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Modificações na Lei de Improbidade Administrativa, para além da exigência de dolo

Por Ana Maria Belotto , Frederico Martins e Joana Siqueira
Atualização:
Ana Maria Belotto, Frederico Martins e Joana Siqueira. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Foi recentemente sancionada, sem vetos, a Lei nº 14.320/2021, que altera a Lei de Improbidade Administrativa. Os debates em torno de algumas das principais mudanças - exigência de dolo, legitimidade para propositura da ação etc. - certamente serão intensificados a partir da aplicação da norma às situações concretas.

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No entanto, existem diversas modificações que até o momento não têm chamado tanta atenção, mas cujos efeitos também serão de grande relevância não só para futuras ações de improbidade administrativa, mas também para processos que já se encontram em andamento.

Um tema que já vinha sendo amplamente discutido no Brasil é a problemática do processamento e punição de pessoas físicas e jurídicas pelos mesmos fatos, em esferas distintas e por diferentes autoridades, levantando debates relacionados a potenciais violações ao princípio do 'ne bis in idem' (proibição à dupla punição).

Explicamos: indivíduos ou empresas envolvidos em atos de que configurem improbidade administrativa podem estar sujeitos a processos e sanções não só no âmbito da lei de improbidade, mas também de natureza administrativa e penal. Por ser tema "multiplamente regulado" pelo Estado, há diversos agentes/entes da administração pública legitimados a investigar, processar e punir os que cometam tal ilícito.

O efeito prático dessa múltipla regulação é uma sobreposição de sanções (bis in idem), na medida em que a decisão proferida por uma autoridade seja desconsiderada por qualquer outro ente legitimado.

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O judiciário brasileiro já vem se deparando com esses tipos de casos.

Em decisão do Supremo Tribunal Federal de 15/12/2020 (2a Turma, Reclamação n. 41.557/SP), tratando especificamente sobre ação de improbidade administrativa, foi reconhecido, a partir das noções de independência mitigada entre as esferas, a vedação do bis in idem na relação entre direito penal e direito administrativo sancionador.

As mudanças trazidas à Lei de Improbidade Administrativa caminham no mesmo sentido. Foram introduzidos na lei diversos dispositivos que direta ou indiretamente buscam impossibilitar ou amenizar situações que podem levar à múltiplas punições para a pessoas físicas ou jurídicas pelos mesmos fatos, assim como a existência de decisões conflitantes (ou incoerentes) entre as diversas esferas e a respeito dos mesmos fatos.

Exemplificativamente, o artigo 3º, §2º e o artigo 12, §7º vedam a aplicação cumulativa, em face da empresa, das sanções previstas na Lei de Improbidade e na Lei Anticorrupção (ou seja, uma empresa sancionada nos termos da Lei Anticorrupção não estará mais sujeita ao sancionamento, pelo mesmo fato, pela Lei de Improbidade).

Além disso, o artigo 12, §6º e o artigo 21, §3º, §4º e §5º reconhecem a aplicação do princípio da independência mitigada entre as esferas, determinando que sejam consideradas, no âmbito das ações de improbidade: os efeitos de sentenças cíveis e penais que concluam pela inexistência da conduta ou negativa da autoria; a compensação entre sanções aplicadas em outros processos; e que sejam deduzidos também valores pagos, a título de reparação do dano, nas instâncias criminal, civil e administrativa.

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Ao nosso ver, as modificações acima descritas não só atendem ao princípio do ne bis idem, mas também preservam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que deve reger toda punição e sanção aplicada pelo Estado.

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Outro tema da lei que também passou importantes modificações foi a prescrição. No texto anterior da lei, o prazo prescricional variava de acordo com o vínculo detido pelo agente público acusado de improbidade (se ocupante de cargo efetivo, de cargo comissionado, ou mandato, por exemplo). Era comum ainda a aplicação da prescrição penal, consideravelmente maior, quando o ato de improbidade também caracterizava crime, a exemplo da corrupção, e desde que presentes certos requisitos legais.

A nova lei trouxe mais clareza para a questão da prescrição, estabelecendo regra única, não mais dependente do cargo do agente público. As ações de improbidade devem ser propostas em 8 anos a partir da ocorrência do fato ou do dia em que cessou a irregularidade, sob pena de prescrição. Além disso, a nova regra criou prescrições intercorrentes que podem ocorrer mesmo após o ajuizamento da ação, a depender do prazo que o Judiciário levar para condenar os réus ou julgar os recursos interpostos.

Até mesmo a investigação prévia do Ministério Público agora tem prazo para ser concluída. No máximo 2 anos, sob pena de arquivamento.

Em resumo, tanto a investigação quanto a ação de improbidade agora terão de tramitar mais rapidamente, evitando processos que se arrastam por décadas sem decisão definitiva acerca da responsabilização dos agentes.

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Serão diversas implicações das mudanças implementadas à Lei de Improbidade Administrativa, algumas mais controversas que outras. No entanto, é inegável que algumas alterações da Lei, tais como as acima destacadas, representam maior segurança jurídica e avanço na busca por uma atuação proba do Estado.

*Ana Maria Belotto, sócia do escritório FeldensMadruga, atua nas áreas de Direito Administrativo, Internacional e Compliance.  Participou da negociação de diversos acordos de leniência multijurisdicionais. Advogada habilitada para atuar no Brasil, Estados Unidos (NY Bar) e no Reino Unido

*Frederico Martins, consultor do escritório FeldensMadruga, com destacada atuação em Direito Administrativo, em especial em temas relacionados às Leis Anticorrupção e de Improbidade Administrativa, Direito Sancionador, licitações e contratos

*Joana Siqueira, advogada sênior do escritório FeldensMaduga, atua nas áreas de Penal Empresarial e de Direito Administrativo com foco na coordenação de estratégias de defesa em processos judiciais e administrativos

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