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Moro diz que provas da Suíça são legais e manda seguir ação contra Odebrecht

Juiz da Lava Jato reabre prazo para alegações finais das defesas dos executivos da empreiteira e diz que 'buscam apenas ganhar mais tempo'

Foto do author Fausto Macedo
Por Ricardo Brandt , Fausto Macedo e Mateus Coutinho
Atualização:

Sede da empreiteira foi alvo de buscas. Foto: Marcos Bezerra/Futura Press

O juiz federal Sérgio Moro rechaçou nesta quarta-feira, 10, estratégia da defesa de um dos executivos ligado à empreiteira Odebrecht, Márcio Faria, e negou pedido de exclusão dos autos da Lava Jato de documentos bancários da conta na Suíça em nome da Havinsur S/A - offshore que tem como beneficiária econômica e controladora a Odebrecht, segundo o Ministério Público Federal.

Moro determinou que o processo contra a maior empreiteira do País tome seu rumo. No dia 2 de fevereiro, o juiz havia determinado a suspensão do prazo para entrega das alegações finais dos defensores dos réus.

Após ouvir manifestação do Ministério Público Federal e dos advogados de Márcio Faria, preso desde 19 de junho de 2015 na Operação Erga Omnes, Sérgio Moro mandou seguir a ação.

"Denegado o pedido, deve-se retornar à fase de alegações finais", assinalou o magistrado.

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Para tentar excluir dos autos os documentos bancários suíços, a defesa alegou que a Justiça do país europeu havia reconhecido que o envio dos extratos não foi realizado pelas vias regulares da cooperação jurídica internacional.

Essa argumentação, porém, não foi acolhida por Moro, que escreveu. "No fundo, a Odebrecht, seus executivos e seus advogados, ao mesmo tempo em que deixam de explicar nos autos ou em suas inúmeras manifestações na imprensa os documentos alusivos às contas secretas, buscam apenas ganhar mais tempo, no que foram bem sucedidos considerando a decisão da Corte Suiça, mas isso somente em relação aos procedimentos na Suíça, que terão que ser corrigidos, sem qualquer, porém, afetação ou reflexo, como também decidiu expressamente aquela Corte Suíça, da possibilidade de utilização dos documentos nos processos no Brasil."

O juiz da Lava Jato ignorou outro argumento da defesa. "Quanto às demais alegações de que ele (Márcio Faria) e a Odebrecht seriam vítimas de uma espécie de conspiração universal, são desnecessários comentários do Juízo."

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Ele destacou que a ação penal que envolve os executivos ligados à empreiteira apura crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. "Dirigentes da Odebrecht teriam, principalmente, efetuado o pagamento de milhões de dólares e reais em vantagem indevida para executivos da Petrobrás. Para tanto, teriam utilizado contas secretas em nome de offshores no exterior, realizando transferências em favor de outras contas secretas em nome de offshore no exterior e que seriam controladas pelos executivos da Petrobrás. Parte relevante do acervo probatório consiste na documentação parcial dessas contas e de comprovantes bancários das transferências havidas a débito de contas controladas pela Odebrecht."

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[veja_tambem]

Sérgio Moro enfatizou que 'apesar do reconhecimento do erro procedimental suprível por parte do Ministério Público Suíço, a Corte Suíça não proibiu as autoridades brasileiras de utilizar os documentos, nem solicitou a sua devolução'.

"Pelo contrário, denegou expressamente pedido nesse sentido da Havinsur/Odebrecht. O erro procedimental deve ser corrigido na Suíça, sem qualquer relação com os procedimentos no Brasil. O erro procedimental não é suficiente para determinar a ilicitude da prova, já que suprível. Não se trata aqui de prova ilícita, ou seja produzida em violação de direitos fundamentais do investigado ou do acusado, como uma confissão extraída por coação, uma busca e apreensão sem mandado ou uma quebra de sigilo bancário destituída de justa causa. Há apenas um erro de procedimento, na forma da lei Suíça e suprível também nos termos da lei Suíça e da decisão da Corte Suíça."

