Há pouco mais de um ano, a multinacional Accenture noticiou a criação do "The Nth Floor", ambiente de trabalho disponibilizado no Metaverso para os seus cerca de 500 mil empregados espalhados pelo mundo. Segundo a empresa, a intenção é que ele funcione como um verdadeiro escritório, onde seus profissionais consigam interagir em reuniões virtuais, ou mesmo em conversas descontraídas para descompressão.
Esse ambiente de trabalho virtual parece ser apenas o início de uma tendência irrefreável: a migração paulatina do trabalho para o Metaverso. Prova disso está na pesquisa encomendada no fim do ano passado pela Lenovo, que revelou que 44% das pessoas gostariam de trabalhar nesse novo ambiente de realidade virtual.
Nesse ambiente, empregados criarão seus próprios avatares, que entrarão em um escritório virtual, registrarão ponto e caminharão até suas estações de trabalho, onde travarão interações com chefes, subordinados e colegas de trabalho. A subordinação jurídica se fará presente no Metaverso, assim como questões tipicamente trabalhistas, como as relacionadas à duração do trabalho e concessão de intervalos nesse ambiente.
Nesse "meta-trabalho", os empregados poderão também estar expostos a merchandising (anúncios e propagandas) nos escritórios virtuais, o que provavelmente os levará a poderem comprar produtos para si e para seus avatares. Nesse contexto - e assumindo-se que as criptomoedas serão utilizadas para essa finalidade -, seria possível pagar parte da remuneração dos trabalhadores com essa moeda?
É possível antever também que empregados de diferentes países conviverão lado a lado no mesmo ambiente, o que faz surgir a questão sobre qual legislação trabalhista seria aplicável no Metaverso: a lei do local de residência do empregado-avatar? A lei de sua nacionalidade? Ou será que as partes poderão escolher a lei aplicável (hipótese não menos controversa, pois permitiria a eleição da legislação de um país menos protetivo aos trabalhadores).
A indagação acima torna menor a dúvida sobre quais normas coletivas seriam aplicáveis no Metaverso - se alguma. O que não significa que esse ambiente estaria imune a reivindicações, manifestações, piquetes, e até mesmo greves.
E os litígios, onde seriam dirimidos? Qual seria o foro competente para solucionar os conflitos trabalhistas oriundos do Metaverso ou nele iniciados? Será que, em algum momento, seria possível solucioná-los no próprio Metaverso, criando-se tribunais virtuais também nesse ambiente?
Para além do empregado-avatar, como ficaria a proteção à saúde da pessoa que o controla, obrigada a usar equipamentos de realidade virtual por horas a fio? Será que outras doenças - que afetam os sentidos, por exemplo - seriam alçadas à condição de ocupacionais?
As respostas que o Direito do Trabalho atual oferece parecem, no mínimo, incompletas. Afinal, de acordo com o art. 75-B da CLT, o meta-trabalho seria tecnicamente uma espécie de teletrabalho, já que o empregado real o desempenha de "fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação".
Porém, seu avatar trabalharia dentro das dependências "virtuais" do empregador e, nessa lógica, caberia questionar qual regulamentação prevaleceria, por exemplo, no que diz respeito ao controle de ponto: a regra do teletrabalho que dispensa esse controle, ou a regra geral que o obriga o empregador a efetuá-lo?
Como se vê, as perguntas são muitas e de diferentes naturezas. Elas são respondidas com facilidade a partir da legislação trabalhista atual. Não se tem notícia de iniciativas parlamentares para regulação da matéria e é natural que ela não esteja na agenda de prioridades, diante do atual cenário político-econômico brasileiro e mundial.
Por isso, o que se pode antever no momento é que os tribunais e a jurisprudência mais uma vez serão protagonistas no oferecimento de respostas, quando as perguntas finalmente alcançarem a Justiça. Até lá, será preciso criatividade jurídica para conviver com o "metavácuo trabalhista" do Metaverso.
*Luiz Marcelo Góis é sócio da área trabalhista do BMA Advogados