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Moro diz que repasses do PT a marqueteiros via offshore na Suíça 'afeta processo político democrático'

Ao decretar a preventiva de João Santana e Monica Moura, juiz da Lava Jato anota que 'as condutas foram praticadas com sofisticação, com uso de contas secretas no exterior e pagamentos em reais no Brasil'

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Por Ricardo Brandt , Fausto Macedo , Julia Affonso e Mateus Coutinho
Atualização:

Juiz Sérgio Moro. Foto: Evaristo Sá/AFP

O juiz federal Sérgio Moro afirmou que há provas do envolvimento do publicitário João Santana e de sua mulher e sócia Monica Moura 'em atividade ilícita que remonta pelo menos a 2008 e se estende até 2015 pelo menos'. Nesta quinta-feira, 3, Moro decretou a prisão preventiva dos ex-marqueteiros das campanhas presidenciais de Lula (2006) e de Dilma (2010 e 2014). O casal foi preso na semana passada na Operação Acarajé, 23.ª fase da Lava Jato, mas estava em regime de custódia temporária.

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"As condutas se revestem de especial gravidade em concreto", assinalou Moro, referindo-se a recursos supostamente ilícitos que João Santana recebeu em campanhas eleitorais via offshore Shellbill, em conta bancária na Suíça. "Os valores são muito expressivos. Agrava o quadro a probabilidade de que esses pagamentos tenham servido para remunerar os serviços prestados por João Santana e Monica Moura em campanhas do Partido dos Trabalhadores, com afetação do processo político democrático."

A Polícia Federal identificou em planilhas apreendidas com um dos alvos da Acarajé US$ 7,5 milhões na conta da Shellbill outros repasses, entre 2014 e 2015, que somam R$ 22,5 milhões.

"As condutas foram ainda praticadas com sofisticação, com a utilização de contas secretas no exterior e pagamentos em reais no Brasil de modo subreptício", destacou Sérgio Moro no despacho em que converte a prisão temporária em preventiva para os marqueteiros do PT. "A destinação de recursos de origem criminosa ou mesmo recursos não contabilizados para campanhas políticas é algo muito grave e nada tem de banal.".

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O juiz observou que a Operação Lava Jato identificou 'elementos probatórios que apontam para um quadro de corrupção sistêmica, nos quais ajustes fraudulentos para obtenção de contratos públicos e o pagamento de propinas a agentes públicos, a agentes políticos e a partidos políticos, bem como o recebimento delas por estes, passaram a ser pagas como rotina e encaradas pelos participantes como a regra do jogo, algo natural e não anormal'.

Moro considera que 'impor a prisão preventiva em um quadro de fraudes, corrupção, lavagem e evasão fraudulenta sistêmica é aplicação ortodoxa da lei processual penal'.

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"Necessária, portanto, a prisão preventiva de João Cerqueira de Santana Filho e Monica Regina Cunha Moura, diante da prova, em cognição sumária, da participação prolongada na prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, com recebimento, subreptício e doloso, de recursos de natureza criminosa do esquema criminoso que vitimou a Petrobrás, isso em um quadro de corrupção sistêmica, servindo a medida para proteção da ordem pública, em vista da gravidade em concreto dos crimes em apuração e da necessidade de prevenir a sua reiteração, já que o esquema criminoso é sistêmico."

Para o juiz a prova do 'recebimento de recursos subreptícios mesmo durante o ano de 2015, quando avançada a Operação Lava Jato, também indica risco de reiteração (dos crimes), como bem apontou o Ministério Público Federal'.

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"Considero igualmente presente risco à instrução, com a possibilidade de apresentação de documentos fraudulentos para justificar as transações subreptícias, máxime diante da apresentação de álibi inconsistente com as provas até o momento colhidas", registrou o juiz.

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No despacho, Moro fez menção a um outro publicitário, alvo do processo do Mensalão, que acabou absolvido. "A apresentação de um álibi inconsistente é um indício de agir doloso, pois quem recebe valores de origem e natureza criminosa de boa­fé, desde logo admite o fato com todas as suas circunstâncias. O exemplo óbvio consiste na absolvição, por falta de prova do agir doloso, de José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, conhecido como Duda Mendonça, e de sua sócia, Zilmar Fernandes da Silveira, pelo crime de lavagem de dinheiro na conhecida Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal."

"Mesmo tendo ambos (Duda e Zilmar) comprovadamente recebido valores provenientes de crimes de peculato e de corrupção praticados por Marcos Valério Fernandes de Souza (operador do Mensalão) e outros, foram ambos absolvidos por falta de dolo. Um dos elementos probatórios levados em consideração foi a admissão, desde o início, por José Eduardo Cavalcanti de Mendonça do fato com todas as suas circunstâncias, o recebimento dos valores para campanhas eleitorais no Brasil com recursos não contabilizados, afirmando desconhecer a origem criminosa. No caso presente, porém, a apresentação de um álibi, em cognição sumária, incompleto e aparentemente inconsistente, dificulta, em princípio, a desconsideração do agir doloso."

