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MP do consumidor: diminuição do subsídio na conta de luz faz necessária valorização das fontes renováveis

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Por José Marangon , Nathália Nóbrega e Juliana Villas Boas Carvalho de Paiva
Atualização:
José Marangon, Nathália Nóbrega e Juliana Villas Boas Carvalho de Paiva. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No início de setembro, sob justificativa de amenizar impactos na tarifa de energia, o Governo Federal editou a MPV 998/2020, anunciada como "Medida Provisória do Consumidor". Além de suavizar os efeitos causados pela Conta-Covid, criada para socorrer a cadeia de suprimento do setor elétrico via distribuidoras em decorrência da pandemia causada pela Covid-19, o ato promove importantes mudanças no setor elétrico brasileiro. Conforme divulgado pelo Ministério de Minas e Energia, a medida reflete algumas das ações estruturais relacionadas ao projeto de modernização do setor elétrico brasileiro, notadamente a racionalização encargos e subsídios.

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Um dos pontos centrais da MP, nesse contexto, foi o anúncio do fim do desconto nas tarifas de uso dos sistemas de distribuição e transmissão (TUST e TUSD) concedido às fontes renováveis (PCHs, Eólica, Solar, Biomassa e Cogeração Qualificada). De acordo com a legislação em vigor, um percentual de redução não inferior a 50% deve ser concedido nas tarifas de fio pagas por esses empreendimentos.

A proposta apresenta um período de transição e propõe que o encerramento dos descontos aconteça em 31 de agosto de 2021. Os empreendimentos que já são beneficiados pela redução terão seu direito garantido até o fim da outorga vigente. Com isso, a iniciativa busca efetivar o plano de redução estrutural da CDE estabelecido na Lei 13.360/2016, uma vez que os gastos causados pelos descontos vêm crescendo na ordem de R$ 400 milhões a cada exercício.

O incentivo no fio foi estabelecido em 1998 e, inicialmente era restrito às pequenas centrais hidrelétricas. A sua instituição está relacionada à legítima e importante política pública criada no passado para incentivar a então incipiente indústria das fontes renováveis, com objetivo principal de viabilizar a diversificação da matriz de energia brasileira a partir desses empreendimentos ambientalmente mais sustentáveis. Quando foi instituído, a matriz de energia elétrica contava com pouco mais de 4.000MW de PCHs e usinas a biomassa e havia respaldo técnico para tal, como será discutido ao longo do texto. Atualmente as quatro fontes (eólica, solar, biomassa e PCHs) representam mais de 40.000MW.

Diante da notória expansão e inserção dessas fontes na matriz, a retirada dos descontos vem sendo discutida há bastante tempo. A controvérsia por trás do assunto, nesse sentido, não decorre da iniciativa em si, visto que os números demonstram que as renováveis estão, de fato, inseridas na matriz. A reflexão que nos propomos a fazer é sobre a maneira como a medida está sendo operacionalizada. Primeiro, porque a remoção proposta não é transversal e não alcança outras tecnologias de geração de energia que possuem incentivos via CDE. E segundo, porque as fontes renováveis possuem diversos atributos que ainda não são valorados, mas precisam sê-lo nesse processo de racionalização de encargos e subsídios que fundamenta a medida.

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Acerca da adoção da medida apenas em relação a um grupo de agentes, destacamos que a correção verdadeira do ambiente competitivo não pode ser parcial. Retirar o incentivo concedido às renováveis e manter aqueles atribuídos às demais fontes (como antecipação da garantia física de UHEs estruturantes e condições de financiamento privilegiadas) poderá resultar no aumento das distorções do mercado e, consequentemente, em prejuízo à competição, causando os mesmos efeitos deletérios associados aos subsídios cruzados que se pretende corrigir.

Além disso, é imprescindível correlacionar a racionalização de encargos e subsídios com a valorização dos atributos das fontes, conforme lógica estabelecida nas iniciativas de modernização do setor.

Entre as fontes incentivadas, os atributos das usinas hidráulicas até 50MW (1) se destacam. Além de gerar energia limpa e renovável as PCHs: (i) ajudam no deslocamento de ponta, causado principalmente pelo aumento da penetração da geração intermitente (2); (ii) geram diversos benefícios socioeconômicos, comprovados por melhoras em diversos indicadores; e (iii) são a fonte renovável que mais gera receita e empregos no Brasil. Assim, a fonte agrega atributos ambientais, elétricos, energéticos, sociais e econômicos relevantes.

