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Metaverso: uma análise sobre as perspectivas e implicações jurídicas

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Por Marcelle Dantas de Freitas e Maria Carolina Guarda Ramalho Barbosa
Atualização:
Marcelle Dantas de Freitas e Maria Carolina Guarda Ramalho Barbosa. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Há 30 anos, se fosse perguntado o que seria a internet e a chamada "rede", você saberia responder? Seria palpável e tangível o conceito de "conexões globais que permitem o compartilhamento instantâneo de dados entre dispositivos"? Possivelmente, não.

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Mas e se anos depois, com o início de sua popularização e real utilização, fosse apresentado o simples conceito de uma rede online que permite a comunicação e acesso a informações, para além dos livros e formatos físicos, utilizada em computadores e afins, ficaria mais fácil a sua compreensão? Provavelmente, agora a resposta seria positiva. 

O QUE É O METAVERSO?

De uma forma bem sintetizada, pode-se dizer que o metaverso é um upgrade da internet, um próximo passo para a comunicação e inteiração das pessoas no mundo virtual, onde o acesso às telas será transformado em uma experiência tridimensional.

Citado pela primeira vez em 1992, no livro Snow Crash escrito por Neal Stephenson[1], o metaverso seria o universo cibernético no qual as pessoas, para escaparem da realidade, poderiam criar personagens de si mesmas para explorar o "mundo" virtual.

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Desde o livro de Stephenson, diversas outras obras de ficção científica trataram do tema e exploravam a possibilidade de um novo universo, no mundo virtual. E, mais que isso, se transpuseram, em parte, à realidade. Com seus precursores em jogos eletrônicos de simulação de vida social, neles, os usuários possuem avatares, espécies de personas, que imitam a vida real ou adotam aparências completamente novas.

Ainda que esteja longe de ser um jogo, a concepção do metaverso a partir deles nos ajuda a trazer o tema de forma mais palpável à nossa realidade. Ou seja, a internet seria o universo do "jogo", sem barreiras de espaço-tempo e os "jogadores" seriam os avatares que criamos para ter acesso e vivenciar uma extensão de nossas vidas reais.

Assim, sendo o metaverso um conceito/uma ideia que já vem se tornando realidade - inclusive, já há escritórios de advocacia incluídos nesse meio - tudo o que há na internet pode ser "vivido" muito além de apenas o acesso a "um clique": o usuário pode modificar seu avatar como quiser, comprar, vender, se conectar com outros usuários, ir a shows, negociar etc. Tudo, claro, ainda em fase inicial.

No entanto, algumas dúvidas comuns giram nesse universo: onde o metaverso está/acontece/ocorre? Descrito como um upgrade da internet, tais interações podem ocorrer em espaços com tal destinação, acessados por meio de sites e aplicativos de realidade virtual em computadores, tablets, celulares e até em consoles de videogame. Levantaremos nesse artigo algumas reflexões sobre o tema. 

O METAVERSO NOS DIAS DE HOJE

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De início, deve-se ter em mente que o metaverso, como atualmente conhecido, se diferencia de um jogo pela finalidade. No momento, grandes passos vêm sendo dados em direção à real aplicação e utilização do conceito de metaverso por nós, envolvendo anos de pesquisa e um mercado de milhões de dólares.

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O conceito de metaverso vem se fortalecendo, primeiramente, no universo dos games. Um jogo do gênero Battle Royale, por exemplo, busca se sedimentar como uma verdadeira plataforma de entretenimento, para um público maior e diverso. Recentemente, no que antes era um mero jogo, foi possível assistir a shows e turnês de cantores famosos como Travis Scott e Ariana Grande, exclusivos, e personificados através de avatares que podiam inclusive interagir com os personagens do jogo.

Já a empresa controladora da maior rede social do mundo, pretende trazer tais interações de uma forma mais próxima ainda do virtual, em um espaço que que misture sociabilização, trabalho e entretenimento, atualmente em fase incipiente, denominado "Horizon Worlds". A empresa criou óculos de realidade virtual (VR), mouse de pulso (pulseira que reconhece comandos) e já apresentou o primeiro protótipo de "luva tátil", que permitirá que os usurários consigam sentir o toque de objetos virtuais. Tudo para que os avatares tenham experiências mais próximas das reais possíveis, no estilo de "Jogador nº 1" de Steven Spielberg.

