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Moralidade do mercado e natureza humana

Por Elton Duarte Batalha
Atualização:
Elton Duarte Batalha. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A necessidade de reformas trouxe à tona a interminável discussão acerca da liberdade que deve existir no exercício da atividade econômica e o papel a ser cumprido pelo Estado em tal seara. Ponto importante a ser ressaltado nesse debate diz respeito à relação entre a natureza humana e o mercado. Questões existenciais devem ser analisadas no bojo do panorama econômico que se busca construir no País.

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Além de aspectos financeiros, as relações mantidas no seio do regime capitalista são intrinsecamente ligadas à essência humana, pois permitem que o indivíduo persiga os próprios interesses da maneira que melhor lhe aprouver e conforme as respectivas habilidades. A liberdade na construção de vínculos que sejam adequados a cada um permite, portanto, o desenvolvimento da personalidade, essencial para a concretização da dignidade humana. Ao governo, em respeito à referida natureza do ser humano, cabe regular o sistema de modo a fornecer ambiente em que haja segurança jurídica para que o jogo econômico seja praticado de forma idônea.

Há vínculo insofismável entre capitalismo e democracia, dado que tais elementos apresentam a liberdade como denominador comum. Sem esta, não há espaço para diálogos e intercâmbios que constituem a base da inovação destruidora, nos termos de Luc Ferry, ou destruição criativa, nas lições de Schumpeter. A criação de redes de contatos e informações são típicas da vivência democrática e plataformas de fenômenos disruptivos no campo econômico. O fechamento relacional de sistemas totalitários, como demonstrou fartamente a história do século 20, empobrece eticamente quaisquer sociedades, além de dificultar a ruptura de padrões econômicos devido ao menor contato com realidades diversas. É a fricção causada pelo incômodo da diferença que constitui a força motriz para a renovação de padrões, fomentando saltos tecnológicos e comportamentais. O oxigênio do pulmão democrático é fornecido pelas saudáveis trocas realizadas nas veias capitalistas.

A virtude ética do mercado, como ressalta o pensador português João Pereira Coutinho, premia aspectos como disciplina, honestidade e confiança, uma vez que tais fatores permitem o melhor funcionamento das relações mantidas no âmbito dos vínculos mercantis. Na busca dos interesses pessoais, as demandas de outras pessoas são devidamente atendidas na consagrada imagem produzida por Adam Smith na obra A riqueza das nações. O respeito à manifestação de vontade dos agentes econômicos jamais será igualado, sob a perspectiva moral, à planificação da economia pelo ente estatal, mesmo que tal planejamento centralizado produzisse melhores efeitos no campo material, algo que não ocorre na prática, como demonstra fartamente a experiência histórica. Sendo o ser humano um fim em si mesmo, conforme sustentava Kant, não se justifica a submissão da liberdade de atuação de um indivíduo à férrea vontade estatal e a seus imperativos econômicos na busca de uma suposta versão edênica de existência. O pragmatismo capitalista colide com a utopia típica da visão romântica de quem preconiza a superioridade moral da interferência estatal na busca de um suposto bem coletivo decidido por um grupo de burocratas ou por uma figura política a quem o futuro da comunidade é confiado. A vida social, dotada de grande complexidade, impõe-se de modo inelutável a construções racionalistas que não consideram as nuances da concretude cotidiana.

A humildade e a reverência diante da intrincada rede de relações construídas no mercado devem ser louvadas, pois reconhecem na realidade a melhor bússola na edificação de uma sociedade em que, além da criação de riqueza, busca-se respeitar a legítima aspiração humana de dar vazão à personalidade pelo exercício da livre escolha que não prejudique, por natureza, o concidadão. Eventuais desvios de conduta devem ser atribuídos ao caráter do indivíduo, não ao sistema de relações econômicas em que a pessoa age e está inserida. A liberdade exercida no mercado é uma das facetas visíveis de toda comunidade que se quer democrática, pois permite que a dignidade humana resplandeça em todo o seu vigor.

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*Elton Duarte Batalha é professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP

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