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Siga os movimentos da PF no encalço de Milton Ribeiro e entenda como operava o 'gabinete paralelo' de pastores no MEC

Grampos telefônicos, depoimentos e documentos encartados aos autos da investigação da Polícia Federal indicam trama que se instalou na cúpula do Ministério da Educação com desvios de verbas, corrupção e tráfico de influência, culminando na deflagração da Operação Acesso Pago, que aponta até suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro em favor do aliado; conheça, passo a passo, a íntegra do inquérito da PF

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Foto do author Pepita Ortega
Por Rayssa Motta e Pepita Ortega
Atualização:

Com Bolsonaro, MEC apresentou ações para 2021 a prefeitos. O então ministro Milton Ribeiro aparece ao lado dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. Foto: Catarina Chaves/MEC

A investigação do gabinete paralelo de pastores infiltrados no Ministério da Educação (MEC), escândalo revelado pelo Estadão, levou o ex-ministro Milton Ribeiro à prisão na semana passada na Operação Acesso Pago. Ele acabou sendo solto, beneficiado por um habeas corpus que o autorizou a aguardar a conclusão das apurações em liberdade, mas ainda pode ser denunciado se o Ministério Público Federal (MPF) entender que houve crime em sua gestão à frente da pasta.

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O blog reconstrói os passos dos investigadores da Polícia Federal (PF) no encalço do ex-ministro e dos pastores do gabinete paralelo. As apurações contaram com grampos, oitivas e coleta de documentos e com a execução de mandados de busca e apreensão, além de terem sido abastecidas com investigação feita pela Controladoria-Geral da União (CGU). Também foram registradas reviravoltas e até denúncias de suposta "interferência" no inquérito.

O futuro do inquérito agora será decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entenda, a seguir, toda a cronologia da investigação:

Abertura do inquérito 

A investigação foi aberta em março a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, depois que o Estadão revelou a influência dos pastores no orçamento e na agenda do MEC. Prefeitos relataram pedidos de propina em dinheiro e até em barras de ouro em troca da liberação de verbas para a educação básica.

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As reportagens levaram deputados de oposição a entrarem com representações na Procuradoria-Geral da República (PGR). Ao instaurar o inquérito, Aras disse ver indícios de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência. Foram incluídos no rol de investigados o então ministro Milton Ribeiro, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, além de prefeitos.

Cobrada a se manifestar sobre a investigação do presidente Jair Bolsonaro (PL), a PGR disse não ver elementos para colocá-lo inicialmente como alvo do inquérito. O parecer foi enviado mesmo após o jornal Folha de S.Paulo revelar um áudio em que Milton Ribeiro afirma que o MEC atua com o objetivo de beneficiar os "amigos do pastor Gilmar" e que as portas do ministério teriam sido abertas ao balcão religioso de propinas pelo presidente. De acordo com a PGR, a "mera citação de autoridade" não seria suficiente para a investigação.

Depoimentos

O primeiro a prestar depoimento foi Gilmar Santos, que disse manter um "relacionamento eclesiástico" com Milton Ribeiro e Arilton Moura. O pastor negou ter atuado em nome do ex-ministro da Educação em negociações com prefeitos.

Milton Ribeiro foi ouvido na investigação após deixar o governo, em março, pressionado pelo escândalo do gabinete paralelo. Ele confirmou que o presidente lhe pediu para receber os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, mas negou ter favorecido prefeituras indicadas pelos líderes religiosos na distribuição de recursos. O ex-ministro minimizou o interesse de Bolsonaro na reunião e disse que não recebeu qualquer demanda ou questionamento do presidente a respeito do assunto tratado no encontro ou de eventuais pedidos dos pastores.

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Questionado sobre o áudio revelado pela Folha de S.Paulo, Ribeiro disse a afirmação "foi feita como forma de prestigiar o pastor Gilmar, na condição de líder religioso nacional", e não de privilegiar pessoas indicadas pelo pastor na distribuição de verbas. Ele ainda afirmou que não autorizou Gilmar Santos e Arilton Moura a "falarem em nome" do Ministério da Educação.