Defesa. Por meio de nota, a defesa de Marcio Faria informou que protocolou petição na manhã desta quarta-feira, na Justiça Federal, em que "reafirmou que o envio das provas 'foi ilegal'" e que "não se tratou de um mero 'erro procedimental na transmissão de documentos'".

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"Disse ainda que a Suíça não 'deu carta branca para nosso país' utilizar os documentos livremente. Ao contrário, as próprias autoridades suíças haviam alertado o Brasil, no mesmo dia em que os documentos aqui chegaram, para a existência de uma exceção que impediria o seu uso em processos brasileiros. Essa exceção é exatamente o procedimento ilegal de cooperação que a Suíça chama de 'cooperação selvagem', e que o Tribunal Penal Federal daquele país, na decisão do mês passado, reconheceu ter acontecido."

COM A PALAVRA, DORA CAVALCANTI E RAFAEL TUCHERMAN, PELO EXECUTIVO MÁRCIO FARIA

Roteiro de uma ilegalidade

A manifestação do Ministério Público Federal sobre a decisão do Tribunal Federal Penal Suíço, que decidiu pela Ilegalidade da remessa dos documentos bancários ao Brasil, não refuta seu impacto evidente na ação penal em curso. Apesar do tom agressivo e desrespeitoso em relação ao trabalho da defesa, o MPF admite que a Procuradoria suíça terá que seguir o processo correto para tentar convalidar a ilegalidade da remessa dos documentos ao País.

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1. Ilegalidade. Nas palavras do MPF os documentos "foram recebidos em razão da cooperação passiva da Suíça". Assim, uma vez reconhecida pela decisão do Tribunal Suíço que a via da cooperação foi ilegal, desapareceu a origem lícita da prova, que por isso mesmo não pode ser usada. A Constituição brasileira prevê que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". O nexo indissociável entre os documentos e o meio ilícito de sua obtenção é o que basta para serem eles considerados prova ilícita. É manifestamente impossível autorizar o uso de prova ilícita sem rasgar a nossa Constituição!

2. Cortina de fumaça. O MPF qualificou de modo ofensivo o trabalho da defesa, buscou confundir a questão com teses jurídicas heterodoxas e atribuiu à decisão estrangeira conclusões que dela não fazem parte, desvirtuando seu conteúdo. Não negou, porém, que por força da decisão do Tribunal Suíço o Ministério Público daquele país está sendo obrigado a seguir o processo legal que deveria ter sido respeitado desde o início, permitindo que as empresas descritas na denúncia como "offshores" da Odebrecht possam se defender e dar explicações sobre suas atividades. O procurador suíço está tentado remediar a ilegalidade que cometeu!

3. No presente, nada muda. Como reconhecido na própria manifestação do MPF, somente se e quando a Procuradoria suíça lograr convalidar a ilegalidade que praticou será possível cogitar do aproveitamento da referida rogatória passiva. Se o Procurador suíço não conseguir demonstrar que os requisitos materiais para a cooperação estão presentes no caso, o pedido de assistência será negado e os documentos terão que ser devolvidos para a Suíça em definitivo. Enquanto isso, os acusados não podem ser obrigados a se pronunciar sobre documentos obtidos por meio ilícito, pois nossa Constituição e o artigo 157 do Código de Processo Penal vedam o uso da prova ilícita e também da prova obtida por meio ilícito.

4. Violação a direitos fundamentais. A decisão suíça analisou a conduta do Procurador Stefan Lenz e concluiu que ela afrontou o direito de defesa da parte atingida, seu direito a uma decisão judicial e a um recurso contra tal decisão. Tais garantias individuais - ao direito de defesa, ao duplo grau de jurisdição e de acesso à Justiça - estão inscritas em cláusulas pétreas da nossa Constituição. Não se trata, assim de mero "erro de procedimento", ou de mera violação de "normas internas e burocráticas sobre cooperação internacional", como querem fazer crer os procuradores brasileiros;

5. Atalho ilegal - a cooperação selvagem. A decisão suíça concluiu que o procurador Stefan Lenz sabia que a Força-Tarefa brasileira buscava, por meio de pedidos oficiais, ter acesso aos detalhes das contas bancárias que fizeram pagamentos em favor de Paulo Roberto Costa e Renato Duque, dentre outros. Quando o procurador Lenz mandou documentos à Força-Tarefa por meio da tal carta rogatória passiva, impedindo que os titulares das contas se manifestassem e obstando que a Justiça suíça analisasse se a cooperação poderia ser realizada, burlou as leis federais que regem esses processos na Suíça, fazendo um atalho ilegal. Este atalho é conhecido como cooperação selvagem!

