve o tratamento de versões mais modernas de softwares, além de pouco ajudar com o argumento da não transferência da propriedade, essencial para incidir o ICMS.

Por outro lado, é de grande relevância o fundamento da decisão que confirma a qualidade inata da Lei Complementar para limitar a tributação e dirimir conflitos entre entes tributantes, ressaltando que o legislador estabeleceu na lista da Lei Complementar que o licenciamento de software é tributável pelo ISS, lançando mão da prerrogativa de "dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios", conforme assegura o art. 146, I, da Constituição Federal.

Em um momento em que a economia está cada vez mais digital, ter somente o Congresso Nacional responsável por dispor sobre questões tributárias controversas, dá alguma margem de proteção ao contribuinte para que não esteja sujeito às dinâmicas de momento dos legislativos -- ou até mesmo dos executivos -- estaduais e municipais. Esse conteúdo decisório é mais uma carta na manga do contribuinte que certamente será útil em outras frentes.

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Apesar de relevante, a decisão não esgota o assunto e ainda restam dúvidas para os contribuintes, especialmente quanto à potencial modulação de efeitos. Além disso, o STF não bateu o martelo sobre todas as modalidades de operações envolvendo software, deixando clara abertura para novas discussões quando do julgamento das próximas ações ainda pendentes. Ainda assim, o entendimento que está prevalecendo nos pareceu o mais equilibrado.

Finalmente, vale destacar que o crescimento da digitalização das operações econômicas é proporcionalmente relacionado à redução da base de operações embarcadas pelo ICMS, o que deixa ainda clara a urgência de uma reforma tributária que enderece de maneira consistente e competente as mudanças pelas quais a economia mundial está passando.

*Antônio Moreno e Barbara Baiôco de Magalhães, advogados tributaristas do ASBZ Advogados

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