 Foto: Estadão

O pastor Arilton Moura se apresentou na superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília, mas optou pelo direito ao silêncio.

Também foram ouvidos os prefeitos de Laerte Dourado (PP), de Jaupaci (GO); Nilson Caffer (PTB), de Guarani D'Oeste (SP); Adelícia Moura (PSC), de Israelândia (GO); Doutor Sato (PSDB), de Jandira (SP); e Calvet Filho (PSC), de Rosário (MA).

Pedido de buscas e transferência para primeira instância 

Em abril, o delegado federal Bruno Calandrini, responsável pela investigação, pediu autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para abrir buscas em endereços residenciais e escritórios ligados ao ex-ministro Milton Ribeiro, aos pastores e ao advogado Luciano Musse, ex-gerente de projetos na Secretaria Executiva do MEC.

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Apontando indícios de 'cooptação de prefeitos para satisfazer interesses pessoais', o delegado também pediu que as linhas de telefone dos investigados fossem grampeadas e seus sigilos bancários fossem quebrados.

Antes de decidir, a ministra Cármen Lúcia, relatora do processo no STF, enviou o caso para a Justiça Federal em Brasília. A investigação desceu para primeira instância porque Milton Ribeiro, o único investigado com foro privilegiado, deixou o governo e perdeu a prerrogativa.

O Ministério Público Federal concordou com a representação de Calandrini, assinalando que as diligências 'encontram amparo legal e são, de fato, necessárias e úteis para a efetiva comprovação da autoria e materialidade delitivas'. "Com efeito, as providências reclamadas, além de guardarem proporcionalidade com a finalidade pretendida, vão ao encontro da linha investigatória necessária à elucidação dos fatos, bem como à salvaguarda da aplicação da lei penal e à adequada instrução do processo penal", registrou parecer dado pela Procuradoria no dia 15 de maio.

Juiz autoriza buscas, grampos e quebra de sigilo bancário 

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O juiz Renato Borelli, da 15.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, foi quem recebeu a investigação na primeira instância. Em sua primeira decisão, no dia 17 de maio, ele autorizou as medidas solicitadas pelo delegado.

"Observam-se indícios razoáveis de participação dos investigados em infração penal", escreveu. "A realização da busca e apreensão se mostra imprescindível para a continuidade das investigações e esclarecimento satisfatório dos fatos."

Após a primeira decisão de Borelli sobre o caso, a Polícia Federal chegou a requerer a complementação das manifestações por buscas, adicionando mais endereços a serem alvos de diligências, parte deles ligados ao advogado Luciano Freitas Musse. O inquérito mostrou que o advogado e os pastores lobistas do MEC se hospedaram pelo menos dez vezes no hotel Grand Bittar, em Brasília, em datas coincidentes. O MPF concordou com os pedidos adicionais da PF.

 Foto: Estadão

Assim, no dia 20 de maio, Borelli  mandou apreender o computador usado por Musse na Secretaria Executiva do Ministério da Educação. Amigos dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, o advogado foi infiltrado por eles na pasta por quase um ano.

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Os investigadores então procederam à confirmação dos endereços dos investigados e o despacho final sobre as buscas, com a lista de todos os alvos de futuras diligências foi dado no dia 31 de maio.

Já no dia 16 de maio, a PF complementou o pedido inicial para estender os grampos e quebras de sigilo à mulher do ex-ministro da Educação, Myriam Ribeiro Pinheiro, à filha do pastor Arilton Moura, Victoria Camacy Amorim Correia Bartolomeu, e ao marido dela, Helder Diego da Silva Bartolomeu, o que também foi autorizado pelo juiz.

Relatório da CGU 

A Controladoria-Geral da União, que também abriu uma investigação sobre o gabinete paralelo de pastores no MEC, enviou em junho o relatório final com as conclusões das apurações internas para a Polícia Federal.

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O documento cita "concessão de vantagem indevida" ao ex-ministro da Educação por meio da distribuição de bíblias com a foto dele. Os auditores da CGU dizem que o caso pode ser enquadrado como "promoção pessoal". Prefeitos dizem que pediam dinheiro e aquisição dos livros em troca de verbas do MEC.

