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Meu exército, meu general

Por Rodrigo Augusto Prando e Luiz Fernando Prudente do Amaral
Atualização:
Rodrigo Augusto Prando e Luiz Fernando Prudente do Amaral. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Conforme noticiado, em recente decisão, o Comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira,  optou por não punir o General Eduardo Pazuello, ex-ministro da saúde, por sua participação em ato político promovido pelo presidente Bolsonaro. Consta que outros generais ficaram desgostosos com a decisão, visto que é vedado aos militares da ativa, por conta do regimento disciplinar do Exército, a participação em atos de natureza política.

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No referido ato, tanto Bolsonaro quanto Pazuello, estavam sem máscaras, contrariando protocolos sanitários. Em defesa de Pazuello foi argumentado que não houve nenhuma dimensão política no episódio, até porque o presidente não tem filiação partidária. Na verdade, segundo tal versão, o que se deu foi um simples passeio de motocicleta.

Obviamente, tal argumento - que foi acatado - integra mais uma narrativa fantasiosa. Sim, muitos dentre os que se aglomeraram sem máscaras eram motociclistas. O que importa para uma correta avaliação, contudo, é que todos se uniram, não por paixão pela vida em duas rodas, mas sim por Bolsonaro. Este, todos sabemos e cada vez mais constatamos, está em campanha pela reeleição desde o primeiro dia do mandato presidencial.

Sérgio Buarque de Holanda, em "Raízes do Brasil", explicou, acerca das relações afetuosas no Brasil, que temos o costume de usar o sufixo "inho" para suavizar as palavras e para que se tornem mais próximas do coração. Fazer uma prova pode ser difícil, mas uma provinha é sempre mais tranquila; tomar cerveja é uma coisa, uma cervejinha, outra bem mais agradável; futebol é esporte, futebolzinho é pura diversão com os amigos; e por aí vai. E, no bom uso do "inho", Bolsonaro, sempre muito sorridente entre seus apoiadores, apontou para o General Pazuello e decidiu chamá-lo de "meu gordinho". A admiração de Pazuello pelo mandatário é grande. O nível de obediência é militar. Afinal, segundo o general, nessa relação "um manda e o outro obedece". Sendo assim, ser o "gordinho" do presidente deve honrar o general em questão. Quiçá nem a mais elevada distinção honorífica - a Ordem do Mérito Militar - seria comparável a ser o "gordinho" do presidente, ao menos para o ex-ministro especialista em logística que foi nomeado para comandar o Ministério da Saúde e deu provas diuturnas de irrestrita submissão ao ocupante do Palácio do Planalto e pouca competência nos temas atinentes à saúde pública. Poucas vezes um ministro se sujeitou a tantas situações vexatórias em nome da lealdade ao presidente da República. Talvez por isso o general seja o "gordinho" de Bolsonaro, uma vez que, ao contrário de Mandetta e Teich, seu compromisso não é com a ciência e com a saúde dos brasileiros, mas sim com o Capitão e com tudo aquilo que por ele for determinado, ainda que contrário à ciência e à saúde da Nação.

Há muito que, sociológica e politicamente, Bolsonaro mistura assuntos de Estado com temas afeitos à família, na já conhecida indistinção entre os espaços público e privado que está arraigada na cultura política brasileira e, também, objeto de análise do citado Holanda. Também nisso o Capitão é o que há de mais velho na política nacional. Ele não quer apenas um exército para chamar de seu, ele quer o Estado todo com suas iniciais gravadas. A lógica é pueril: se ele manda, tudo deve ser como ele quer.

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Poucas vezes acompanhamos uma gestão tão pífia nos temas diretamente ligados a um Ministério. Difícil imaginar que alguém com experiência em gestão pública e mínimo estudo acerca dos temas ligados à Pasta para a qual foi nomeado consiga ter desempenho pior. Nesse aspecto, Pazuello parece ganhar de qualquer outro que tenha ocupado o mesmo cargo.

Segundo alguns jornalistas que cobrem a política e o cotidiano de Brasília, o Exército Brasileiro curvou-se ao presidente e isto marcará, de forma indelével, sua história. Qual é a sinalização simbólica dada aos demais militares, de patente inferior? Numa sociedade politicamente polarizada, o presidencialismo de confrontação que caracteriza o bolsonarismo levou as relações sociais e políticas ao extremo. Esgarçou o tecido social e as instituições democráticas. Como será a eleição vindoura, em 2022? Como reagirá o presidente, seus apoiadores e os militares no bojo do poder se, democraticamente, Bolsonaro não for reeleito? Será possível debater com alguém que porta um fuzil, que exerce, como assevera Weber, o monopólio legítimo da violência, representando o Estado?

Já surgem notícias, no âmbito das polícias militares de vários Estados brasileiros, de preocupante crise de disciplina e comando, segundo a qual a tropa parece não reconhecer a autoridade dos governadores. As eleições de 2022 serão, por certo, a maior prova para as instituições republicanas e para a democracia brasileira.

Será que após a ausência de punição a Pazuello o "presidente-candidato" já está pensando no sufixo "inho" para usá-lo num palanque ao se referir ao "meu exercitozinho"? Ninguém nessa história estava desavisado. Todos, especialmente o governo e os militares, sabiam onde estavam suas trincheiras. Escolheram embaralhar as coisas e aqueles que sempre tentaram esclarecê-las, tal como o general e ex-ministro Santos Cruz, foram e seguem sendo atacados pelos apoiadores do mandatário da vez.

Preocupa imaginar o que esses constantes tropeços podem gerar à democracia e à imagem das Forças Armadas. Estas não podem ser mergulhadas nesse caldeirão, cujos ingredientes aproximam-se, perigosamente, do populismo demagógico. No mais, as questões de Estado e de Governo reclamam razão, ponderação e decoro; decoro que, na oblíqua visão dessa "nova velha política", deve ser comportamento de maricas.

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*Rodrigo Augusto Prando, professor universitário. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia. Analista Efetivo do Canal Ligando os Pontos

*Luiz Fernando Prudente do Amaral, professor universitário. Jurista e Doutor em Direito. Analista Efetivo do Canal Ligando os Pontos

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