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Ministro Fachin: o senhor já foi a uma delegacia de polícia?

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Por Mário de Oliveira Filho
Atualização:
Mário de Oliveira Filho. FOTO: MOF&SF Foto: Estadão

A Suprema Corte, 2.ª Turma, dará continuidade ao julgamento de agravo regimental no dia 12/3, sobre a necessidade de advogado na fase de inquérito, atendendo ao pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, após o voto pelo ministro Fachin, pela desnecessidade a atuação da defesa na esfera policial, não admitindo a intimação do defensor para acompanhar a oitiva de testemunhas.

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A Advocacia Criminal vem ao longo dos tempos sofrendo cada vez mais e com mais vigor, cerceamento de seu trabalho, em flagrante e indisfarçável prejuízo da pessoa alcançada justa ou injustamente por uma investigação criminal.

A investigação é a semente de futura ação penal, com suas consequências por demais conhecidas.

Não sei se o atual ministro Fachin, que um dia foi advogado, mas não um criminalista de carreira, tenha entrado numa delegacia de polícia para ter acesso a inquérito policial, ou apresentar um cliente para ser inquirido, ou participar de uma reconstituição, de um reconhecimento, ou para tomar uma amigável café.

Mas, aposto que não!

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Essa discussão, não pode se restringir aos limites das filosofias interpretativas de textos legais. Não!

A vivência profissional da realidade é pedra de toque.

Quem milita na Advocacia Criminal, seja medalhão ou iniciante, sabe das dificuldades de se exercer a profissão em defesa de alguém em delegacias de polícia, entraves esses que as faculdades não falam e os cursinhos de exame para OAB, não têm ideia.

A Lei Federal n.º 8.906/94, sofreu profundas alterações de ordens legislativa e prática, com reflexo direito na legislação processual penal, inovando o rol das combalidas nulidades processuais. Mas, se até a Constituição que deveria ser protegida por seus guardiães é posta de lado em nome de um interesse de ordem pública e de convicções pessoais... pobre lei federal...

Nulidade processual nos tempos de punitivismo exacerbado, de decisões de 1.º e 2.º graus pelos tribunais estaduais, com decisões baseadas em, "voto assim porque eu quero e entendo assim", sem dar a menor importância a julgados e súmulas mais progressivas e favoráveis aos direitos e garantias individuais, crescem conforme recrudescem a limitação e a extirpação de direitos tradicionalmente inseridos em nosso arcabouço jurídico.

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Exercer a Advocacia Criminal em delegacias de polícia, seja onde for, em qualquer estado do país, exige coragem, desenvoltura, conhecimento técnico e bênçãos abundantes dos céus.

A crônica policial é farta em noticiar praticamente todos os dias os absurdos praticados por policiais contra advogados no exercício de seu múnus público.

De desrespeito aos direitos e prerrogativas da Advocacia, à agressão física e as famosas prisões do "teje preso" por desacato, o Criminalista sofre toda (má)sorte de atuação de uma significativa parcela de policiais.

A prova arrecadada na fase policial se exaure em sua força probatória com o recebimento da denúncia, servindo daí em diante para sinalizar o rumo da instrução criminal.

Se assim não fosse, não haveria um artigo específico no Código de Processo Penal a dizer que essa prova isoladamente não pode fundamentar condenação; não haveria necessidade de ser refeita em juízo sob o crivo da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Tais princípios constitucionais se entrelaçam e se fundem num só, sendo inseparáveis.

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Quantas e quantas vezes testemunhas ouvidas no inquérito, em juízo apresentam outra e informam terem sido pressionadas na delegacia. Mas, isso é tido como mentira, sujeitando-as até a processo por falso testemunho.

Em juízo as testemunhas do inquérito caso não mantenham suas versões na polícia, sob a alegação de procedimentos abusivos por parte dos policiais, quase nunca recebem o devido crédito, e ao contrário, são severamente admoestadas tanto pelo presidente da audiência como pela acusação oficial.

Quantos investigados, sem a presença física de advogado em seus interrogatórios assinam confissões sob pressão, ou se mantém em silêncio, quando pretendiam falar?

E os reconhecimentos?