Marck Zuckenberg classificou o metaverso como sendo um "tipo de híbrido entre as plataformas sociais que vemos hoje, mas um ambiente onde você está incorporado nele". Já Tim Sweeney, CEO de uma das maiores desenvolvedoras de jogos eletrônicos, definiu o metaverso como "uma espécie de playground online onde os usuários poderiam se juntar a amigos para jogar um jogo multiplayer como o Fortnite em um momento, assistir a um filme via Netflix no outro e levar os amigos para um test drive em um carro novo feito exatamente da mesma forma no mundo real e no virtual".

Mais próxima ao ambiente de trabalho, já foi anunciada a chegada de avatares 3D a um dos principais e mais utilizados aplicativos de reuniões online, em que os usuários poderão se reunir usando avatares multifunções ao invés do uso da câmera.

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E para provar que é muito mais do que um jogo ou algo distante de nossa realidade, uma empresa de artigos, roupas esportivas e de street style, arrecadou mais de 125 milhões de reais com a venda de coleção exclusiva por NFT's, acessadas no espaço do metaverso da empresa. Os usuários poderão testar a plataforma de forma antecipada, bem como garantir produtos físicos, ainda a serem lançados. Caminho similar seguiu uma famosa loja de artigos street style, mas, aqui, em parceria com uma plataforma de jogos online, realiza a venda e customização de tênis para os avatares, enquanto a maior varejista brasileira do ramo da moda abriu uma loja dentro de um jogo de Battle Royale. No metaverso, foram criadas, também, lojas de roupas 3D, onde os clientes podem provas as peças e comprá-las, também, em eventos "ao vivo".

Há também aplicações financeiras diversas no metaverso, como, inclusive, as próprias transações de criptomoedas, compras de NFTs e demais tokens. Ademais, há inovações como transações de terrenos virtuais em espaços como o Decentreland, construído na blockchain do Ethereum, onde os usuários interagem, compram e vendem bens digitais por meio de criptomoedas. Aqui, há lotes, registrados, que podem sofrer valorização monetária, bem como eventos exclusivos, como a "Metaverse Fashion Week". O maior grupo de varejo alimentar no Brasil, por exemplo, comprou um terreno virtual em um jogo virtual que possui metaverso baseado em NFTs, conhecido por efetuar parcerias com mais de centenas de marcas.

No Brasil, diversos escritórios de advocacia já se mobilizam no sentido de ingressar no metaverso, além de responderem consultas de clientes para auxiliar com regras de proteção de dados e de uso de bitcoins, bem como assessoria para implementação de marketplace de NFTs (propriedade digital de ativos digitais) e mineradoras de criptomoedas.

Há a intenção de possibilitar o pagamento dos serviços por meio de criptomoedas, bem como de viabilizar a realização de reuniões via avatares dos profissionais de forma a conectar e aproximar as pessoas, isto é, uma nova forma de conexão com os clientes.

Neste ponto, há debates quanto ao sigilo de informações e preservação de dados. Por isso, a recomendação, ao menos nesse primeiro momento, é de que seja um ambiente conservador no qual o cliente e profissional possam falar e interagir restrito ao conteúdo jurídico. 

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O METAVERSO NO AMANHÃ: PERSPECTIVAS E IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

Se hoje já visualizamos movimentações financeiras e insights rumo ao que se acredita que será o metaverso, fica aqui a dúvida se ele realmente se transformará nas expectativas criadas. Sairá realmente do formato segregado e incipiente? A ideia trazida realmente vingará? Tratamos aqui de um futuro não tão distante.

Os principais pontos a serem observados são os da operacionalização, de fato. Os óculos VR e luvas sensoriais devem ser aprimorados e barateados para uma utilização em massa. Já os avatares devem realmente agregar valor para sua utilização. Contudo, se passamos a maior parte do tempo online, não é difícil visualizar a real transposição de customizações e compras para o virtual.

Mas, caso queiramos que os moldes do metaverso no futuro sigam o planejado, é necessária a integração e verdadeira quebra de barreiras entre as empresas desenvolvedoras, para que os usuários possam se deslocar entre as plataformas com todo o seu patrimônio/ativos.

