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Moedas sociais

Por Carter Gonçalves Batista
Atualização:
Carter Gonçalves Batista. Crédito: Divulgação Foto: Estadão

Você sabia que além do Real, existem dezenas de outras moedas circulando neste momento no país? Refiro-me às moedas sociais, que são pensadas, instituídas e postas em circulação geralmente em comunidades carentes com o objetivo de desenvolver a economia local.

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Muitos desses projetos com moedas sociais recebem incentivos do Estado, porém, em sua grande maioria, eles são realizados pelas próprias comunidades para evitar que as pessoas gastem seu dinheiro em bairros e comunidades vizinhas, gerando, assim, o desenvolvimento da economia local com a maior circulação e distribuição da renda da comunidade pela própria comunidade.

Claro que quando se fala em renda ou em circulação de mercadorias e prestação de serviços, é quase impossível afastar da mente a ideia da tributação. Então, como ocorre a tributação das operações realizadas em moedas sociais?

Antes das respostas, cabem mais algumas informações relevantes. A moeda social é utilizada exclusivamente como um meio de troca, no que difere da moeda oficial que possui suas três funções clássicas (meio de troca, unidade de conta e reserva de valor).

Ademais, o uso da moeda social se restringe à comunidade que a instituiu (não podendo ser imposta em nenhuma condição), sempre observando o seu lastro, ou seja, para cada unidade da moeda social posta em circulação, o banco comunitário deve manter sob sua guarda o equivalente em moeda oficial para garantir e facilitar o seu resgate pelos seus clientes.

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Além disso, a moeda social é também uma importante ferramenta de democratização do crédito, uma vez que os bancos comunitários costumam emprestar valores em moeda social para indivíduos de comunidades carentes não possuidores de linhas de crédito em instituições bancárias tradicionais, com a certeza de que os valores financiados serão investidos na própria comunidade, alcançando-se dessa forma, também, o objetivo social do projeto.

A moeda social não se caracteriza por ser paralela à moeda oficial. Antes, a caraterística que a distingue é a complementariedade. Seu processo de produção, distribuição e os mecanismos que possibilitam sua circulação são levados a cabo pela própria comunidade, de forma que seu valor não está nela própria, mas na potencialidade de produzir trabalho, serviços e bens no seio do meio social em que foi implementada. A moeda social não está ligada a nenhum índice e é indiferente às flutuações cambiais do mercado, de maneira que não interessa a ninguém represá-la como forma de investimento. Ao contrário, seu valor surge nas trocas constantes entre as pessoas da localidade.

Em seu aspecto físico, na maioria dos casos se parece com as moedas convencionais e é impressa em papel moeda, inclusive com elementos de segurança para ajudar na sua identificação. Há outras experiências, no entanto, de moedas sociais instituídas de forma eletrônica que circulam por meio de cartões magnéticos.

Os interessados em se aprofundar mais no assunto, encontrarão em uma simples busca muitos exemplos de moedas sociais brasileiras e seus nomes pitorescos como Palmas, Sabiá, Ibaré, Maracanã, Semear, Cocal, Ita, Ribeirinho, Sol, Irauçuba, Tupi, Cajueiro e Castanha. No que diz respeito à tributação dos valores recebidos em moeda social, a solução é mais simples do que parece. As pessoas físicas que, por ventura, tenham auferido renda em moeda social em patamar superior ao limite de isenção do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), devem naturalmente proceder à declaração e, a depender do caso, até mesmo ao recolhimento mensal por meio do carnê leão. Contudo, como as moedas socais estão ligadas às comunidades carentes, fato é que, no mais das vezes, os valores recebidos estão abaixo da faixa da isenção do IRPF.

Em 2015, por exemplo, estavam sujeitos à tributação pelo IRPF os valores recebidos cuja soma anual foi superior a R$ 25.661,70. Assim, na hipótese de um contribuinte ter recebido o correspondente em moeda social a este valor, estaria sujeito à tributação, porém deveria fazê-la em moeda oficial como qualquer outra pessoa comum, com a facilidade de a moeda social, na quase totalidade dos casos, estar relacionada ao Real no câmbio de 1 para 1.

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No caso dos comerciantes e prestadores de serviço, o mesmo deverá ser observado, ou seja, deverão registrar os fatos geradores em sua contabilidade, levando em consideração a moeda oficial, uma vez que a moeda social não pode ser utilizada para o pagamento dos tributos devidos, já que sua validade, conforme já afirmado, se restringe à comunidade que a instituiu.

Em resumo, a moeda social cumpre um papel de destaque no desenvolvimento de centenas de comunidades carentes no Brasil, porém, no que diz respeito ao pagamento de tributos deve ser levado em consideração o que ela representa em moeda oficial, que ainda é a única que pode ser declarada, taxada e utilizada para o pagamento de eventuais tributos incidentes.

*Carter Gonçalves Batista, sócio em Nelson Willians & Advogados Associados. Coordenador do Contencioso Tributário. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

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