I - a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados, no prazo de 12 meses, contado do fim do estado de calamidade e seja respeitada a sazonalidade e os valores originalmente contratados, ou seja, se adquiriu um pacote ou tarifa para baixa temporada, não poderá remarcar para alta temporada, a menos que complemente o valor;
II - a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas, que poderá ser utilizado no prazo de 12 meses, contado do fim do estado de calamidade; ou
III - outro acordo a ser formalizado com o consumidor.
Para isentar-se de custos, taxa ou multa, o consumidor deverá solicitar a remarcação no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da medida, em 08 de abril de 2020.
E, somente em caso de impossibilidade de ajuste, a empresa contratada estará obrigada a restituir, em até 12 meses, contados do fim da pandemia, o valor ao consumidor, que sofrerá atualização monetária pelo IPCA-E.
A MP foi omissa ao não regular os serviços adquiridos de forma parcelada, o que tem causado insegurança ao consumidor que não sabe como proceder quanto às parcelas remanescentes, já que o serviço foi cancelado, sendo certo que deveria ser ressarcido apenas daquelas que já efetivamente pagou.
É certo que a Medida Provisória buscou instituir um equilíbrio entre as partes, de forma a garantir a sobrevivência do setor e manutenção de empregos e não prejudicar o consumidor ante o cancelamento do serviço contratado.
Contudo, na prática, não há equilíbrio, porque o consumidor, que é parte reconhecidamente vulnerável no mercado de consumo e quem tem sofrido as consequências mais drásticas da pandemia, inevitavelmente, com o cancelamento do serviço contratado não voltará ao status quo ante.
Na hipótese de recebimento de crédito ou voucher, o valor concedido dificilmente será suficiente para adquirir um novo serviço ou produto semelhante, sobretudo para os serviços turísticos, que, majoritariamente, são cotados em dólar, ou seja, o consumidor ao utilizar o crédito para adquirir outra passagem aérea ou um ingresso de parque temático, por exemplo, deverá sujeitar-se às novas tarifas, que, seguramente, serão muito superiores aos valores anteriormente contratados.
Sem falar ainda, no caso de restituição, quando o consumidor deverá esperar até 12 meses para receber o valor pago, correndo até mesmo o risco de prejuízo na eventualidade de a empresa quebrar.
Sujeitar o consumidor a um prazo de 12 (doze) meses, contado do fim da pandemia, para ser ressarcido do valor que pagou pelo serviço cancelado, numa economia, cujo desemprego já alcança o patamar de quase 5 milhões de brasileiros, conforme dados do IBGE, é impor à parte mais vulnerável uma espera que pode resultar o seu prejuízo econômico imediato e, pior, fazê-lo assumir com as empresas contratadas o risco do negócio por elas desenvolvido, de um segmento que, reitera-se, faturou no ano de 2019 mais de 1 trilhão de reais.
Não bastasse tudo isso, na prática, o consumidor para fazer valer o seu direito tem percorrido uma via crucis e não é à toa que as reclamações nos sites especializados têm se intensificado após a edição da MPV 948, verificando-se um aumento significativo no relato de problemas "estorno do valor pago" e "cancelamento de compra".
O consumidor é colocado em situação de extrema vulnerabilidade e, diante da ineficiência das empresas em solucionar amigavelmente o problema, tem sido obrigado a buscar o Poder Judiciário para equilibrar a balança da Justiça. Como ilustra caso recentemente julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios-TJDFT, no qual a consumidora, que havia adquirido de forma parcelada, em fevereiro de 2020, um pacote turístico para Portugal para o período de outubro de 2020, postulou o cancelamento do contrato e obteve o deferimento, em sede de tutela recursal, pelo Desembargador Álvaro Ciarlini, da 3ª Turma Cível , a determinação da imediata suspensão da exigibilidade das prestações vincendas, relacionadas ao contrato, sem prejuízo das eventuais sanções na órbita criminal por desobediência, com a fixação de multa correspondente ao triplo do valor da correspondente parcela indevidamente cobrada.
A MP segue tramitando e, em 08 de junho de 2020, teve sua vigência prorrogada por 60 dias, e já conta com 279 emendas. Espera-se que o texto original seja aprimorado e amplamente debatido nas duas Casas do Congresso Nacional para que, de fato, as regras instituídas sejam aplicáveis na prática e tenham a segurança jurídica esperada de proteção ao consumidor, sem olvidar de garantir saúde financeira das empresas do setor e a manutenção do emprego.
*Maria Luísa Nunes da Cunha é Sócia Fundadora da Banca Santos Perego & Nunes da Cunha Advogados Associados