Recentemente um rapaz negro foi "reconhecido" como latrocida, a investigação policial estava encerrada com sucesso e o jovem encarcerado.

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Dias depois o pai do "latrocida reconhecido sem sobra de dúvidas", investigando por conta própria, conseguiu imagens de câmeras de segurança provando a inocência do filho.

Quantas e quantas histórias de desmandos, de corrupção policial, de constrangimentos impostos ao investigado são trazidas a público pela imprensa?

E os episódios que não chegam ao conhecimento do público?

A presença do advogado no inquérito policial, acompanhando a inquirição de testemunhas, na validação do interrogatório, da fiscalização dos atos policiais, é imprescindível até para garantir a credibilidade e a higidez daquilo que o ministro Fachin afirma ter "mero caráter informativo". Que caráter informativo qual o que! Essa expressão está despregada da realidade da "peça destinada à formação da opinio delicti do órgão acusatório, segundo o ministro.

Na esfera criminal não se é dado o direito da inocência, muito menos, e com maior razão, aos mais antigos na lida forense com poder de determinar os rumos de uma investigação policial.

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Alguém já viu um inquérito ser instaurado buscando provas da inocência de alguém?

Não se consegue ver ou entender qual a dificuldade, qual o problema, enfim qual o empecilho de se notificar por e-mail, WhastApp ou por telefone o defensor, da realização de inquirição de testemunhas, ou outro qualquer ato a ser praticado. Aliás, intimações já são feitas por WhastApp e por e-mail.

Qual o problema da presença do advogado na inquirição de testemunhas, se tudo será realizado dentro dos princípios éticos, morais e legais, que devem reger a todos, principalmente aqueles responsáveis pela incriminação de alguém?

Para essa pergunta, não há resposta fácil.

E não se invoque a desculpa esfarrapada da garantia dos trabalhos investigatórios, ou acabarão num próximo passo, queimando os livros de direito em praça pública.

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Como disse Batochio, "os advogados criminalistas e os arbitrários, são inimigos inconciliáveis".

O advogado criminalista é chato, pergunta, questiona, exige cumprimento da lei, não transige com suas prerrogativas e seus direitos, garante a integridade humana de seu cliente. Isso atrapalha alguns, e na mediocridade de outros tantos é um absurdo, defender "bandido".

A paridade de armas entre acusação e defesa, é uma piada, e de muito mal gosto, na verdade uma chacota!

O Ministério Público por "força" de uma Resolução, 181, do CNMP, avalizada pelo STF, pode instaurar investigação de cunho policial - Procedimento Investigatório Criminal.

O Conselho Federal da OAB, então também criou sua Resolução, 188/2018, instituindo e regulando a Investigação Defensiva.

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Prontamente artigos se multiplicaram criticando e "julgando" ilegal a investigação pelos advogados.

Ora, ora, onde está escrito que não pode?

A Justiça Militar em São Paulo, recentemente, atendeu a requerimento de advogados em defesa de um militar, determinando ao comandante de um batalhão o fornecimento das informações solicitadas pela defesa, com base no Provimento 188/2018 do CFOAB.

E com tudo isso querem simplesmente impedir a presença do advogado no inquérito policial? Tempos de estado de exceção com apoio de ministros do STF.

Ministro Fachin, vá a uma delegacia de polícia de qualquer lugar deste país, e se apresente como advogado, e requeira o direito de conversar pessoal e reservadamente com seu cliente preso em flagrante ou ter acesso a autos de inquérito sob segredo de justiça mesmo tendo procuração. Faça o teste.

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Afastar o advogado criminalista do inquérito policial é abrir o caminho para diminuir sua atuação e sua importância, em detrimento do Estado Democrático de Direito, em defesa da cidadania, da civilidade, uma vez que ele é o verdadeiro fiscal da lei dentro das delegacias de polícia durante as madrugadas acompanhando flagrantes, se impondo à famosa frase "aqui na minha delegacia é assim...", numa luta desigual e injusta. Porém, é isso que lhe move.

Bom julgamento, ministro Fachin!

*Mário de Oliveira Filho, advogado criminalista, ex-conselheiro OAB/SP, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas Seccional de São Paulo

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