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Muito além da vacina

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Por Suhayla Khalil
Atualização:
Suhayla Khalil. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A paradiplomacia dos Estados federados brasileiros definitivamente entrou em uma nova fase. Se, historicamente, o olhar dos acadêmicos se voltou predominantemente para a atuação internacional das cidades, por conta de arranjos como o Mercocidades e o C40, entre outros, agora é tempo de uma análise mais detida das atividades externas dos Estados da nossa Federação.

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Em meio às idas e vindas das relações do governo federal brasileiro com a China, chamou a atenção esta semana o anúncio da gestão Doria de uma parceria com o laboratório chinês Sinovac para produção da vacina contra o coronavírus. Os testes já estariam na terceira fase e, segundo fontes do governo, com grandes chances de sucesso. Se tudo der certo, a vacina será produzida em larga escala ainda no primeiro semestre de 2021.

As relações entre São Paulo e China não são, de fato, uma novidade. Nos últimos 20 anos, o Estado vem se aproximando do gigante asiático. O primeiro acordo assinado remete a 2007. No entanto, essa aproximação foi lenta e gradual durante um longo período. Eventualmente tímida. Muitas vezes sombreada pelo principal parceiro internacional histórico paulista: os Estados Unidos. Ganharam maior centralidade no último ano, com a abertura do escritório da Investe SP em Xangai.

Muita coisa mudou desde o início dessa aproximação, no mundo e no Brasil. De 2000 a 2018, o PIB chinês saltou de US$ 1,2 trilhão para US$ 13,6 trilhões, segundo dados mais recentes do Banco Mundial. Se no ano 2000 o PIB chinês equivalia a um pouco mais de 10% do PIB norte-americano, em 2018 esse percentual chegou a 66%. Analistas já advertem que a economia chinesa deve ultrapassar a dos EUA ainda na próxima década. O próprio Banco Mundial já prevê crescimento de 6,9% para a economia chinesa no próximo ano, mesmo com a pandemia. No que se refere ao Brasil, a China se tornou o nosso principal parceiro comercial há mais de 10 anos, além de ser um importante investidor no país.

No contexto de Nova Guerra Fria que vem se firmando, ignorar ou se desentender com a China pode constituir um erro muito custoso. As oscilações de Brasília fizeram o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, mudar o tom do relacionamento bilateral. Ao mesmo tempo, os interesses dos Estados federados nunca estiveram tão evidentemente excluídos da formulação da política externa, criando um gap institucional de participação do poder local na formulação da inserção internacional brasileira, principalmente nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro, Estados com os quais o governo federal tem nutrido notórias desavenças. Está aí um cenário perfeito para o protagonismo internacional dos Estados.

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Se antes, como apontam os estudos sobre paradiplomacia de cidades e Estados brasileiros, predominava uma atuação técnica, muito focada nas políticas públicas locais, vista diversas vezes como complementar ao trabalho do Itamaraty, hoje o confronto é uma realidade. Se de um lado Brasília opta por ficar de fora de ação global para acelerar vacina e apoiar a Organização Mundial da Saúde, do outro a gestão Doria corre por fora e assina seus próprios acordos para a obtenção da vacina. Um observador atento dos discursos políticos saberá que por detrás da questão sanitária, há muito mais. O palanque das eleições presidenciais de 2022 já está armado e a inserção internacional pode ser um importante cabo eleitoral.

*Suhayla Khalil é especialista em Relações Internacionais. Professora da pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e pesquisadora colaboradora do Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

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