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Militar chamada de 'galinha' e 'chuchuquinha' no quartel retornou ao cargo após decisão judicial

Sentença da Justiça Federal gaúcha, aplicada em 2014, foi premiada pelo Conselho Nacional de Justiça na categoria Direito das Mulheres do I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos

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Por Julia Affonso e Fernanda Yoneya
Atualização:

FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Alvo de assédio, uma militar foi reintegrada à Marinha após ser desligada sem o devido procedimento legal. Segundo decisão da Justiça Federal no Rio Grande do Sul, aplicada em 2014 e premiada em fevereiro passado pelo Conselho Nacional de Justiça, a militar foi tratada com desrespeito, deboche e machismo por seus superiores, com termos como "galinha" e "chuchuquinha'. A decisão judicial a favor da vítima venceu a categoria Direito das Mulheres do I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos.

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As informações foram divulgadas no site do CNJ. A entrega do prêmio ocorreu no dia 14 de fevereiro, na sede do CNJ, na presença da ministra Cármen Lúcia, presidente do Conselho e do Supremo Tribunal Federal.

Foram consideradas decisões em processos de primeiro e segundo graus, dadas por um juiz ou por colegiados, entre 25 de outubro de 2011 a 25 de outubro de 2016. Uma comissão julgadora de cinco membros, indicados pelo CNJ e pela SDH, afirmou em sentenças em 14 temas.

O concurso foi promovido pelo CNJ em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) do Ministério da Justiça. A iniciativa destaca o papel de juízes na defesa dos direitos humanos.

"É um reconhecimento que traz responsabilidade para a instituição, principalmente no momento atual, onde no mundo inteiro existe um mal-estar e uma resistência aos direitos humanos", disse Roger Raupp, um dos vencedores.

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Segundo a sentença, a mulher adquiriu distúrbio psiquiátrico durante o período em que esteve a serviço na Capitania dos Portos de Porto Alegre, 'onde o assédio moral fazia parte da sua rotina de trabalho' - até quando foi afastada de suas funções, três anos após ingressar na Marinha para oficial temporário, no cargo de pedagoga, em 2009.

A ação destaca que mesmo sem exercer comando hierárquico sobre a vítima, um capitão de outro setor revogava ordens dadas por ela a seus subordinados, na condição de encarregada de divisão própria. Cobranças indevidas também teriam sido feitas pelo oficial, que - de acordo com o processo na Justiça Federal gaúcha - costumava chamar a militar de 'chuchuquinha' e passar o braço sobre seus ombros. "Apesar de perseguir e pressionar a vítima, o militar a convidou várias vezes para saírem a dois, ora ao pé do ouvido, ora em público", diz o texto divulgado pelo CNJ. "Dizia à colega, noiva à época, que ninguém saberia."

Em certa ocasião, o então chefe da Capitania chamou a autora de 'galinha dos ovos de ouro'. O processo narra que na primeira sexta-feira de janeiro 2012, o comandante da Capitania mandou a oficial entregar um documento às 18h30, duas horas após o fim do expediente.

Como ela tinha um encontro com o noivo no mesmo horário, o capitão disse que cumpriria a tarefa e que ela fosse para casa. Logo após deixar a unidade, a militar recebeu ligação do superior, para saber sobre o documento. Contou que o colega fez a entrega, enquanto ela foi à padaria.

No dia seguinte, o comandante marcou audiência com a encarregada. Diante de quatro pessoas, o chefe exibiu filmagem dela tomando táxi para casa e, com base na mentira, aplicou pena de três dias de prisão. A militar tentou argumentar, sem êxito, que não causou prejuízo algum, nem agiu de má-fé. No mesmo momento, foi avisada que não teria o contrato renovado, no mês seguinte.

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Exames constataram que a pedagoga desenvolveu depressão após a punição. Perito consultado na ação atestou 'incapacidade total e temporária desde janeiro de 2012', com necessidade de medicação. A doença também foi diagnosticada por junta médica da Marinha, no afastamento. Com os pareceres, a oficial conseguiu ser reintegrada, para tratamento de saúde, em decisão liminar.

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No julgamento, em 2014, o chefe da unidade alegou ter seguido regulamento disciplinar do órgão - a subordinada mentiu sobre ter saído e não cumpriu o dever. Por ser a oficial de serviço no dia, ela também só poderia deixar o posto após a saída dele. A expressão 'galinha dos ovos de ouro', sustentou o réu, deveu-se ao fato de a seção da instrutora receber 70% do orçamento da capitania.

Por sua vez, o capitão disse não se lembrar de situação em que tenha revogado ordem dada pela oficial e que o contato com ela era profissional. Ele e o comandante, defendidos pela Advocacia-Geral da União, negaram qualquer desrespeito.

Nenhum argumento convenceu o juiz federal Roger Raupp Rios. "O conjunto da prova registra que, de fato, o tratamento do réu para com a autora (da ação) era debochado, machista, desrespeitoso', definiu o magistrado sobre o capitão.

"Testemunhas confirmaram o assédio. "Outras mulheres servidoras militares relataram um ambiente de deboche, relacionado ao gênero da autora, produzindo situações difíceis e sensação de autoritarismo. Tudo em manifesta e direta contrariedade ao Estatuto dos Militares", apontou o então titular da 4.ª Vara Federal de Porto Alegre.

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Os réus - União e os dois militares - foram condenados a pagar R$30 mil à vítima por danos morais. O juiz Roger Rios considerou o termo galinha 'expressão inegavelmente inadequada, independente do contexto'. Ele manteve a reintegração da oficial, pois 'a União não poderia ter licenciado a autora do serviço ativo sem prestar o devido tratamento'.

Para o magistrado, o afastamento não atendeu ao devido processo legal. "A autora cumpriu a pena antes mesmo de exercer seu direito de defesa."

Ao receber o prêmio Direito das Mulheres do I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, Roger Raupp declarou. "É um reconhecimento que traz responsabilidade para a instituição, principalmente no momento atual, onde no mundo inteiro existe um mal-estar e uma resistência aos direitos humanos."

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