A bíblia distribuída em Salinópolis com a foto do ex-ministro Milton Ribeiro e da mulher dele. Foto: Reprodução

O relatório também mostrou que o ex-ministro da Educação tentou emplacar o pastor Arilton Moura em seu gabinete, segundo informações prestadas pelo atual comandante da pasta, Victor Godoy Veiga. O pastor chegou a ser entrevistado para a vaga de assessor, com um salário de R$ 10.373,30, mas se mostrou "descontente com a remuneração do cargo".

Além disso, o documento da CGU registra que servidores do MEC relataram "desconforto" com a atuação dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura na pasta, assim como um "comportamento estranho" dos religiosos. Os funcionários públicos ainda disseram ter alertado o então ministro Milton Ribeiro, diversas vezes, no ano passado, sobre o 'perigo' que a dupla poderia representar para o MEC. Mesmo assim, Ribeiro manteve encontros com os pastores.

O relatório ainda desmente versão que vinha sendo apresentada por Milton Ribeiro sobre a relação com os pastores acusados de cobrar propina no MEC. O ex-ministro alegava que denunciou atuação dos pastores a CGU em agosto e se afastou dos religiosos. No entanto, o documento da Controladoria cita a transação de um carro entre as famílias de Milton Ribeiro e de Arilton Moura, em fevereiro deste ano, o que contraria o álibi do aliado do presidente.

PF pede prisões citando organização criminosa

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Também no dia 13 de junho, o delegado Bruno Calandrini pediu a prisão de Milton Ribeiro e dos pastores. No documento enviado à Justiça, ele citou uma "organização criminosa" que, segundo a investigação, se "infiltrou" no Ministério da Educação.

Calandrini descreveu "camadas de atuação" usadas para controlar a pasta. De acordo com a PF, o ex-ministro seria responsável por "conferir o prestígio da administração pública federal à atuação" dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

"Conferindo aos mesmos honrarias e destaque na atuação pública da pasta, até mesmo, internamente, nas dependências da sede do Ministério da Educação, e, sobretudo, nos eventos onde os pastores faziam parte do dispositivo cerimonial", escreveu. O objetivo, de acordo com a investigação, seria "promover a própria imagem e explorar economicamente o serviço público".

Enquanto isso, a defesa alega que nem o aliado do presidente Jair Bolsonaro, "nem ninguém tinha e ou tem poder para favorecer pessoas, cidades ou Estados" dentro do MEC.

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A manifestação dá destaque para a nomeação do advogado Luciano Musse no MEC. A PF disse que a escolha demonstra a "sofisticação da atuação agressiva da ORCRIM (organização criminosa)" e seu "desprezo à probidade administrativa e fé pública".

Grampos

Horas depois de encaminhar o pedido de prisão à Justiça, o delegado juntou aos autos da apuração um primeiro relatório sobre as interceptações telefônicas.

Em uma das ligações, Milton Ribeiro indicou ter sido alertado pelo presidente Jair Bolsonaro sobre o risco de abrirem buscas contra ele. "Hoje o presidente me ligou... Ele tá com um pressentimento novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe?", conta o ex-ministro em conversa com a filha (ouça abaixo) "Ele (Bolsonaro) acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa."

Milton Ribeiro interrompe a chamada assim que a filha informa que está ligando do "celular normal"."Ah é? Ah, então depois a gente se fala", responde o ex-ministro. O comportamento chamou a atenção do delegado, que supõe que eles já estivessem "preocupados com uma possível interceptação telefônica".

 Foto: Estadão

A ligação foi registrada no dia 9 de junho, quando Bolsonaro estava em viagem aos Estados Unidos para participar da IX Cúpula das Américas. O ministro da Justiça Anderson Torres, a quem a PF presta informações diárias, também estava na comitiva. Antes disso, também em chamada interceptada pela PF, Ribeiro já havia manifestado "receio" com buscas no âmbito da investigação. A chamada do ex-ministro com a filha não é a única que sugere uma possível interferência na investigação para vazar informações a Milton Ribeiro. No dia da operação, a mulher do ex-ministro, Miryan Ribeiro, que também foi grampeada, disse que o marido "já estava sabendo". "Ele estava, no fundo, ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Eu falei: 'Pra ter rumores do alto é porque o negócio já estava certo'", afirmou ao comentar a prisão. Junto do laudo sobre os primeiros grampos da PF, Calandrini pediu à Justiça a prorrogação das escutas e a inclusão de novos números na lista de monitoramento dos investigadores, sob o argumento de que seria uma "medida necessária diante dos elementos concretos e a complexidade da investigação".