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6. Carimbo não mente. Será que o procurador suíço sabia da urgência dos colegas brasileiros em obter documentos novos pois precisavam oferecer denúncia contra os acusados presos até o dia 24.07.2015 ou tudo não passou de mera coincidência? O MPF não estranhou o fato de uma carta rogatória passiva, com carimbo de urgente, ter ficado absolutamente parada por 8 meses?! Os procuradores brasileiros nem sequer atenderam o despacho do juiz para explicar pontos por ele considerados como essenciais ao cumprimento da rogatória passiva vinda da Suíça. Depois que se prestou a servir de meio ilícito de introdução de prova no Brasil, a carta rogatória passiva - antes tida por urgente - ficou totalmente abandonada!;

7. A inexistente boa-fé. A decisão da corte suíça jamais examinou a conduta do MPF brasileiro, de modo que não é verdade que tenha estabelecido sua boa-fé. Os procuradores insistem que desconheciam a ilegalidade do procedimento e que tudo não passou de uma coincidência. Entretanto, depois de ter feito nada menos do que 11 pedidos para aclarar a chegada abrupta desta carta rogatória passiva em julho de 2015, a defesa finalmente descobriu que a Suíça informara ao Brasil desde aquela época a existência de uma exceção ao uso da prova, justamente a exceção à cooperação selvagem. Eis aí o segredo guardado a sete chaves que fez com que o MPF mudasse radicalmente seu discurso ao longo do tempo!

8. Recusa à exibição dos documentos. Restou claro porque houve recusa em exibir o documento suíço que deu suporte à afirmação do DRCI no sentido de que não haveria restrição alguma ao uso da prova no Brasil. Na verdade, a restrição à cooperação selvagem constava sim da comunicação suíça enviada ao Brasil, apenas foi suprimida do oficio enviado em 21.07.2015 ao Procurador Deltan Dallagnol, e usado como base para a decisão de compartilhamento. Não era verdade que a Suíça autorizava o uso sem limitações de documentos anexados a uma carta rogatória passiva!;

9. Resposta equivocada. A defesa insistiu em esclarecimentos sobre o seu teor e ainda recebeu resposta equivocada, trocando-se a exceção que trata de impedir a cooperação selvagem por uma outra exceção contida no tratado de cooperação. A exceção foi, primeiro, suprimida, depois, substituída por outra, irrelevante neste caso. Somente agora com a decisão do Tribunal Suíço é que ficou inequívoco que a vedação ao uso de documentos encaminhados em cooperação selvagem já havia sido informada desde o início aos brasileiros. Desta forma, a decisão do juiz que autorizou o uso na denúncia dos documentos encaminhados com a rogatória foi baseada em uma premissa falsa!

10. O que a defesa demonstrou. Durante o processo, a defesa logrou demonstrar a seriedade das comissões de licitação e a inexistência de superfaturamento nos contratos com a Petrobras mencionados na denúncia. Na fase adequada para se pronunciar sobre o mérito - as alegações finais -, demonstrará ainda que a acusação é tão falaciosa que não foi corroborada sequer pelos próprios delatores. Quanto aos documentos bancários vindos da Suíça, Márcio Faria já afirmou que nunca ouviu falar dessas empresas offshore e nem das contas mencionadas na denúncia. Também esclareceu que jamais ordenou pagamentos feitos a partir de contas da Construtora Norberto Odebrecht e da OSEL nos Estados Unidos. A defesa não quer fugir do mérito das acusações. Nem por isso deve concordar com a admissão de provas ilícitas no processo!

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