O ataque a direitos da população LGBTQI+ materializado no PL 504/2020 - que pretender proibir a representatividade dessas pessoas na publicidade, associando-as a "práticas danosas" e a "influência inadequada" para crianças - não é um caso isolado. Desde o início deste mandato legislativo, em 2019, já foram propostos, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), outros sete projetos de lei ou substitutivos que visam a retirada de direitos de LGBTs.
Em sua maioria, essas proposituras utilizam expressões como "ideologia de gênero", um conceito pejorativo usado pelo campo ultraconservador contra os avanços nos direitos sexuais e reprodutivos e na igualdade de gênero, em especial da população LGBTQI+. "Defensores da moral", os autores costumam se referir à "ideologia de gênero" como ameaça à sociedade e usam o conceito de "família" para impor uma agenda política.
Venho cotidianamente denunciando e trabalhando para contrapor esses projetos e o pensamento retrógrado e desumano que representam. Vejo uma jornada de perseguição em relação às pessoas LGBT não apenas no Brasil, mas em âmbito global. Essa perseguição não é nova, mas resultado de um processo histórico que diz respeito a grupos reacionários que estão encontrando voz e ação institucional, por meio de governantes com o mesmo discurso reacionário, LGBTfóbico e de perseguição a determinados grupos. A ação desses grupos caminha lado a lado à do poder centralizado no governo federal, como parte de um projeto conjunto de perseguição e discriminação. Olham para pessoas LGBTs e associam coisas ruins e negativas.
Além do PL 504/2020, desde 2019 foram propostos diversos outros projetos que atentam contra a população LGBT. O partido "campeão" com propostas consideradas lgbtfóbicas é o Republicanos, que foi o responsável por apresentar três dos oito projetos que contabilizamos.
O PL 346/2019, de Altair Moraes (Republicanos), repercutiu nacionalmente por propor o sexo biológico como único critério para definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no estado de São Paulo. Também de autoria de Moraes, o PL 31 / 2021 quer estabelecer medidas que "protejam" crianças e os adolescentes da "ideologia de gênero" na aquisição de livros e artigos literários no estado.
Outros dois projetos dos deputados Tenente Coimbra (PSL) e Tenente Nascimento (PSL), o PL 703 / 2020 e o PL 10 / 2021, respectivamente, querem proibir o uso da linguagem neutra por instituições de ensino da rede pública e privada. Além destes, o PL 432/2020, de autoria do deputado Douglas Garcia (PTB), proíbe a terapia hormonal e a cirurgia de redesignação sexual, respectivamente, a menores de 18 e 21 anos.
A mais recente proposta do Legislativo paulista acerca dos direitos de pessoas LGBTs é um substitutivo ao PL 91/2021, de minha autoria. Neste PL, proponho que pessoas transgêneras em privação de liberdade deverão cumprir suas penas em presídios de acordo com o gênero com o qual se identificam. O substitutivo proposto pelo deputado Gil Diniz (sem partido) vai na contramão da minha proposta, tratando pessoas LGBTs como pessoas com disforia de gênero e determinando que recebam o mesmo tratamento dos demais.
O caminho para se combater projetos que visam a retirada de direitos de pessoas da comunidade LGBT é a formação de uma sociedade civil que se organize e se posicione contra os retrocessos. Eu digo e sempre repito: a diversidade é a regra absoluta.
É preciso entender que o poder político institucional não é determinante, mas existe para mediar as relações entre os anseios da sociedade. A sociedade civil deve se organizar de forma contundente em relação aos princípios que não podemos abrir mão, como a igualdade e os direitos fundamentais das pessoas. Esse é o caminho para combater esses projetos LGBTfóbicos e as tentativas de institucionalização da violência.
*Erica Malunguinho é pernambucana, artista e educadora. Mestra em Estética e História da Arte, tornou-se a primeira deputada estadual trans eleita no Brasil, em 2018.