Pesou na decisão do magistrado a constatação da Polícia Federal de que João Santana, na mesma data de cumprimento dos mandados de busca e apreensão expedidos na Operação Acarajé, 22 de fevereiro, excluiu sua conta no Dropbox vinculado ao endereço eletrônico jsantafilho@uol.com.br .

Segundo a PF, às 17h18 de 22 de fevereiro, dia da deflagração ostensiva da 23.ª fase ostensiva da Lava Jato, excluiu sua conta no Dropbox - serviço de armazenamento e compartilhamento de arquivos na nuvem (cloud computing), possibilitando a sincronização de diversos aparelhos eletrônicos com a referida conta (celulares e computadores).

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"Considerando a data da providência, a medida tinha a finalidade provável de impedir o acesso das autoridades policiais ao conteúdo armazenado em nuvem junto aquele endereço eletrônico, já que a interceptação ou quebra de sigilo telemático é recurso usualmente empregado nas investigações policiais modernas", destacou Sérgio Moro. "Em termos atuais, apagar os arquivos em nuvem equivale a destruir documentos que podem interessar à investigação. A conduta tomada por João Santana, de, em cognição sumária, promover a eliminação de arquivos eletrônicos, ou seja, destruir provas, indica risco à investigação ou à instrução caso seja colocado em liberdade."

O juiz ressaltou que não vislumbra medidas cautelares alternativas à prisão preventiva como suficientes para afastar os riscos à ordem pública ou à instrução 'considerando ainda a gravidade em concreto dos crimes, 'com envolvimento prolongado dos marqueteiros em corrupção e lavagem de dinheiro, além de fraudes eleitorais'.

Moro lembrou que havia rejeitado pedido anterior da PF e da Procuradoria da República para decretação da prisão preventiva do casal. "Consignei que havia uma expectativa de que João Santana e Monica Moura, deflagrada a operação, pudessem esclarecer a natureza e a origem dos depósitos efetuados na conta em nome da offshore Shellbill ou pelo menos evidenciar que teriam recebido esse numerário de boa­ fé. Entretanto, ao contrário do esperado, João Santana e Monica Moura apresentaram um álibi que é, em cognição sumária, inconsistente com a prova documental já colhida e que revela pagamentos subreptícios a eles pela Odebrecht muito superiores aos admitidos e que remontam a 2008, estendendo-­se até 2015, além de incluir também pagamentos subreptícios em reais, tornando sem muito sentido a alegação de que os depósitos no exterior seriam pagamentos por campanhas no exterior."

Moro deu razão à defesa dos marqueteiros de que o casal 'difere de outras pessoas envolvidas no esquema criminoso da Petrobrás'.

O juiz apontou para ex-dirigentes da estatal recebedores de propinas do esquema de cartel e corrupção que se instalou na estatal entre 2004 e 2014. "Afinal, (João Santana e Monica Moura) não são agentes públicos beneficiários dos pagamentos de propina, como Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás) ou Renato de Souza Duque (ex-diretor de Serviços), nem são dirigentes das empreiteiras que pagaram propina, como os confessos Dalton dos Santos Avancini (Camargo Correa) e Ricardo Ribeiro Pessoa (UTC Engenharia), para ficar em alguns exemplos."

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Moro finalizou com uma referência ao pagador de propinas Zwi Skornicki, também alvo da Acarajé. "Ainda assim (João Santana e Monica Moura) receberam recursos vultosos, de maneira subreptícia, das mesmas fontes de pagamento de propinas para agentes da Petrobrás, especificamente da conta Deep Sea Oil Corporation, offshore controlada por Zwi Skornicki, e das contas Klienfeld Services e Innovation Research, offshores controladas pela Odebrecht. Nessa perspectiva, podem ser responsabilizados como partícipes do crime de corrupção passiva, já que destinatários de recursos provenientes de acertos de propinas entre as empreiteiras e agentes da Petrobrás, ou por lavagem de dinheiro, por terem utilizado meios subreptícios, a conta secreta em nome da offshore Shellbill, para receber produto de corrupção praticada por terceiros."

COM A PALAVRA, A DEFESA DE JOÃO SANTANA E MONICA MOURA

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Polis Propaganda e Marketing declarou:

"A respeito da decisão do juiz Sergio Moro de converter as prisões temporárias de João Santana e Monica Moura em regime preventivo a defesa informa que considera injusta a decisão e que serão tomadas medidas para restaurar a legalidade."

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