Procuradoria discorda de prisões, mas cita respaldo de Ribeiro

Em manifestação assinada no dia 15 de junho, o Ministério Público Federal no DF foi contra o pedido de prisão feito pela PF, defendendo a aplicação de uma série de medidas cautelares alternativas - proibição de contato, de se ausentar do País e de entrar no Ministério da Educação.

No parecer, a Procuradoria apontou que, "ao que tudo indica", os crimes sob suspeita foram praticados com o respaldo do ex-ministro Milton Ribeiro

 Foto: Estadão

O documento foi assinado pela procuradora Carolina Martins Miranda de Oliveira, que, dias depois, juntou novo parecer aos autos da Operação Acesso Pago. Nele, o MPF se manifestava a favor do pedido da Polícia Federal pela realização de buscas contra Helder Diego da Silva Bartolomeu, genro do pastor Arilton, e contra Nely Carneiro da Veiga Jardim, assessora do pastor Arilton e apontada como a "pessoa que realizava a administração e a logística das atividades de cooptação de prefeitos".

Juiz manda prender Milton Ribeiro e pastores citando e cita risco de ocultação de provas

No dia 20 de junho, o juiz Renato Borelli atendeu o pedido da Polícia Federal e decretou a prisão preventiva de Milton Ribeiro e dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. Ele considerou a medida necessária para manter a ordem pública, impedir a reiteração de novas infrações e para a "conveniência da instrução criminal".

O magistrado entendeu que a adoção de medidas cautelares alternativas, como solicitado pelo MPF, seria "inadequada e insuficiente" porque "não teria o condão de se estabelecer como óbice ao exercício de interferência política nas investigações". Borelli, no entanto, não individualizou as condutas.

A DECISÃO DA OPERAÇÃO ACESSO PAGO

"Nesse contexto, resta comprovada a existência do 'periculum libertatis', eis que os investigados, em espécie de 'gabinete paralelo', estavam inseridos no contexto político do país ao ocuparem cargos de destaque no Poder Executivo Federal, o que lhes possibilita proceder de forma a interferir na produção, destruição ou mesmo ocultação de provas que podem ser úteis ao esclarecimento de toda a trama delitiva", registrou.

No mesmo despacho, o juiz ainda determinou a prisão domiciliar do advogado Luciano de Freitas Musse e do genro do pastor Arilton, Helder Diego da Silva Bartolomeu, e afastou o sigilo bancário de sete pessoas e quatro empresas.

Operação Acesso Pago prende Ribeiro e pastores

Os mandados de prisão expedidos por Borelli foram cumpridos dois dias depois, no âmbito da operação batizada pela PF como "Acesso Pago". Na ocasião, foram cumpridas as cinco ordens de prisão e vasculhados 13 endereços em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal. 

O mandado de prisão de Ribeiro citou supostos crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência. O ex-ministro foi encontrado em Santos e havia a indicação, na ordem de prisão, de que ele fosse levado para a Superintendência da PF em Brasília tão logo fosse encontrado pelas equipes da corporação.

Principal alvo da apuração, o ex-ministro vai receber da União pelos próximos seis meses o equivalente a cerca de R$ 26 mil. Ribeiro foi incluído na chamada "quarentena" do serviço público, que autoriza o pagamento de "remuneração compensatória" àqueles que exerceram altos cargos no governo.

A PF interceptou uma conversa do pastor Arilton Moura com a advogada dele logo após a prisão. No diálogo, Arilton ameaçou "destruir todo mundo" se a filha dele for arrastada para o caso.

