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MPF cobra governo por excluir dados de violência policial de relatório sobre direitos humanos

Dados sobre denúncias de violações cometidas por agentes foram omitidos do balanço divulgado pelo Ministério de Damares Alves

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Por Breno Pires/BRASÍLIA
Atualização:

O governo federal excluiu os dados sobre violência policial no relatório anual do Disque 100, serviço telefônico ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para denúncias de violações de direitos humanos.

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O subprocurador-geral da República Domingos Silveira, coordenador da 7ª Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal (MPF), afirmou ao Estadão que a exclusão é 'absolutamente descabida'. Segundo ele, o órgão do MPF irá oficiar ainda hoje a pasta chefiada pela ministra Damares Alves pedindo explicações.

Ministra Damares Alves. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Silveira já foi responsável pela supervisão do Disque 100 em 2011, quando esteve à frente da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, à qual o serviço estava ligado. O coordenador da 7ª Câmara do MPF destacou que os dados de violência policial nunca deixaram de ser divulgados.

"O Disque 100 é certamente o call center de denúncia de direitos humanos no planeta. É uma forma de medir, com dados globais, a sensibilidade da sociedade em relação às violências, incluindo a policial. É absolutamente descabido quando se levantam elementos de ordem formal, consistência (para não divulgar dados). Um papel deórgãos de ouvidoria e de receber denúncia não é de verificar; isso cabe à corregedoria, Polícia, MP e justiça", disse.

O coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial criticou a argumentação do ministério à imprensa de que a retirada dos dados se deu por 'inconsistências'. Segundo Silveira, se o problema fosse metodológico, para corrigir inconsistências, a exclusão temporária dos dados deveria valer para todo o relatório, e não apenas sobre as partes que tratam de violência policial.

Segundo o subprocurador-geral, a violência policial se torna ainda mais grave quando as informações sobre ela são 'obscurecida'". "Quando se tem a notícia através de um canal oficial, que é o Disque 100, e essa notícia é silenciada, nós temos o próprio estado contribuindo para a violência policial. É muito grave essa atitude", disse.

A exclusão dos dados, segundo ele, é ainda mais preocupante em um momento no qual o mundo inteiro debate intensamente o tema da violência policial, na esteira dos protestos contra o racismo iniciados nos Estados Unidos após a morte de George Floyd, homem negro, por um policial branco. "O mais triste é que essa é a resposta aos estado brasileiro em um momento que o mundo está refletindo sobre como atenuar a violência policial, que é uma chaga no mundo inteiro. A resposta do Estado brasileiro foi esconder", disse.

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O relatório anual do Disque 100 vinha mostrando aumentos nas denúncias de violência policial nos últimos anos. Em 2016, houve 1.009 registros. Em 2017, o número aumentou 30%, para 1.319. Os dados em 2018 apontaram nova elevação, de 24%, para 1.637.

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Os dados do Disque 100 são usados para orientar o desenvolvimento de políticas públicas, bem como verificar a eficácia das políticas públicas em andamento. "Ele é um espaço onde se ouve o gemido da dor da população que sofre as diversas violências. Por isso ele tem sido avaliado para comparar a situação de um lugar pra o outro. É um indicador nacional a violência", disse o subprocurador-geral.

As denúncias também motivam apuração de má conduta por policiais no Brasil. Após serem recebidas, elas devem ser enviadas imediatamente para rede de apoio e verificação.

"Cada denúncia deve ser comunicada ao MP e à corregedoria da polícia. Isso faz que os órgãos se movimentam. Não se pode jogar sombra sobre esses dados", disse Domingos Silveira.

Em nota oficial, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública afirmou que, mesmo se houver inconsistência, os números não podem ser descartados porque 'são essenciais na formação de uma base de dados sólida e consistente'.

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O fórum destacou que o presidente Jair Bolsonaro 'insiste de forma reiterada no projeto que amplia ainda mais o excludente de ilicitude no Congresso Nacional'.

"A falta de transparência do Governo Federal e as reiteradas tentativas de alteração de metodologia de dados em diferentes fontes - mortes por Covid-19, números do desemprego, entre outros - colocam em dúvida a veracidade das informações divulgadas pelo executivo nacional", disse o fórum.

COM A PALAVRA, O MINISTÉRIO DA FAMÍLIA, MULHER E DIREITOS HUMANOS

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos reitera que os dados referentes às denúncias de violações de direitos humanos pela espécie de "violência policial" não foram divulgados ainda porque foram identificadas inconsistências.

Há, por exemplo, registros com marcador de suspeito como agente policial, mas com informações na descrição da violação que levam a entender o contrário.

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Assim como há registros não marcados, mas as informações contêm relação com violação supostamente praticada por agente policial. O mesmo ocorreu com relação a outros dados que, historicamente, constam do relatório anual.

Portanto, para que haja fidedignidade dos dados coletados a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, responsável pela administração do canal Disque 100, determinou a realização de novos estudos, que já estão em andamento, para divulgação em prazo máximo de 30 dias.

Para que não houvesse prejuízo na transparência de dos dados referentes aos principais grupos de vítimas de violações (crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, população LGBT, etc), e que já estavam prontos, optou-se por divulgar relatório parcial do Disque 100.

Portanto, esclarecemos que o relatório já divulgado relativo às violações registradas em 2019 é um documento ainda em construção, que será atualizado tão logo os demais dados sejam devidamente auditados e analisados.

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