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Mudanças em regras societárias geram maior segurança jurídica

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Por Márcia Setti e Fernanda Ferrari
Atualização:
Márcia Setti e Fernanda Ferrari. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Recentes inovações na legislação societária buscam agilizar e desburocratizar a constituição e manutenção de empresas no Brasil, e, ainda, oferecer maior segurança jurídica àqueles que pretendam empreender. Trata-se de leis e de Medidas Provisórias, instrumentos editados pelo presidente da República, com força de lei, produzindo efeitos imediatos, com prazo de vigência de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, sujeitas à aprovação do Congresso Nacional para sua transformação em lei, o que pode ou não ocorrer.

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Nessa seara, a Medida Provisória 876, de 13/3/19, estabeleceu prazos para arquivamento de atos constitutivos, colocando limites à indeterminação anterior.

A Lei 13.818, de 24/4/19, alterou a Lei das S.A. no que concerne a publicações obrigatórias para a companhia fechada com menos de 20 acionistas, desobrigando aquelas com patrimônio líquido de até R$ 10 milhões, valor bem mais expressivo do que o antigo de R$ 1 milhão. Isso é bastante relevante por dois motivos em especial que criam resistência à constituição de sociedades por ações: elevado custo de publicações e divulgação a terceiros dos números da empresa.

A recém-anunciada MP 881, de 30/4/19, apelidada de MP da Liberdade Econômica, traz inúmeras boas novidades, incluindo alterações no âmbito societário. Ela estimula o empreendedorismo, permitindo a abertura e o funcionamento de empresas com atividades de baixo risco, sem a necessidade de qualquer tipo de licença e alvará, independentemente do tamanho da empresa. Ou seja, a atividade considerada de baixo risco é livre na sua instituição, ficando sujeita à fiscalização posterior (muito embora ainda deva haver regulamentação e definição de atividades de baixo risco).

A MP 881 também estabelece que nas contratações privadas livremente pactuadas a intervenção judicial será excepcional. Essa providência ampara o empreendedor, gerador de empregos, outorgando-lhe segurança jurídica para o que se houver acordado. A MP da Liberdade Econômica reduz as exigências para pequenas e médias empresas abrirem capital na Bolsa. Mas a cereja do bolo parece ser a nova redação ao art. 50 do Código Civil, que trata da desconsideração da personalidade jurídica.

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Até o seu advento, o art. 50 previa que "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica". Tal redação gerava amplitude tamanha que avançava no patrimônio daqueles que sequer haviam participado do ato.

Somado ao conceito de grupo econômico, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, que considera que se duas ou mais empresas estiverem sob a mesma direção, controle ou administração, ainda que cada uma guarde personalidade jurídica própria, respondem solidariamente uma pelas dívidas de outra, especialmente aquelas de natureza trabalhista, os bloqueios judiciais passaram a ocorrer de forma imoderada. Passou-se a bloquear contas de todos e quaisquer sócios e administradores.

A nova redação dada pela MP 881 estabelece que o juiz, quando requerido, pode desconsiderar a personalidade jurídica para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso, e não mais indistintamente.

Em seu §1.º caracteriza desvio de finalidade como a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. No §2.º conceitua confusão patrimonial como a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa, transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, ou outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

A grandiosa inovação surge com a inclusão do § 4.º, que determina que "a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica". Esse é um divisor de águas, pois, ainda que a reforma trabalhista tenha previsto que para o reconhecimento de grupo econômico não mais bastava a identidade dos sócios e a relação entre as empresas, passando a exigir a comprovação de ingerência de uma empresa sobre as demais, a demonstração do interesse integrado, a efetiva atuação conjunta das empresas a ele pertencentes, a MP exige que se comprove o benefício direto ou indireto oriundo do abuso de personalidade.

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O dispositivo agrega confiança jurídica, o que incentiva o emprego formal, fomenta o investimento privado, fortalecendo o crescimento econômico.

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Inclusão expressiva é verificada na Lei 11.101, de 9/2/05, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência de empresário e sociedade empresária, com o art. 82-A, ao estabelecer que a extensão dos efeitos da falência somente será admitida quando estiverem presentes os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica de que trata o art. 50 do Código Civil, nos termos acima.

Outra introdução notável da MP 881 é a possibilidade de a sociedade limitada ser constituída por uma só pessoa (não deveria ser denominada sociedade, mas empresa limitada). Isso é diferente da EIRELI, empresa individual de responsabilidade limitada, que, perde a razão de ser, caso a MP venha a ser transformada em lei. A EIRELI foi um passo importante a permitir empresa de um sócio somente e a limitar a responsabilidade dele no exercício da atividade empresarial, vis a vis o empresário individual ou o Microempreendedor Individual (MEI), pois a EIRELI permite a separação do patrimônio pessoal do patrimônio da empresa, exigindo, como garantia do negócio, um capital mínimo de 100 vezes o valor do salário mínimo, disponibilizado no ato do registro.

A limitada de um só sócio não faz exigência de capital mínimo e pode ser optante do Simples, regime de recolhimento de impostos de maneira simplificada e unificada. A MP não restringe o número de limitadas das quais uma mesma pessoa possa participar, diferentemente da EIRELI, mas, caso seja transformada em lei, outros dispositivos do Código Civil que se referem à sociedade limitada, e que partem da premissa de haver pelo menos dois sócios, deverão ser alterados, por uma questão de coerência.

Mais novidades surgem com o advento da Lei Complementar 167, de 24/4/19, que dispõe sobre a Empresa Simples de Crédito (ESC), destinada à realização de operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito, exclusivamente com recursos próprios, tendo como contrapartes microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. A ESC deve ser uma EIRELI, um empresário individual ou uma sociedade limitada constituída exclusivamente por pessoas naturais.

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O capital inicial da ESC e os seus posteriores aumentos devem ser realizados integralmente em moeda corrente e o valor total das operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito da ESC não pode ser superior ao capital realizado. E mais ainda: a receita bruta anual da ESC não pode exceder o limite de receita bruta para Empresa de Pequeno Porte (EPP). A ESC não pode recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional.

Não se aplicam à ESC as limitações à cobrança de juros previstas no Decreto nº 22.626, de 7/4/33 (Lei da Usura), e no art. 591 do Código Civil.

A Lei Complementar (LC) 167 atende ao chamamento da modernidade e cria um regime especial simplificado de rito sumário, em ambiente digital (site oficial do governo federal), para abertura e fechamento de empresas de inovação, de caráter incremental ou disruptivo, bem como startups, denominado Inova Simples, com comunicação direta com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para fins de registro de marcas e patentes do conteúdo inventivo. O próprio texto da LC diz que o objetivo é estimular a criação, formalização, desenvolvimento e consolidação dessas empresas como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda.

Em suma, várias são as inovações, todas elas visando contribuir com o crescimento econômico, na proporcional garantia de segurança jurídica e da desburocratização de procedimentos.

*Márcia Setti e Fernanda Ferrari, sócias de PLKC Advogados

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