A discussão sobre a legalidade das colaborações premiadas volta nesta terça-feira, 5, para o centro do debate no Supremo Tribunal Federal. A Segunda Turma do STF, que reúne cinco dos 11 ministros da Corte, retoma o julgamento que envolve a delação premiada de Luiz Antônio de Souza, um ex-auditor do Paraná acusado de ocultar fatos e mentir para a Justiça. O acordo foi rescindido, mas depois ele e sua irmã, Rosângela de Souza, acertaram uma 'nova delação' com o Ministério Público, homologada pela Justiça.
Os processos não estão relacionados à Operação Lava Jato, mas integrantes da Corte avaliam que a análise do caso pode trazer reflexos em outra delação controversa - a dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo J&F, que ainda aguarda uma definição do plenário do STF.
Em maio deste ano, a Segunda Turma começou a discutir a delação de Luiz Antônio de Souza e Rosângela de Souza, investigados no âmbito da Operação Publicano.
A apuração se debruçou sobre delitos cometidos em Londrina e em Curitiba por uma organização criminosa de auditores da Receita Estadual do Paraná contra a administração pública.
Tanto o caso dos irmãos Souza, quanto as delações do grupo J&F, levantam a seguinte discussão: se um vício na formação do acordo de colaboração premiada pode ou não anulá-lo como um todo, invalidando inclusive as provas colhidas pelos investigadores.
No caso da delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, um dos pontos contestados é a atuação do ex-procurador Marcelo Miller, acusado de fazer jogo duplo e aproveitar a atuação na Procuradoria-Geral da República (PGR) para ajudar executivos da J&F nas negociações do acordo de colaboração premiada.
A ação penal contra Miller acabou trancada pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1).
No caso de Luiz Antônio, a Justiça concluiu que o ex-auditor descumpriu cláusulas do acordo, ao apresentar mentiras e omitir fatos, além de cometer novos crimes após a celebração do acordo. O delator também acusou promotores de manipularem suas declarações.
"Não podemos fechar os olhos diante desse cenário e da falta de limites. A Lei 12.850/2013 (que trata sobre as colaborações premiadas) veio bem ao trazer uma regulamentação inicial a um cenário que era de completa omissão. Contudo, diante da complexidade das relações que se colocam em uma Justiça Criminal Negocial, precisamos avançar para traçar critérios adequados à limitação de abusos", disse o relator do caso, ministro Gilmar Mendes.
Uma das vozes mais críticas dentro do Supremo à atuação do Ministério Público, Gilmar destacou que o novo acordo de colaboração do ex-auditor continha até cláusulas para que ele se retratasse das acusações feitas aos promotores e confirmasse declarações prestadas anteriormente na investigação.
"Além disso, os interesses da sociedade são claramente violados ao se homologarem acordos de colaboração premiada ilegais. Por meio de tais 'negócios jurídicos' o Estado se compromete a conceder benefícios, como a redução de pena ou até o perdão judicial, para incentivar réus a colaborarem com a persecução penal. Não se pode aceitar que o Estado 'incentive' investigados criminalmente com benefícios ilegais ou ilegítimos", acrescentou.
Na ocasião, o ministro votou para anular o segundo acordo de colaboração premiada firmado pelos irmãos Luiz Antonio e Rosângela de Souza, reconhecendo inclusive a ilicitude das declarações prestadas pelos delatores.
Gilmar também quer que o Conselho Nacional do Ministério Público e a Corregedoria do Ministério Público do Paraná esclareçam a atuação de membros da instituição nos acordos.
O julgamento será retomado nesta terça-feira com o voto do ministro Edson Fachin, que havia pedido vista (mais tempo para análise) em maio, suspendendo a discussão. Além do relator da Operação Lava Jato, faltam se posicionar os ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e a presidente da Segunda Turma, Cármen Lúcia, que integram a Segunda Turma do STF.
Parecer. Em parecer enviado nesta segunda, 4, ao STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a extinção dos acordos de colaboração premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além dos executivos Ricardo Saud e Francisco de Assis.
"No âmbito da colaboração premiada, instituto próprio do direito processual penal consensual, não há espaço para espertezas, ardis e trapaças, na exata medida em que estas não são aptas a conviverem com a necessária cooperação, lealdade e confiança mútua que devem reger as relações entre as partes", escreveu Aras.
Para Aras, a situação envolvendo Miller "longe de ser menor ou apenas pontual, na verdade traduz-se em comportamento de extrema deslealdade e má-fé, sendo irremediável face à evidente quebra de confiança que ela produz".
Não há previsão de quando o plenário do Supremo vai julgar o caso dos delatores da J&F.