Após a operação, o juiz Renato Borelli relatou ter recebido "centenas de ameaças" de apoiadores do ex-ministro da Educação. Segundo a Justiça Federal do DF, foram encaminhados pedidos de investigação para a Polícia Federal.

 Foto: Estadão

PF alega "restrição orçamentária" e Ribeiro não é transferido para Brasília

Logo após a prisão do ex-ministro da Educação, sua defesa pediu à Justiça que ele não fosse transferido para Brasília, conforme a ordem do juiz Renato Borelli. O pedido, no entanto, acabou negado.

O criminalista também entrou com um habeas corpus e um mandado de segurança para tentar soltar Milton Ribeiro, alegando que a prisão era "injusta, desmotivada e indiscutivelmente desnecessária".

Nesse meio tempo, o delegado Caio Pelim, Diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção, enviou à Justiça um ofício em que alegou dificuldades na transferência imediata dos alvos da Operação Acesso Pago para Brasília.

O delegado cita "restrição orçamentária" e fala que a manutenção dos presos nos locais onde os mandados foram cumpridos visava "manter a integridade física" dos investigados e "evitar exposição desnecessária".

Como mostrou o Estadão, a Polícia Federal tem três jatos da Embraer. Apenas um deles tem registro de voo no dia da prisão. As outras duas aeronaves da corporação não aparecem como tendo sido usadas na data.

Depois de receber a documentação da PF sobre a "impossibilidade" de transporte dos custodiados para Brasília, o juiz da 15.ª Vara Federal do DF determinou que as oitivas se dessem por videoconferência para os presos de outros Estados. "No que pese essa circunstância, o Poder Judiciário não deve se declinar às dificuldades apresentadas à busca da verdade real e aplicação da justiça", ponderou.

Assim, Milton Ribeiro passou a noite na sede da Polícia Federal em São Paulo, no bairro da Lapa, na capital paulista. Da custódia, o aliado do presidente Jair Bolsonaro chegou a ligar para a ligou para a mulher, Myrian, e relatar que foi "muito bem tratado", "com muita cortesia até".

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Desembargador do TRF-1 manda soltar alvos da Operação Acesso Pago

Os presos da Operação Acesso Pago, no entanto, permaneceram menos de 24 horas sob custódia. No início da tarte da quinta-feira, 23, pouco depois do meio dia, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, acolheu pedido da defesa de Ribeiro e concedeu habeas corpus aos cinco investigados que foram alvos de mandados de prisão no âmbito da investigação.

A avaliação do magistrado foi a de que não existiam naquele "momento processual, as condições de manutenção" da prisão preventiva. Ney Bello levou em consideração de Ribeiro não integra mais os quadros da Administração Pública Federal e entendeu que "há ausência de contemporaneidade entre os fatos investigados".

LEIA A ÍNTEGRA DA DECISÃO DO DESEMBARGADOR

Quando Ribeiro deixou a PF em São Paulo, seu advogado, Daniel Bialski, relatou que o ex-ministro se disse "abalado" com a prisão.

Posteriormente, o juiz Rento Borelli chegou a contrapor os fundamentos da decisão do desembargador, argumentando que determinou a prisão do ex-ministro com base em "suspeitas substanciais". O magistrado de 1º grau defendeu que, mesmo fora do governo, Ribeiro "ainda pode interferir na produção de provas sobre eventual conduta criminosa pretérita".

 

A defesa de Milton Ribeiro agora alega parcialidade do juiz, dizendo que sua manifestação foi "abusiva". Os advogados dizem ainda que ele emitiu "juízo de valor e até mesmo eloquência acusatória".

Delegado denuncia "tratamento privilegiado" a Milton

Em simultâneo à decisão de Ney Bello, veio à tona denúncia do delegado Bruuno Calandrini sobre suposto "tratamento privilegiado concedido" pela Polícia Federal ao aliado do presidente Jair Bolsonaro. Em mensagem de agradecimento enviada à equipe que participou da Operação Acesso, o delegado disse não ter "autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial do caso com independência e segurança institucional".