Estudo inédito realizado por uma consultoria independente, produzido pela respeitada consultoria internacional ATKearney, a pedido da ABRAGEL, lança luz sobre um dos mais importantes atributos das PCHs. O estudo revelou que, por estarem localizadas perto do centro de carga, as PCHs também trazem benefícios relevantes aos consumidores, que decorrem da economia em relação às perdas elétricas e à postergação de investimento em linhas de distribuição e transmissão. Utilizando o caso-base de Minas Gerais, o estudo concluiu que a média anual das perdas evitadas é da ordem de 138 milhões de reais, o que corresponde a 45% de retorno do que é despendido com os descontos para as CGHs e PCHs desse Estado. Em relação à postergação de investimentos nas linhas de transmissão, considerando o tempo total de uma outorga (30 anos), a economia é de aproximadamente 22 milhões de reais.

Tal benefício está associado ao fato de as CGHs e PCHs estarem conectadas na rede de distribuição. Ele não é, então, observado quando da implantação de grandes parques de geração, como os de eólica e solar, que exigem construção de novas linhas de transmissão, rateadas entre todos os consumidores.

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Diante desse cenário, se, de um lado, os dados comprovam que a discussão acerca da extinção do desconto no fio é pertinente, de outro, estudos como o recentemente contratado pela ABRAGEL reforçam a necessidade e a importância de discutirmos a valoração econômica dos atributos das fontes, que não se confunde com qualquer espécie de subsídio, tratando-se, então, de uma compensação.

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Ao tratar da valoração dos benefícios ambientais relacionados à baixa emissão de gases causadores do efeito estufa (art. 4º, §1º-E"), a MP 998/2020 tenta iniciar o endereçamento dessas questões, mas ainda de modo insuficiente. Isso porque, a proposta trata apenas dos atributos ambientais, deixando de fora a valoração de outros, como é o caso da proximidade do centro de carga (3).

Além disso, é fundamental pensar uma transição que garanta a redução dos subsídios e a valoração dos atributos das fontes, a fim de se garantir segurança jurídica para os empreendedores que já investiram milhões de reais em projetos considerando a regra em vigor. O prazo proposto pela MPV 998/2020, nesse contexto, se revela absolutamente reduzido. Enquanto a MPV propõe transição de 12 meses a contar de 30 de setembro de 2020, o tempo de desenvolvimento de um projeto de PCH, somado ao tempo de licenciamento ambiental muitas vezes supera 8 anos. Dessa forma, os investidores que começaram a empenhar esforços há menos de sete anos, considerando o desconto como aspecto fundamental da viabilidade do projeto, serão prejudicados.

Diante disso, o cronograma proposto deve refletir melhor a lógica de substituição ("sai subsídio, entra valoração de atributos") proposta pelo Governo, a fim de acomodar a mudança de modelo e concatenar as ações, garantindo-se uma transição com previsibilidade e proteção aos investimentos já realizados no setor.

*José Marangon, diretor da MC & E Consultoria

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*Nathália Nóbrega, analista de Assuntos Regulatórios da ABRAGEL

*Juliana Villas Boas Carvalho de Paiva, gerente de Assuntos Jurídicos e Regulatórios da ABRAGEL

(1) Usinas hidráulicas até 50MW incluem CGHs, com potência menor do que 5MW, PCHs, com potência entre 5MW e 30MW, e UHEs com potência entre 5MW e 50MW

(2) Em vários países verifica-se que a solução do "pumped hydro" como "bateria" tem se mostrado uma solução regional para sistemas distribuídos, e as PCHs podem desempenhar este papel ao longo do dia no Brasil. Sobre o tema ver, por exemplo: Pumped hydro energy storage system: a technological review, S Rehman et al, Renewable and Sustainable Energy Reviews, V 44, Abril 2015

(3) Uma forma adequada de valoração, nesse caso, seria estabelecer uma nova estrutura tarifária que incorpore os sinais econômicos mencionados (perdas evitadas e economia em relação a expansão das linhas de transmissão)

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