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Movimentos no Parlamento ameaçam combate à corrupção e entram em conflito com compromisso do Brasil diante da comunidade internacional

Por Ivana David
Atualização:
Ivana David. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O combate à corrupção no Brasil, promessa repetida por vários presidentes e partidos políticos desde o início da democratização pós 64, tem uma legislação específica desde 2003, quando o Ministério da Justiça decidiu pela criação da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) para desestruturar a criminalidade organizada e combater o histórico brasileiro de impunidade em relação a crimes de lavagem de dinheiro. Em 2013, a legislação contou com o reforço da criação da Lei nº 12.846/2013, chamada de lei anticorrupção, que fiscaliza e responsabiliza empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública.

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O assunto ganhou os holofotes em 2014 com a Operação Lava Jato, que abriu uma investigação sem precedentes em território brasileiro e que inspirou movimentos de combate à corrupção em outros países latino-americanos. A operação, entretanto, teve seu alcance diluído com a diminuição das denúncias e do espaço dado na mídia. Em 2021, preocupam os movimentos no parlamento brasileiro de fragilizar o sistema de investigação de processos e responsabilização criminal em temas voltados diretamente à corrupção em território brasileiro.

Entre iniciativas recentes nessa direção estão a chamada PEC da Imunidade, no momento sob análise de uma comissão especial após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuar da posição de tramitação acelerada da proposta. Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores, reduzindo as possibilidades de prisão em flagrante de parlamentares. Entre as mudanças previstas pela PEC estão também questões como local de custódia (em vez do parlamentar preso ficar sob a custódia da Polícia Federal, o deputado ou senador será encaminhado à Câmara ou Senado, onde aguardará sob custódia do Legislativo, que pode incluir âmbito domiciliar) e afastamento (vedando o afastamento cautelar de membro do Congresso).

O cenário se complica ainda mais com acusações de medidas a favor da corrupção até mesmo em âmbitos do governo federal, como o relato do então ministro da Justiça Sérgio Moro em abril de 2020, acusando o presidente Jair Messias Bolsonaro de tentar influenciar investigações sobre organizações criminosas e influir a favor de sua família em questões de foro da Polícia Federal. Até o momento, o Supremo Tribunal Federal ainda discute se o presidente deverá prestar depoimento por escrito ou presencialmente sobre o caso.

Com o próprio presidente acusado de obstrução de justiça, fica difícil o papel da justiça brasileira em reforçar o combate à corrupção e manter uma imagem de idoneidade perante a população. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, afirmou recentemente que toda falha do judiciário no combate à corrupção aumenta a insatisfação popular com a justiça brasileira. Como resposta, o judiciário lançou o Programa Justiça 4.0, que prevê o aprimoramento de soluções tecnológicas em âmbito judicial. A ideia é cruzar vários bancos de dados e centralizar as informações sobre bens apreendidos, ajudando no combate a crimes complexos como lavagem de dinheiro. Resta saber qual será o impacto real de tais medidas em nossa legislação já existente.

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Esse esforço do judiciário de restaurar sua imagem é importante em meio ao cenário atual, já que além do âmbito nacional temos preocupações a respeito de obrigações internacionais assumidas pelo Brasil. A movimentação em prol da imunidade parlamentar afasta o Brasil de sua anterior consonância com as diretrizes internacionais de combate a corrupção, notavelmente o Pacto de Mérida, que foi aprovado pelo Congresso Nacional em maio de 2005 a partir do texto da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Preocupada com as ameaças decorrentes da corrupção e o decorrente enfraquecimento das instituições e dos valores democráticos dentro do Estado de Direito, a Convenção buscava promover e fortalecer medidas para prevenir e combater de maneira mais eficiente a corrupção, além de colocar em questão a obrigação de render contas e a devida gestão dos assuntos e bens públicos.

O Brasil também começa a divergir das diretrizes da Convenção de Palermo, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 15 de novembro de 2000 como principal instrumento de combate ao crime organizado transnacional. O Brasil foi signatário do pacto, que entrou em vigor em setembro de 2003 com três protocolar específicos para a área do crime organizado: o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas; o Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições.

Para que o Brasil mantenha seus compromissos com organizações internacionais e diante de sua própria população, é essencial que o combate anticorrupção seja diário. Apreensões de patrimônio em poder do crime organizado, por exemplo, são ferramentas fundamentais no enfraquecimento de facções criminosas, que costumam ter ramificações em vários estados brasileiros e outros países da América do Sul. Quanto menos dinheiro, menos poder. Só em São Paulo, operações comandadas pela Polícia Civil em 2020 resultaram na retirada de ao menos R$700 milhões em dinheiros, além de bens de luxo. O essencial é alinhar o combate diário ao reforço das leis já existentes no Congresso, além da vigilância constante de medidas pedindo foro privilegiado, imunidade de parlamentares e esquemas que privilegiem senadores e deputados em detrimento da população.

*Ivana David, juíza substituta em 2.º grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ingressou na magistratura bandeirante em 1990, atualmente integra a 4.ª Câmara de Direito Criminal

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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