O delegado diz que Ribeiro, principal alvo da operação, foi "tratado com honrarias não existentes na lei, apesar do empenho operacional da equipe de Santos que realizou a captura de Milton Ribeiro, e estava orientada a escoltar o preso até o aeroporto em São Paulo para viagem à Brasília". "Quantos presos de Santos, até ontem, foram levados para a carceragem da SR/PF/SP?", questionou.

A PF disser ter aberto "procedimento apuratório" sobre o que chamou de "boato". A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal acompanha a apuração.

MPF vê "possível interferência ilícita" de Bolsonaro

Entanto o desembargador do TRF-1 mandava soltar Milton Ribeiro, o delegado Bruno Calandrini juntava aos autos da investigação o segundo laudo sobre os grampos da Polícia Federal. Logo em seguida, a Procuradoria da República no DF emitiu parecer que acabou mudando o rumo das investigações da Operação Acesso Pago.

Em documento assinado pouco antes das 16h de quinta-feira, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes alertou a Justiça do DF sobre "possível interferência ilícita" do presidente Jair Bolsonaro nas investigações e defendeu a remessa de gravações oriundas da interceptação telefônica de Ribeiro ao STF.

 Foto: Estadão

O MPF apontou que áudios interceptado pelos investigadores - em especial aquele que cita o "pressentimento" do chefe do Executivo sobre a realização de buscas contra o aliado - aponta indício de vazamento da operação policial. O órgão quer averiguação da possível ocorrência dos crimes de violação de sigilo funcional com dano à Administração Judiciária e favorecimento pessoal.

LEIA A ÍNTEGRA DO PARECER

O parecer ainda foi abastecido pela denúncia feita pelo delegado Bruno Calandrini.

Juiz devolve inquérito ao STF

No final da tarde de quinta-feira, 23, horas depois do parecer, o pedido do MPF foi acolhido pelo juiz Renato Borelli, que enviou a íntegra do caso para o STF, com prevenção (preferência na distribuição) ao gabinete da ministra Cármen Lúcia - que foi relatora do inquérito à época que Ribeiro ainda integrava o governo federal e tinha foro por prerrogativa de função.

LEIA A ÍNTEGRA DA DECISÃO DE BORELLI

A ministra deve decidir sobre eventual o prosseguimento da investigação na 15.ª Vara Federal da Justiça Federal do DF, ou sua cisão ou desmembramento. Antes de bater o martelo, Cármen Lúcia pediu manifestações da Procuradoria-Geral da República sobre notícias-crimes encaminhadas ao Supremo, após a Operação Acesso Pago, pedindo apuração de condutas atribuídas ao presidente da República. No âmbito de uma petição que citou o suposto vazamento da operação policial, ela destacou a "gravidade" da denúncia. 

Também foi protocolado pedido de investigação do presidente no âmbito do inquérito que apura suposta tentativa de interferência política do chefe do Executivo na PF - investigação aberta na esteira da demissão do ex-juiz Sérgio Moro do governo Bolsonaro. O ministro Alexandre de Moraes pediu manifestação da PGR sobre o caso.

PF reforça indícios de vazamento

Na sexta-feira, 24, o delegado Bruno Calandrini emitiu avaliação no mesmo sentido do Ministério Público Federal, dizendo acreditar que houve vazamento do inquérito.

O presidente do inquérito da Operação Acesso Pago não só citou ligações do ex-ministro da Educação interceptadas na investigação, mas também indicou que Ribeiro demonstrou "extrema preocupação" com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, apontados como lobistas no MEC.

 Foto: Estadão

Delegado que investiga gabinete paralelo é transferido

Nesta terça-feira, 28, a Polícia Federal informou que o delegado Bruno Calandrini será transferido da Coordenação de Inquéritos de Tribunais Superiores, que cuida das investigações de autoridades com foro junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para assumir a Unidade Especial de Investigação de Crimes Cibernéticos.

A corporação diz que a movimentação, prevista para julho, foi formalizada a pedido do próprio delegado. Segundo a PF, o delegado vai continuar coordenando a investigação que levou Ribeiro à prisão.

Delegado da PF Bruno Calandrini é responsável pela investigação do gabinete paralelo de pastores no MEC. Foto: Reprodução
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