O ministro Alexandre de Moraes, no Inquérito 4.781/DF, que tramita em sigilo, considerou a existência de fake news que atingem 'a honorabilidade e a segurança do STF', especialmente a 'postagem reiterada em redes sociais de mensagens contendo graves ofensas a esta Corte e seus integrantes, com conteúdo de ódio e de subversão da ordem'.
Houve um mandado de busca e apreensão de dispositivos eletrônicos relacionados com a disseminação das supracitadas mensagens 'para colher elementos de prova' e o bloqueio das redes sociais dos envolvidos.
Antes disso, foi determinado que publicações jornalísticas online retirassem do ar notícias que citavam membros do STF. Para o ministro Alexandre de Moraes, houve 'claro abuso de conteúdo'.
A esse contexto acrescente-se a velocidade de disseminação dos conteúdos na internet e o aumento exponencial de softwares não confiáveis - que são utilizados para disseminar notícias falsas, as quais podem provocar efeitos nefastos em diversos procedimentos do regime político democrático e na própria acepção atribuída ao verdadeiro pela sociedade. E não para por aí.
Há consequências, às vezes até irreversíveis, que a propagação irrestrita das fake news provoca à reputação de pessoas e instituições. Assim, posiciona-se frente à uma colisão, conforme a situação, entre a liberdade de imprensa, manifestação do pensamento e a proteção aos direitos da personalidade e o direito à informação confiável.
O sopesamento usado na colisão entre princípios deve levar em conta alguns fatores.
No caso concreto, elaboram-se juízos racionais sobre a intensidades de intervenções, graus de importância e relacionamento entre os princípios. Assim, quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, maior terá que ser a importância de satisfação do outro. E ainda: a colisão entre direitos ou entre direitos e bens jurídicos.
Na ADIN 4.815, o STF entendeu ser inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras literárias ou audiovisuais - em razão dos direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística e produção científica.
Na ADPF 130, em que se declarou que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, ficou consignado que a plenitude da liberdade de imprensa consiste em categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia.
E, por isso, foi um reforço às liberdades de manifestação do pensamento e de informação, de modo que em um juízo racional de ponderação entre os blocos de bens da personalidade que dão conteúdo à liberdade de imprensa e aquele dos direitos à imagem, honra, intimidade e vida privada, precede o primeiro, para incidir a posteriori o segundo (direito de resposta e responsabilização).
Nesse contexto, o ministro Alexandre de Moraes, ao determinar a retirada do ar das notícias, justificou a intervenção do Judiciário justamente por esse sopesamento.
Ele declarou que a 'proteção constitucional da exteriorização da opinião' não representa 'isenção de eventual responsabilidade', a qual sempre deverá ser examinada 'a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação'.
Ora, muitas são as razões que poderiam ser elencadas para esses acontecimentos terem inflamado a sociedade.
Essas razões atravessam a judicialização das relações sociais, a crise de representatividade e o exercício ativo de algumas funções por parte do Judiciário.
É possível até um questionamento reflexivo acerca de deter-se a última palavra sobre o que é o direito, ou de uma hegemonia hermenêutica, destoando-se de uma perspectiva de construção criativa de novas possibilidades alinhadas a dinâmica social.
Certo é que independentemente de qual perspectiva se adota, a mesma razoabilidade e proporcionalidade orientam o exame das fake news na mais alta Corte de Justiça do País.
Sem sombra de dúvidas, se está diante de um hard case que não admite análises apressadas, mas direciona a observação ao contexto amplo no qual devem ser resguardadas as liberdades fundamentais do cidadão, as garantias constitucionais do processo e a reafirmação intransigente da democracia e dos valores com ela permanentemente fixados.
É preciso acompanhar a tramitação dos feitos, principalmente da ADPF 572, confirmando a necessidade de segurança jurídica e estabilidade institucional para o crescimento econômico do País.
*Wilson Sales Belchior é advogado, sócio do Rocha, Marinho e Sales Advogados e Conselheiro Federal da OAB