Para os otimistas, a maioria das reuniões de trabalho ocorrerão em ambiente tridimensional. Já nos estudos, alunos de diversos locais do mundo poderiam participar de uma viagem à Roma antiga, virtual, acessando detalhes do Coliseu com um gladiador equipado com inteligência artificial para responder perguntas. Um professor poderá substituir seus livros por um avatar que explicará o conteúdo e tirará inclusive as principais dúvidas, por uma extensão a ser paga anualmente. Estudantes de medicina poderão participar de simulações de cirurgias, complexas, mas virtuais. O céu é o limite.

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Mas toda inovação é uma faca de dois gumes e aqui não haveria de ser diferente. Dentre as implicações jurídicas ressaltamos a necessidade de observância e cumprimento dos termos de proteção de dados dos usuários (LGPD, no Brasil), eis que as plataformas terão dados infinitamente mais sensíveis dos que possuem hoje, como os costumes e basicamente uma cópia de tudo o que as pessoas fazem no âmbito pessoal.

Além disso, as questões de Propriedade Intelectual e Marco Civil da Internet serão muito debatidas. A quem pertencerá os avatares? Ao dono da plataforma ou ao usuário? E no caso de penalizações no âmbito cível? Quem responderá? Valerão as regras gerais da legislação estendidas ao metaverso ou bastará uma inserção nos termos de uso? Será necessária a criação de leis específicas? E, considerando-se que não haverá barreiras entre "países", qual o juízo competente e legislação aplicável? As normas e princípios do Direito Internacional Privado serão utilizados mais do que nunca.

Acreditamos que existirão normas e leis voltadas exclusivamente ao metaverso, bem como o aperfeiçoamento das regras de sigilo e privacidade de dados. Outro ponto que deverá ser observado e preservado será como as operações financeiras serão realizadas.

Não se pode esquecer do âmbito penal. No "Horizon Worlds", ano passado, uma usuária foi assediada verbalmente e sexualmente na plataforma. A legislação penal se aplica ao metaverso, ou haverá apenas uma sanção na plataforma ou um banimento? E os direitos personalíssimos, como ficam? E no que tange ao Direito do Consumidor, como será aplicado o direito de arrependimento, nesses casos?

A tributação não ficará de fora. Havendo geração de rendas milionárias, o Fisco certamente encontrará uma forma de cobrança, ainda mais com o pagamento em criptomoedas, que já foram legisladas, inclusive em casos de permuta.

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Mas ainda assim, surgem dúvidas. A tributação dos terrenos ficaria adstrita apenas às regras existentes de Ganho de Capital? Haveria algum tipo de incidência de IPTU? Em caso positivo, como seria notificado o detentor do terreno com construções? Seria cobrado da plataforma e repassado aos usuários? E se a prática de shows e desfiles de artistas se tornar rotineira e altamente lucrativa, o Fisco cobrará, por exemplo, ISS? Se sim, de quem?

Sendo uma extensão da vida real, todos os campos do direito deverão ser reanalisados. Todavia, caso a nova tecnologia vingue, acreditamos que os escritórios de advocacia serão altamente necessários para a assessoria de todas as questões acima e de outras infinitamente mais complexas, que surgirão.

O processo de adaptação de uma inovação não é rápido e só realmente se firma quando estamos inseridos nessa mudança. É completamente normal que pairem dúvidas que até então não possuam respostas. O que hoje estranhamos, amanhã, já é comum. Todavia, o metaverso vem como uma proposta impactante e no mínimo, tentadora, principalmente em um período pós isolamento social. Não há como precisar se realmente vingará, mas é interessantíssimo acompanhar os passos que vêm sendo tomados, principalmente os jurídicos sobre toda essa evolução. A vida imitando a arte não está tão distante, afinal.

*Marcelle Dantas de Freitas, advogada tributarista do Molina Advogados, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduanda em ciências contábeis pela FIPECAFI

*Maria Carolina Guarda Ramalho Barbosa, coordenadora do Contencioso Tributário do Molina Advogados, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialista em Direito Tributário pelo COGEAE-SP, gestora tributária pela FIPECAFI e mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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