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MP 881: limitação de responsabilidade dos cotistas e prestadores de serviços dos fundos de investimentos

Por Ricardo Botós da Silva Neves
Atualização:
Ricardo Botós da Silva Neves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O governo federal em 30 de abril de 2019 editou a Medida Provisória 881. A autodenominada "MP da Liberdade Econômica" propõe importante marco regulatório para os fundos de investimentos, quando pretende incluir a atividade no Código Civil onde definirá: "O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio, destinado à aplicação de ativos financeiros." Portanto, os fundos passam a ser considerados como condomínio e propriedade fiduciária (Livro III, Capítulo X).

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A intenção da MP é estimular a atividade econômica. A lei proposta trará reflexos jurídicos de relevo, pois permitirá a possibilidade de limitação da responsabilidade dos investidores e dos prestadores de serviços fiduciários, no caso de prejuízo dos fundos de investimento.

Em que pese repetir integralmente o conteúdo da In. CVM 551 a importância da MP está em incluir os fundos de investimento no Código Civil (C.C.) impondo sua aplicação juntamente com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que significa maior segurança para os investidores, pois até então a atividade desse importante meio de investimento estava restrita as Instruções Normativas (Ins.) editada pela CVM.

A proposta é definir no C.C. que os fundos são condomínios e, portanto devem ser aplicadas as regras gerais do "condomínio civil voluntário", para os quais o artigo 1.315 do C.C. estabelece a obrigatoriedade do condômino, na proporção de sua parte, concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeito. Assim a interpretação literal da norma já seria o suficiente para limitar a responsabilidade do condômino à proporção da sua parte.

Ocorre que a MP propõe eliminar qualquer dúvida, e prevê a possibilidade de "limitação da responsabilidade de cada condômino ao valor de suas cotas;" (Art. 1.368-D, I) e "da responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade" (Art. 1.368-D, II), não sendo demais lembrar que o funcionamento dos fundo continua sob a competência da autarquia federal (Parágrafo único do Art. 1.368-C e Arts. 6.º e 7.º In. CVM 555/19).

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Assim, a principal colaboração da mudança legislativa será o esclarecimento de dúvida que até então persista. Qual era a responsabilidade patrimonial dos contistas no caso do patrimônio líquido negativo do fundo, assim como dos prestadores de serviços no caso de perdas?

Antes da vigência do artigo 1.638-D a regra que disciplinava a questão era o Art. 15 da In. CVM 555, pela qual "os cotistas respondem por eventual patrimônio líquido negativo do fundo, sem prejuízo da responsabilidade do administrador e do gestor em caso de inobservância da política de investimento ou dos limites de concentração previstos no regulamento e nesta Instrução".

Com efeito, a proposta de mudança elimina a dúvida, pois fica claro que os cotistas não responderão pelo patrimônio negativo, tampouco os prestadores de serviços fiduciários por perdas que não as causadas pelo descumprimento de suas obrigações, vedadas alegações de solidariedade passiva. Na falta de estipulação no estatuto prevalecerá a regra geral do Art. 15 da In. CVM 555.

O ora inserido artigo 1.368-C, expressamente define que o fundo de investimento tem como função o investimento em ativos financeiros. Os "ativos financeiros" têm sua definição no Art. 2.º da In. CVM 555. Ocorre que os fundos estruturados, para efeitos da norma, aplicam seus recursos em ativos que não são qualificados como ativos financeiros, como por exemplo, entre outros os DIFCs, FII, fundos de empresas limitadas.

Com isso, o Congresso Nacional terá que agir e esclarecer a dúvida que a redação proposta para o artigo 1.368-C pode vir a causar, pois da forma como está o interprete menos avisado pode concluir que as regras de limitação de responsabilidade aos cotistas e prestadores de serviços não serão aplicáveis aos fundos de investimento estruturados, ou seja, aqueles que aplicam recursos em operações não definidas pela In. CVM 555 como "ativos financeiros". Com efeito, foram exatamente estes fundos que mais geraram procedimentos questionando a limitação da responsabilidade do cotista ao valor das suas cotas.

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Outra importante questão diz respeito aos serviços fiduciários. No dispositivo legal que cuida da propriedade fiduciária (administração em confiança) há remissão de que o fundo se configura em uma titularidade condominial separada da sociedade administradora e, portanto, completamente protegida dos efeitos da insolvência ou dificuldades financeiras que possa vir enfrentar, propondo, portanto como regra para todos os fundos de investimento o que estava restrito aos Fundos Imobiliários, onde os bens e direitos integrantes do condomínio não se comunicam com o patrimônio da administradora.

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O tema certamente gerará discussões no Congresso Nacional durante a tramitação da Medida Provisória, pois questões como a limitação de responsabilidade dos cotistas e prestadores de serviços de fundos estruturados, entre outros terão de ser enfrentados. As mudanças propostas para os fundos de investimento, apesar de trazer avanços como a definição legalmente da sua existência, o fez de maneira tímida, mas, pode ser uma porta para que no Brasil exista uma lei vigorosa que regulamente os fundos de investimentos e com isso poderá ser atingida a função primordial de existência dos fundos, que desde a criação do primeiro na Suíça o "Société civile Genèvoise d'emploi de fonds" em 1849 é permitir que o poupador comum, de maneira segura diversifique seus investimentos, fomentando a economia, o que é indispensável a geração de bens, renda, empregos e finalmente um Estado robusto e mais junto socialmente.

*Ricardo Botós da Silva Neves, advogado, sócio responsável pela área de Direito Societário de Monteiro & Neves Advogados. Especialista em Direito Econômico e da Empresa pela FGV com extensão em Mercados Emergentes na Ohio University. Especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC-SP. Membro da Comissão de Business Law da American Bar Association e da Comissão de Corporate e M&A da International Bar Association. Membro da Singapore Corporate Counsel Association

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