Fernando Rogério Peluso e José Ubirajara Peluso*
25 de março de 2020 | 11h00
Fernando Rogério Peluso. FOTO: DIVULGAÇÃO
A pandemia de covid-19, que se iniciou na China e continua intensa na Europa, principalmente na Itália e, segundo estatísticas médicas, está apenas começando por aqui, repercute diretamente na economia, paralisando grande parte da produção com reflexos desastrosos para empresários e trabalhadores.
A MP nº 927 pode instalar o caos no País
O impacto econômico atinge diretamente os empresários e muito em especial os médios e pequenos empreendedores, com reflexos também diretos na vida dos trabalhadores, empregados e por conta própria, especialmente os informais. A perda de trabalho e de renda atingirá desproporcionalmente a população.
O mundo está tentando se preparar para essa dolorosa fase de enfermidade e desassossego econômico. Os governos mundo afora estão adotando medidas para minimizar esses impactos, principalmente (i) econômicos, como concessão de empréstimos e financiamentos ao empresários, principalmente aos médios e pequenos empreendedores, sem taxas de juros, isenções fiscais; prorrogação de prazos para quitação de dívidas e financiamentos, e subsídios para setores produtivos e de serviços; e (ii) para garantir o emprego e a renda, a concessão de período provisório de garantia de emprego, benefícios e outras formas de transferência de renda, especialmente ao desempregado.
Com esse propósito o BNDES adotou um primeiro conjunto de medidas emergenciais de transferência de recursos do PIS/PASEP para o FGTS capaz de permitir saques, suspensão de pagamentos de dívidas para aliviar o caixa das empresas e ampliação de crédito direto para as pequenas e médias empresas.
No domingo (22/3) o governo federal editou a Medida Provisória nº 927, publicada no mesmo dia, com o objetivo de enfrentar a calamidade pública e tentar preservar o emprego e a renda do trabalhador.
A Medida Provisória, assim, permite no artigo 2º, que o empregador e empregado possam firmar acordo individual “para preservar o emprego” com prevalência sobre os acordos e convenções coletivas e sentenças normativas, mas respeitados os limites da Constituição Federal.
Quer dizer, portanto, que o acordo individual terá validade quando contiver, ainda que de forma implícita, condição de garantia do emprego. Considerando a dificuldade do empregador em manter o pagamento dos custos da mão de obra, a regra tem certa contradição quando permite o acordo individual, respeitado o limite da Constituição Federal, onde se encontra regra de proteção contra a redução de salário, salvo por negociação coletiva. O que se esperava e ainda se espera é que o governo oportunamente edite regra específica que permita a redução da jornada com redução salarial.
A Medida Provisória contém, em síntese, as seguintes medidas que poderão ser adotados pelo empregador:
O pagamento da remuneração de férias poderá ser feito até o quinto dia útil do mês seguinte ao do início das férias, ou seja, se o empregador conceder as férias com início no em 23/03/2020, poderá pagar a remuneração correspondente até o quinto dia útil de abril.
O empregador poderá destacar da remuneração das férias o terço correspondente previsto na Constituição Federal, até a data do pagamento da gratificação de Natal (13º salário), ou seja, até o dia 20 de dezembro deste ano.
A conversão de 10 dias em abono, opção exclusiva do empregado, exige, neste período de crise, a concordância do empregador.
O empregador poderá suspender as férias, ou licença não remunerada, em relação aos empregados da área de saúde ou que exerçam funções essenciais.
Os feriados religiosos também poderão ser antecipados, mas exigem acordo individual escrito.
Para a compensação, o empregador poderá prorrogar a jornada de trabalho por até duas horas, desde que respeitado o limite diário de 10 horas de trabalho.
Em relação ao exame médico, o coordenador médico da empresa poderá indicar a necessidade do exame em razão de risco à saúde.
Encerrado o estado de calamidade pública, o empregador deverá realizar os exames médicos ocupacionais no prazo de até 60 dias.
Quanto aos treinamentos periódicos e eventuais, o empregador deverá providenciá-los em até 90 dias do encerramento do estado de calamidade pública.
Os exames médicos demissionais continuam obrigatórios, salvo em relação ao trabalhador que tenha passado por exame médico ocupacional em até 180 dias da dispensa.
Durante o estado de calamidade pública as empresas poderão manter as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes.
E certo que o atual governo tem sido severamente criticado por adotar medidas sem foco na pessoa do trabalhador. Neste momento de severa crise, que atinge a produção de riquezas e afeta diretamente a sobrevivência dos trabalhadores, não são suficientes medidas de preservação do emprego. É necessário que o governo adote medidas que alcancem os empresários, principalmente os pequenos e médios empreendedores, mas que também garantam aos trabalhadores, especialmente os mais pobres, a sobrevivência digna. É preciso esquecer um pouco as contas públicas e liberar encargos que oneram a folha de pagamento, como o previdenciário e os fiscais das empresas e, paralelamente, adotar possibilidade de redução da jornada com garantia de percentual do salário, bem como garantir diretamente seguro-salário até que a pandemia seja controlada. Ou seja, é preciso que o governo esteja atento as necessidades de cada seguimento da sociedade, principalmente neste momento.
*Fernando Rogério Peluso e José Ubirajara Peluso, sócios do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados
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