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Mês do consumidor: muito pouco a comemorar

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Por Juliana Pereira e Érica Werneck
Atualização:
Juliana Pereira e Érica Werneck. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Quando olharmos historicamente para 2021, veremos que essa data será lembrada como uma das mais difíceis desde o início da sua comemoração, em 1983. As relações de consumo possivelmente sejam uma das mais antigas práticas da vida em sociedade, porém, talvez nunca tenham estado tão complexas e, ao mesmo tempo, tão frágeis.

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O Código de Defesa do Consumidor brasileiro representa um dos ordenamentos jurídicos mais avançados no mundo por se tratar de uma lei principiológica, que protege o consumidor não com a letra fria da norma, mas sim elevando a sua proteção a um direito fundamental garantido constitucionalmente, trazendo para discussão algo maior que os ditames costumeiros da sociedade e, em verdade, mais intrínseco: suas relações humanas. Assim, mais do que um comprador de produtos ou contratante de serviços, o direito consumerista protege, acima de tudo, sua dignidade nas relações de consumo e na sociedade com um todo.

Porém, como proteger a dignidade do consumidor em meio a uma pandemia que assola a humanidade em proporções nunca vistas nos tempos modernos? Pandemia que vem afetando todas as esferas da vida em sociedade, fragilizando-a de tal modo que um direito volta a ser uma necessidade básica?

Atualmente o consumidor se encontra hipervulnerável, buscando ajustar o orçamento familiar apertado ou até mesmo reduzido para a vida em distanciamento social. Os que podem, suprem suas necessidades básicas com compras online, arcam com despesas médicas extraordinárias ou planos de saúde incompatíveis com sua atual situação, sabendo que, quando precisar usá-lo, talvez não tenha sequer um leito hospitalar.

Não podemos nos esquecer dos consumidores de baixa renda, que ou perderam seus empregos ou tiveram diminuição de rendimentos, estão sobrevivendo com recursos escassos e são os mais impactados com a alta nos preços dos itens da cesta básica, do combustível e de medicamentos.

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Do outro lado, o impacto da pandemia também fragilizou inúmeras empresas; sejam elas pequenas, médias ou grandes. Com o consumidor em casa e com poder de compra reduzido, muitos experimentaram quedas drásticas em faturamento, especialmente nos primeiros meses da pandemia. Somando a isso veio a urgência em zelar pela saúde de seus colaboradores e adaptar-se aos necessários decretos de abertura e fechamento das atividades econômicas e suas sucessivas e diferentes restrições em todo o país.

Nesse cenário desafiador de custos inesperados e incertezas, empresas tiveram que adequar seu business e investir em soluções para continuarem funcionando, tudo isso em um delicado equilíbrio com suas responsabilidades básicas como salários, aluguéis, compra de insumos. Talvez pela primeira vez desde o capitalismo como conhecemos hoje, lucratividade não foi a principal força motora de milhares de negócios.

A essência da proteção do consumidor é reequilibrar uma relação jurídica naturalmente desequilibrada. Mas como fazê-lo quando ambas as partes se encontram fragilizadas?

Talvez um primeiro passo possível seja ouvir as dores reais e concretas. Ao passo que as empresas precisam ser flexíveis o suficiente para atender as novas necessidades do seu consumidor, é preciso compreender as limitações que o atual momento trouxe para diversos negócios.

Transparência e boa-fé nunca foram tão importantes. Isto porque informações claras consagram o consumo consciente; comunicação eficaz permite adaptações ao "novo normal"; e a boa-fé possibilita a sobrevivência de todos nesse sensível ambiente das relações de consumo. Um exemplo disso foram a ampliação da telemedicina, a criação de novos meios de pagamento ou de acesso a bens de consumo, postergações de reajustes, simplificação de processos e desenvolvimento de mecanismos para aproximar cada vez mais empresa-cliente.

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O momento é de cooperação mútua e, para tanto, é preciso empatia, humildade e sabedoria para dialogar com vários setores da economia, com consumidores, autoridades públicas estaduais e municipais e todos os setores da sociedade que estejam interessados. Construir uma agenda prioritária e trabalhar efetivamente por ela, é o que a sociedade legitimamente espera, especialmente das lideranças com mandato publico de defesa do consumidor.

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Portanto, o momento é de muito esforço, de construção de pontes e de propósitos de interesse coletivo, não cabe individualismos, oportunismos e estrelismos. Resgatar o valor de viver em sociedade e conscientizar-se que equilíbrio social e econômico combate desigualdades, contribui para uma vida mais digna e para sustentabilidade dos negócios, favorece o empreendedorismo e o desenvolvimento da sociedade, mesmo em cenários incertos e turbulentos como esse Mês do Consumidor.

*Juliana Pereira, presidente do IPSConsumo e ex-secretária Nacional do Consumidor

*Érica Werneck, consultora, advogada e Head de Marketing Digital do IPSConsumo

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